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domingo, 3 de novembro de 2013

Torino, devoro-te ao te decifrar!

L Trupis 1301023 155
Texto e foto de Valéria del Cueto
Bordolino, o fantoche,  estava tranquilo. Feliz por seu isolamento no fundo escurinho da mala. Ali, sabia, nada poderia atingi-lo.
Nada do bem, nem nada do mal. O que era muito positivo diante da latitude e da longitude que hora habitava.
Torino. Itália. Aqui mesmo, sem tirar nem por. Não havia se preparado para essa possibilidade improvável. Afinal, de tantos lugares na Europa, justo ali, no encontro dos círculos do bem e do mal? Cheio de segredos. Dos do Graal aos da maçonaria? Fonte do Bem e porta do Inferno... Afinal, o que era esse lugar? Não é para os fracos, sem dúvida.
Mas... Considerando que um de seus criadores, Adilson de Souza, havia passado pelos centros geodésicos do Brasil e da América do Sul, em Cuiabá e na Chapada dos Guimarães (quem estava onde, certamente era o de menos...), onde a menos de 60 quilômetros se concentravam as forças centrífugas energéticas de um país e de um continente, Torino não era pato, mas dava pra destrinchar.
Isso se a Bruxa resolvesse dar o ar da graça e fazer o que lhe cabia. Para isso a gente aceitava e considerava a possibilidade de andar por aí com uma bruxa, não é verdade? Aquela que viera com ele de  Camino al Tagliamento na viagem trans-italiana do norte.
Graças a Deus os tempos eram outros e isso não era uma heresia que pudesse levar à fogueira da inquisição um cristão convicto como ele. Apenas mal acompanhado...
Quer dizer, se ela desse o ar da graça...
E deu. Largou de lado a timidez depois de um reconhecimento básico pelas possibilidades de ser atraída pelos círculos e, por assim dizer, soltou a franga no dia 31 de outubro. O dia. Um pouco antes da hora delas. Quer dizer, da nossa...
O lugar onde desabrochou (onde já se viu uma bruxa desabrochar?) foi especial. Lindo, por assim dizer e descrever. Grandes janelas, um jardim inspirador no meio de uma via movimentada de Torino. As folhas de outono se esparramando janelas abaixo. Abusadamente deslumbrante. Conversou, dialogou, se divertiu. Sabendo que caíra do lado certo dos círculos energéticos da cidade. Literalmente falando.
Uns poucos privilegiados puderam ver a bruxinha se banhando na Fonte do Bem ao entardecer sem dar a menor bola para a temperatura da água naquela quinta-feira gelada. E a noite ainda nem havia começado.
Foi aí que Bordolino, testemunha ocular dos fatos acima narrados, meio assustado com a transformação da companheira, optara por se recolher a tranquilidade do fundo da mala deixando as forças do mundo sobrenatural se ampliarem do lado de fora sem resistir ou pré-conceber os fatos que pudessem ocorrer ao seu redor.
A bruxa seguira seu caminho encontrando outras iguais aqui e ali. Fazendo contatos como diriam tecnicamente os viciados em networking do mundo atual. Só que um tipo de contato um pouco diferente dos que estes estavam acostumados.
Ela desabrochava! Ele se recolhia diante das correntes poderosas que se liberaram naquela noite mágica em Torino.
Vida, a bruxa ganhara vida! E, ele sabia, a partir dali a apatia que reinara nas últimas semanas desaparecia magicamente.
Por que agora o caminho estava aberto, as forças liberadas e o futuro ao alcance de ambos. Não mais com ele puxando o bloco tentando animar – sozinho - a festa, boneco dos cem instrumentos, cantando, tocando e dançando. Mas com a bruxa desembestada(no bom sentido), pronta para dar a partida para novas e inimagináveis aventuras, fazendo a algazarra correspondente a sua liberação.
Que viesse o mundo para ser palmilhado! Mares a serem singrados e terras estrangeiras exploradas. Com a parceira feiticeira estava pronto pra tudo. Depois que passasse a noite das bruxas, é claro, e o equilíbrio retornasse ao mundo exterior, em mais um ciclo celestial que recém iniciava-se, esse, dedicado apenas ao Bem que deveria reinar no planeta. Amém!
**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “No rumo”,  do SEM FIM...  delcueto.wordpress.com
ILUSTRADO DOMINGO    JULHO 2009

domingo, 11 de agosto de 2013

A arte de não fazer nada

Araras 130531 017 rede
Texto e foto de Valéria del Cueto
Já experimentou? É muito difícil.

