domingo, 18 de maio de 2008

Passarinho ou macaco?

Passarinho ou macaco?

Texto e foto de Valéria del Cueto*

Aqui, da janelinha do avião, tenho a minha primeira visão 2008 do cerrado que tanto amo. Ela foi de curta duração. O tempo do avião escalar a primeira formação de nuvens, em busca da altitude de cruzeiro e de uma certa estabilidade.

No momento, tudo sacode. Não muito, mas o suficiente para fazer das minhas letras garranchos que, espero, consiga decifrar quando for digitar estas linhas, literalmente mal traçadas, no SEM FIM.

“Aceita cereal? Tenho os sabores: castanha, banana ou coco” repete pela centésima vez a comissária de bordo. Prefiro abstrair. Sou do tempo em que as refeições dos vôos eram criações de chefs de cousine, quando ter um cartão da companhia aérea significava  que podíamos solicitar comidas especiais como kosher e vegetariana, antes mesmo de embarcar.

“Carne ou frango?” era a deixa para que informássemos nossa preferência ou a especialidade previamente solicitada.

Hoje, somos todos passarinhos, comedores de cereais ou macacos, caso, precisando de um salzinho para enganar o estômago, optemos por devorar o micro pacote de amendoim a que temos direito.

Se os alimentos mudaram para pior, o consolo é o suco de laranja de caixinha e a coca cola. Eles, pelo menos, continuam os mesmos. Até quando, me pergunto esfomeada, escamoteando o buraco no estômago com uns parcos pãezinhos de queijo que, prudentemente comprei numa lojinha o aeroporto, antes do embarque no Rio.

Mas o direito de sonhar ninguém pode me  cobrar. Por isso, mordo os pãezinhos murchos fecho os olhos e trago, lá do fundo das minhas melhores lembranças, o sabor exótico e espaçoso do coentro. O aroma inconfundível vem do vinagrete com que rego, na minha fértil imaginação, uma porção generosa de pacu, peixe nobre da região pantaneira, assado e recheado com farofa de couve.

Uma das delícias que, tenho certeza, vou saborear em breve. De preferência numa mesa repleta de outras gostosuras, como a Mojica de Pintado servida desde sempre na casa de Aline Figueiredo. Ela, que diz que o que a prende a Cuiabá são os peixes. Deliciosos e saborosos.

Cá para nós, penso eu, mastigando meu bolinho borrachudo, não poderia escolher lugar melhor para voltar às origens. Por que, nesse caso, sei que a realidade sempre superará o que profeticamente antevejo, por mais fértil que seja minha imaginação...


*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval
Este artigo faz parte da série Parador Cuyabano


Um comentário:

Valeria del Cueto disse...

Segundo Ancelmo Goes, a Cia Aérea parou de servir as famigeradas barras de cereais no dia 19 de outubro. Pelo visto, a foto acima vai virar raridade, graças a Deus!