Tempo, tempo, tempo...
O que fazer quando não há o que fazer, a não ser esperar, é claro?
Solucionei esse impasse existencial já faz um tempo. Foi quando aprendi (e, confesso, custei muito) que quando o tempo vira senhor, não há outra opção além de se submeter ao seu jugo.
Antigamente, esperar numa fila, aguardar um exame ou ser dobrada por um hiato temporal burocrático acabava comigo e eu acabava com quem me obrigava a ficar ali, perdendo tempo. Era quando observava o normalmente péssimo funcionamento do sistema em questão. Isso me deixava furiosa e pronta para tecer um rosário de reclamações, quase sempre justíssimas.
O gatilho final acontecia quando os funcionários do serviço em questão, depois do primeiro impacto da tempestade que desabava sobre eles, compreendiam (a maioria, pelo menos) que o alvo do bombardeiro não eram os próprios, mas a gestão em si.
Cansei de ser chamada num canto para ouvi-los sentenciar “a senhora (aí virava sempre senhora) está fazendo um favor pra gente. Bote a boca, por que só reclamando – e muito – para melhorar o atendimento”.
O problema é que a tempestade passava (como todas passam) e a vida nas repartições acabava voltando ao que era antes, depois do tsunami valeriano.
Depois passei a ir direto ao ponto, encurtei o caminho. Quando sentia o sangue ferver, já partia para o registro, ainda interno: “Tem um livro de reclamações? Quero protocolar minha queixa.”
Aí, comecei a reparar que meus escritos reclamatórios acabavam tendo um quê de literatura e passei a ter pena de mantê-los restritos ao órgão em questão, perdidos em um livro que ninguém lia, só o burrocrata de plantão.
Foi então que passei a andar com um caderninho onde vou me ocupando nos inevitáveis ócios burocráticos. O mesmo onde já redigia as crônicas da Ponta do Leme. Assim nasceram vários artigos e crônicas da série Parador Cuyabano que acabaram sendo publicados em jornais impressos, sites e blogues.
Hoje, quando alguém me diz que preciso esperar um tempo por alguma razão, já tiro o caderno, puxo a caneta e me preparo para mais uma crônica. Fico até felizinha.
É claro que apesar de profícua, um tanto irônica e, em alguns momentos até hilária, a literatura produzida nestes interregnos não é tão prazeirosa quanto minhas observações da Ponta do Leme ou da esquina da Rua da Piscina, sem número.
Mas eles acabam tendo um sentido, vamos dizer assim, de utilidade pública, já que quando você leitor tem que enfrentar uma maratona burocrática, basta pegar o material e ver onde estão os seus respectivos gargalos. Assim já fiz o manual do sobrevivente do Detran, da Polícia Federal, dos cartórios, agências bancárias, da Ancine, a Agência Nacional de Cinema, e tantos outros pesadelos kafkanianos.
Daqui a pouco quem sabe não publico um volume literário? Só não sei se vou colocá-lo na categoria de aventuras, auto-ajuda ou literatura fantástica. Afinal, assim como o que brotará num lapso temporal burocrático, tudo é possível.
...
PS1: Este devaneio, apesar de não tratar diretamente do tema, foi redigido num “caçada de espera”( hahahah) para exames hospitalares. Tenho certeza que não faltará oportunidade para tratar diretamente do tema em questão, já que sou super caxias quando o quesito é o insuportável checkup semestral recomendado pelos médicos em geral.
PS2: A ilustração dessa crônica é uma flor espiralada chapadense, pra inspirar melhores dias. Ninguém merece uma imagem do sistema de saúde brasileiro a essa altura do campeonato, você não acha?
...
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Parador cuyabano, do Sem FIM... http://delcueto.multiply.com
O que fazer quando não há o que fazer, a não ser esperar, é claro?
Solucionei esse impasse existencial já faz um tempo. Foi quando aprendi (e, confesso, custei muito) que quando o tempo vira senhor, não há outra opção além de se submeter ao seu jugo.
Antigamente, esperar numa fila, aguardar um exame ou ser dobrada por um hiato temporal burocrático acabava comigo e eu acabava com quem me obrigava a ficar ali, perdendo tempo. Era quando observava o normalmente péssimo funcionamento do sistema em questão. Isso me deixava furiosa e pronta para tecer um rosário de reclamações, quase sempre justíssimas.
O gatilho final acontecia quando os funcionários do serviço em questão, depois do primeiro impacto da tempestade que desabava sobre eles, compreendiam (a maioria, pelo menos) que o alvo do bombardeiro não eram os próprios, mas a gestão em si.
Cansei de ser chamada num canto para ouvi-los sentenciar “a senhora (aí virava sempre senhora) está fazendo um favor pra gente. Bote a boca, por que só reclamando – e muito – para melhorar o atendimento”.
O problema é que a tempestade passava (como todas passam) e a vida nas repartições acabava voltando ao que era antes, depois do tsunami valeriano.
Depois passei a ir direto ao ponto, encurtei o caminho. Quando sentia o sangue ferver, já partia para o registro, ainda interno: “Tem um livro de reclamações? Quero protocolar minha queixa.”
Aí, comecei a reparar que meus escritos reclamatórios acabavam tendo um quê de literatura e passei a ter pena de mantê-los restritos ao órgão em questão, perdidos em um livro que ninguém lia, só o burrocrata de plantão.
Foi então que passei a andar com um caderninho onde vou me ocupando nos inevitáveis ócios burocráticos. O mesmo onde já redigia as crônicas da Ponta do Leme. Assim nasceram vários artigos e crônicas da série Parador Cuyabano que acabaram sendo publicados em jornais impressos, sites e blogues.
Hoje, quando alguém me diz que preciso esperar um tempo por alguma razão, já tiro o caderno, puxo a caneta e me preparo para mais uma crônica. Fico até felizinha.
É claro que apesar de profícua, um tanto irônica e, em alguns momentos até hilária, a literatura produzida nestes interregnos não é tão prazeirosa quanto minhas observações da Ponta do Leme ou da esquina da Rua da Piscina, sem número.
Mas eles acabam tendo um sentido, vamos dizer assim, de utilidade pública, já que quando você leitor tem que enfrentar uma maratona burocrática, basta pegar o material e ver onde estão os seus respectivos gargalos. Assim já fiz o manual do sobrevivente do Detran, da Polícia Federal, dos cartórios, agências bancárias, da Ancine, a Agência Nacional de Cinema, e tantos outros pesadelos kafkanianos.
Daqui a pouco quem sabe não publico um volume literário? Só não sei se vou colocá-lo na categoria de aventuras, auto-ajuda ou literatura fantástica. Afinal, assim como o que brotará num lapso temporal burocrático, tudo é possível.
...
PS1: Este devaneio, apesar de não tratar diretamente do tema, foi redigido num “caçada de espera”( hahahah) para exames hospitalares. Tenho certeza que não faltará oportunidade para tratar diretamente do tema em questão, já que sou super caxias quando o quesito é o insuportável checkup semestral recomendado pelos médicos em geral.
PS2: A ilustração dessa crônica é uma flor espiralada chapadense, pra inspirar melhores dias. Ninguém merece uma imagem do sistema de saúde brasileiro a essa altura do campeonato, você não acha?
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*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Parador cuyabano, do Sem FIM... http://delcueto.multiply.com
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