Quem lançou o desafio foi o Chico. Não o Papa, que Deus o tenha em sua santidade e que as orações por ele pedidas durante seu tour brasileiro sejam atendidas! Falo de Chico  Amorim, “fio” de seo Adriano e dona Adelina, da Comandante Costa, na Cruz Preta, em Cuiabá, Mato Grosso.

Ele dizia que não havia nada mais supremo do que não fazer nada. Por isso, chegar a esse nirvana era tão complicado.

Vi Chico nesse estado algumas vezes, a maioria delas balançando preguiçosamente numa rede. Olhos perdidos no vazio do universo, a ponta dos pés no chinelo velho garantindo o ritmo certo do vai e vem de seus pensamentos no nada.

Tenta. O problema começa quando a gente se instala para não fazer nada. Isso já demanda uma série de atividades que nos afastam do objetivo principal.

Porque o fazer é uma cadeia de elos de não fazer que, quando vamos ver, já é alguma coisa sendo feita.

Um exemplo: queria falar da arte do não fazer nada. Lembrei de Chico. Me dei um coringa: não fazer nada escrevendo, o que já é fazer alguma coisa.

Pensei no clima que atrairia Chico para o meu lado. Precisei fazer algo: achar um CD que Chico gostaria de ouvir. Pronto, lá fui fazer algumas coisas: abrir o armário, vaguear entre as várias possibilidades, até encontrar Dona Edite do Prato, produzida por Maria Bethânia.

Quase parei num CD de música cuiabana, como as deliciosas composições de Vera e Zuleica, mas achei que seria muito óbvio.

Chico sempre foi requintado, antenado. E, se fosse por referências imediatas, minhas primeiras opções seriam Nina Hagen, Laurie  Anderson ou Lou Reed. Quantas vezes subimos paras cachoeiras da Chapada ouvindo esses repertórios. Preferi algo mais nosso. Dona Edite era o contrapondo do minimalismo! Chico adoraria.

Mas vejam como me distanciei da proposta inicial. Já estava cheia de atividades. Físicas e mentais. E nada de não fazer nada.

É claro que o telefone tocou e precisei atender. Mudei o rumo da demanda, dando umas dicas do que fazer na noite carioca pra um cuiabano de passagem.

Para a gente conseguir não fazer nada, tem que seguir o fio da vontade, por que tudo acontece justamente quando a decisão de tirar os véus e alcançar o vácuo é tomada.

Tudo atrai como um imã, tudo acontece e você tem que ir de desnudando de todas as vontades, optando por algo que não leva a absolutamente... nada!

Já passei dias tentando não fazer nada. Procurando resistir as tentações de fazer alguma coisa. Algumas, desisti, porque não é fácil ver o mundo passando lá fora enquanto você se aquieta.

Tá, você vai dizer que isso é meditação. Monges, budistas, hindus e muitos outros fazem isso com os pés nas costas. Mas não é, por que na meditação, você... medita! Se eleva...

O fazer nada cuiabano proposto por Chico Amorim é mais largado, menos rígido. É balangado. Pra quem consegue alcançar esse não ritmo, esse levar.

Acho que tem muita gente precisando não fazer nada. Por que assim, pelo menos, estariam deixando de fazer demais, sem nenhum critério, sem agregar valor a quantidade de inutilidades geradas no mundo...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Parador Cuyabano”,  do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

domingo, 18 de dezembro de 2011

Bordadeiras da Chapada e o natal




A representação da natividade e seus símbolos bordado em pequenos quadros no delicado trabalho das Bordadeiras da Chapada dos Guimarães, Mato Grosso.

O objeto fotográfico é a toalha de mesa, emoldurado pelo cenário da casa de uma das mãos de fada e os chaveiros que se trasnformam em guirlandas natalinas.

A peça foi executada no segundo semestre de 2011 e os detalhes de cada quadro podem ser vistos no álbum "A história de natal das Bordadeiras da Chapada".

* A série faz parte do projeto de preservação da memória dos trabalhos desenvolvidos pelo grupo em parceria com o NEOM e apoiado pela del Cueto - assessoria e produção.

A história de natal das Bordadeiras da Chapada




A representação da natividade e seus símbolos no delicado trabalho das Bordadeiras da Chapada dos Guimarães, Mato Grosso. A peça foi executada no segundo semestre de 2011.

