domingo, 18 de outubro de 2009

O tom e a luz, o dom quiçá...










O tom e a luz, o dom quiçá...

Texto e foto de Valéria del Cueto

Uso os últimos raios de um dia sem sol. Tênues melífluos e sustenidos. Sem tirar nem por. Durarão pouco e cairão rapidamente.

Depois da chuva as cigarras berram. Não tanto quanto as de Brasília que levam a gente à loucura  e não param nem de noite nem de dia. Estouram exaustas de tanto cantar, como devem fazer as cigarras, numa quantidade incrível. Não precisa nem procurá-las, por que elas se acham.

Aqui não chega a ser uma sinfonia interminável. No máximo uma banda, quase minimalista. Educadas, elas pelo menos tentam conceder um momento solo para as mais animadas da turma do por do não sol.

Em vez da penumbra que esperava, cairia veloz, a luz fica amarela. Filtrada pelas nuvens de chuva, agora leves, depois do excesso de água ter sido despejado tarde adentro.

Não vi nada disso. Subi a Chapada entre duas barreiras plúmbeas. Passei pelo meio de quatro paredões. Um permanente, dois provisórios de nuvens ameaçadoras. Já que chovia dos dois lados da rodovia. O quarto elemento era um caminhão enorme e carregaderrimo que se arrastava lagarteando pela curva do Portão do Inferno lentíssimanente.

Não era uma visão. Sei, já me disseram que a estrada Emanuel Pinheiro é proibida para este tipo de transporte. Bom, esqueceram de deter o dito cujo lá em baixo, quase no entroncamento com a estrada para Manso.

Claro que há uma barreira da polícia, mas quando passei não havia um guarda sequer por lá. E olha que ali não choveu, o que acaba com o argumento de que a polícia é feita de açúcar e não pode se molhar. Era uma ausência presente. Com sérios prejuízos para a estrada e para a imagem dos responsáveis por impedir o proibidíssimo, inclusive pelo poder judiciário que contato, pode judiar, mas não manda tanto assim, tanto que suas ordens não são cumpridas.

Devia ser proibido que a luz do dia acabasse antes do fim dessa escrevinhação protestante. As cigarras se calaram - sinal de que são bem educadas. Começou um chove chuva lá fora e-du-ca-dís-si-mo.

Pois é... Tanta coisa harmoniosa podia contaminar  os “homi” da guerra para que eles lutassem o bom combate pela preservação do natural, na batalha contra a devastação promovida pelos ignorantes.

Inexoravelmente, foi-se a luz.

Será um sinal?

* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série Parador Cuyabano, do Sem Fim... http://delcueto.multiply.com

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