* A série faz parte do projeto de preservação da memória dos trabalhos desenvolvidos pelo grupo em parceria com o NEOM e apoiado pela del Cueto - assessoria e produção.

domingo, 27 de novembro de 2011

Sempre ele

S e m p r e   e l e

Texto e foto de Valéria del Cueto

Ficou olhando aquela grandura. Como se estendia preguiçosa numa sem cerimônia abusada e cheia de atitude, nem aí pra realidade nua e crua do entorno: placas de propaganda, anúncios de refrigerantes, um trailer de sanduíches estacionado a sua sombra. A mais completa tradução de como poluir visualmente uma obra prima da natureza.

Tá bem que naquela temporada as coisas tenham sido mais amenas na vizinhança, sem maiores queimadas, o que permitia que a vegetação adjacente ao menos beirasse os pés de sua exuberância natural. Mesmo assim, não se incomodava segura de sua superioridade plástica e libertária.

Foi ela que chamou a atenção. Sempre foi assim, e não tinha por que deixar de ser. Trocar o certo pelo duvidoso não fazia parte do seu show. E que show!

As folhinhas minúsculas de um verde ofuscante que formavam  e compunham as folhas maiores contrastavam com o amarelo invadido e dominado pelo vermelho profundo das delicadas pétalas indisciplinadas e espaçosas de suas milhares de flores. Elas pareciam pesar e nivelar a altura dos frondosos galhos da árvore em questão, um lindíssimo flamboyant de beira de estrada. Daqueles que distrai o motorista que passa avoado fixando na tela ocular, o retângulo com o piso preto do asfalto, as laterais em animados, porém quase sempre monocórdios tons de verde, e o azul quase constante do céu.

Em resumo, ali havia uma escandalosa explosão da natureza, quase camuflada pela ação humana.

Um flamboyant leva a outros flamboyants. Uns reais, já que é época de florada da espécie, e outros que se recusam teimosa e peremptóriamente a abandonarem suas mais deliciosas lembranças.

Só quem já morou embaixo de um pé de flamboyant sabia do que falava. A espera pela florada, as cores se espalhando e multiplicando a cada nova manhã. A colheita das flores que caem sacudidas pelo vento.

É, por que ter um flamboyant na vida é um caso de amor ou de ódio. Tudo depende de como se encara a quantidade incrível de pétalas e flores que precisam ser “limpadas” do terreno diariamente. Achava pessoalmente bem mais divertido do que recolher mangas caídas de uma mangueira, depois (ou antes, dependendo do ponto de vista) da fase das folhas secas.

Entre outras razões, por que flores têm mil e uma utilidades. Basta um pouco de imaginação para achá-las perfeitas em vitrines ou enfeitando arranjos de natal.

Esse nunca foi seu forte, os arranjos de natal, mas a brincadeira de utilizar para a quantidade incrível de resíduos florais, ainda frescos que seriam destinados à lixeira, levou ao ritual anual de comemoração cristã. O experimento consistia em recolher e alimentar com as flores o piso do salão/presépio.

O ajudante achava que as flores murchariam e melariam, fazendo uma tremenda (agora sim) sujeira no local. Devido a insistência, pelo bem da pesquisa científica de aproveitamento dos resíduos, concordou em executar a tarefa de recolher o material ao pé da árvore e jogá-lo no espaço determinado.

- Mas não poderíamos das uma varrida antes de jogar as flores novas? – insistiu. Diante da negativa, começou a “operação flamboyant” que, para grata surpresa de todos, foi um tremendo sucesso.

As flores mudavam de um tom avermelhado para alaranjado, depois iam adquirindo tonalidades de ocre e marrom. Em vez de melarem secavam criando um lindíssimo contraste com a cor viva das novas levas que chegavam recolhidas fresquinhas do pé da árvore.

Este flamboyant mágico se foi, mas sua lembrança enfeita todos os natais e, neles, seu espírito colorido e acolhedor renasce a cada ano...


* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série Parador Cuyabano do SEM FIM http://delcueto.multiply.com

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Primavera




Nela, é preciso - e sempre - cantar.

Essas fotos compõem o minicast PRIMAVERA, embalado ao som de Gaúcha da Portela, uma homenagem à estação que começa...


Os registros foram feitos na Travessa, num dos muitos finais de semana especiais que passei por lá. A parte do riacho e da cachoeira foi feita na... cachoeira.

* Este trabalho é dedicado aos que fazem da minha estada em Mato Grosso uma primavera, mesmo na seca: à família Boabaide Yule.
Amo todos vocês!

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

De lírio chapadense




Só de olhar dá vontade.
Olhos para admirar. Sem tocar, o perfume envolve.
O que não é seu, nem de ninguém
Sem valor? Menos, nem um vintém...

* vagabinha e fotos de Valéria del Cueto para o SEM FIM...

Muralhas da Chapada




Tem que galgá-la para chegar naquela: Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, Brasil.
Parecem paredes e são.
Quando o sol bate de frente,
se a fumaça deixa,
o vermelho grita.

* Vagabinha e fotos de Valéria del Cueto para o SEM FIM...

Chapada dos Guimarães




Subindo, ficando e voltando.
* fotos de Valéria del Cueto para o SEM FIM...

domingo, 4 de setembro de 2011

Bordadeiras da Chapada dos Guimarães / Neom - mãos




Comecei um trabalho com essas mulheres valorosas. Elas usam linhas e agulhar para falarem da vida de de sua realidade.

As mullheres chapadenses participaram do projeto Bordando o Brasil, da Matizes Bordados Dumont, de Pirapora, Minas Gerais e agora seguem seu próprio rumo, no Neom - Núcleo de Estudos e Organização da Mulher.

Para abrir os trabalhos fiz 4 ensaios na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso:
- As bordadeiras da Chapada dos Guimarães
- Evento Anti-Tabagismo
- As simpáticas mensagens antitabagistas
- Mãos

* agradeço as bordadeiras, a Ana, Louriza e Raiza Boabaid. Cada uma a sua maneira, colaborou para que as fotos produzidas para As Bordadeiras da Chapada dos Guimarães / Neom, pudessem ser registadas.

Bordadeiras da Chapada dos Guimarães / Neom - As mensagens anti-tabagistas




Comecei um trabalho com essas mulheres valorosas. Elas usam linhas e agulhar para falarem da vida de de sua realidade.

As mullheres chapadenses participaram do projeto Bordando o Brasil, da Matizes Bordados Dumont, de Pirapora, Minas Gerais e agora seguem seu próprio rumo, no Neom - Núcleo de Estudos e Organização da Mulher.

Para abrir os trabalhos fiz 4 ensaios na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso:
- As bordadeiras da Chapada dos Guimarães
- Evento Anti-Tabagismo
- As simpáticas mensagens antitabagistas
- Mãos

* agradeço as bordadeiras, a Ana, Louriza e Raiza Boabaid. Cada uma a sua maneira, colaborou para que as fotos produzidas para As Bordadeiras da Chapada dos Guimarães / Neom, pudessem ser registadas.

Bordadeiras da Chapada dos Guimarães / Neom - Evento anti-tabagismo




Comecei um trabalho com essas mulheres valorosas. Elas usam linhas e agulhar para falarem da vida de de sua realidade.

As mullheres chapadenses participaram do projeto Bordando o Brasil, da Matizes Bordados Dumont, de Pirapora, Minas Gerais e agora seguem seu próprio rumo, no Neom - Núcleo de Estudos e Organização da Mulher.

Para abrir os trabalhos fiz 4 ensaios na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso:
- As bordadeiras da Chapada dos Guimarães
- Evento Anti-Tabagismo
- As simpáticas mensagens antitabagistas
- Mãos

* agradeço as bordadeiras, a Ana, Louriza e Raiza Boabaid. Cada uma a sua maneira, colaborou para que as fotos produzidas para As Bordadeiras da Chapada dos Guimarães / Neom, pudessem ser registadas.

Bordadeiras da Chapada dos Guimarães / Neom




Comecei um trabalho com essas mulheres valorosas. Elas usam linhas e agulhar para falarem da vida de de sua realidade.

As mullheres chapadenses participaram do projeto Bordando o Brasil, da Matizes Bordados Dumont, de Pirapora, Minas Gerais e agora seguem seu próprio rumo, no Neom - Núcleo de Estudos e Organização da Mulher.

Para abrir os trabalhos fiz 4 ensaios na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso:
- As bordadeiras da Chapada dos Guimarães
- Evento Anti-Tabagismo
- As simpáticas mensagens antitabagistas
- Mãos

* agradeço as bordadeiras, a Ana, Louriza e Raiza Boabaid. Cada uma a sua maneira, colaborou para que as fotos produzidas para As Bordadeiras da Chapada dos Guimarães / Neom, pudessem ser registadas.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Isto é só o começo. A terra arde!




V de vazio
Só li tá rio

Flor esta queima da
estrada-morro-fumaça

Pare dão galha ria
ponte rio Cachoeirinha
Estrada/Chapada

Onde há fumaça
Salga de ira

Aponta o sol
O sol na ponta

*Vagabinha e fotos de Valéria del Cueto da desolação que começava para a série Parador Cuyabano do Sem Fim....

domingo, 12 de setembro de 2010

É a vida, continua...

É a vida, continua...
Texto e foto de Valéria del Cueto
O dia amanhece e o sol se esparrama ainda frio pela porta aberta do chalé na beira da piscina. Sentada no sofá observo seu desenho espalhado no balcão da cozinha, passando pelos bancos altos, a cesta cheia de cachos de flores de primavera multicoloridas ressecadas, o piso de taboa corrida que tanto trabalho, alegria e orgulho deram para Dona Elza, a ponta do sofá onde escrevo e a mesa do centro da sala.

Ainda é cedo, muito cedo, mas é hora da partida. Ao contrário de muitas outras manhãs de segunda feira não me despeço da casinha amarela com um singelo “até mais, daqui a alguns dias eu volto, me espera...”

É um adeus, em que nada fica para trás.

Vejo na porta meus últimos pertences embalados. Como disse anteriormente, em outra crônica, são discos, livros e um pouco mais. Tudo seguirá para Cuiabá, até o próximo pouso.

A porta e os portões deste paraíso se fecham vagarosamente na medida em que, passo a passo, vou saindo do espaço, até então mágico, em que andei refugiada no último ano.

Não há tristeza na partida por que sei que a porta de um paraíso só se fecha para que a de outro possa ser aberta. Eles, os paraísos, são vários. Mas há apenas uma passagem aberta de cada vez para alcançá-los. E, só quando uma se fecha, é possível com muita sorte, vale ressaltar, encontrar outra.

Foi assim na ilha do Brandão em Angra e o ritual se repete aqui, na Chapada dos Guimarães.

O segredo, para não doer muito o momento da partida do paraíso, é não olhar para trás e saber, só com o coração, sem a visão, que, apesar de tudo ficar como está, nada será como antes ali.

Ouço a buzina que atrapalha o canto dos pássaros na manhãzinha. Recolho a mala, o pacote bem embrulhado das tralhas (sou expert em embalar sonhos, esperanças e poucas, mas muito preciosas lembranças), o notebook recheado de fotos ainda inéditas por puro zelo (no sentido hispânico da palavra), a bolsa e os jornais cariocas que vou deixar para o Juliano e a Louriza, meus ex e futuros anfitriões no lugar que escolhi para viver meus momentos de inspiração e produção criativa.

Puxo a porta, passo a chave, ligo o alarme, olho em frente e desço os degraus de tijolinhos equilibrando as emoções, em direção ao portão de lateral de madeira.
Mal levanto a cancela e as duas bandas se abrem sozinhas impulsionadas por um golpe inesperado de ventania que escancara o mundo a minha espera e me desafia a uma nova busca, por outro portão, de outro jardim que ainda não conheço.

Não olho para trás, já disse, mas sei que a camuflagem enfeitiçada, a névoa de proteção, se dissolve. Um lugar volta a ser o lugar.

A mim só cabe agradecer o privilégio de ter ancorado no paraíso que encantou a Travessa da Piscina, sem número, no ano da graça de 2010.
 
* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Parador Cuyabano, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com 
 

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Domingo às 6, no chalé da Travessa da Piscina, sem número

http://valeria-delcueto.podomatic.com/entry/2010-09-07T20_47_19-07_00


Foi no último tempo, véspera de despedida, que lembrei de registrar o som do ar de domingo, às seis da tarde na porta do chalé da Travessa da Piscina, sem número.

Sinos, latidos, trinados e pios, serra, gritos, carro passando na rua.

É a vida que se ouve em pouco mais de cinco minutos, na hora da Ave Maria, em Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, Brasil.

* Captação e edição de Valéria del Cueto para a série Parador Cuyabano, do Sem Fim...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Assombra



Assombra




Texto e foto de Valéria del Cueto




E lá ia descendo de manhãzinha em direção ao trabalho. A pé, como pedia o curto trajeto de umas poucas cinco quadras quando o santo ajudava.


O hábito de só pegar carro ou um táxi quando o percurso realmente exigia quase caindo em desuso, por causa da baixíssima umidade relativa do ar e a praticamente inexistente umidade absoluta de uma chuvinha básica.

No caso da volta pra casa, no sentido contrário, com angulação invertida, ladeira acima, a distância e o esforço pareciam decuplicados devido as condições geográficas e climáticas. Só num ato quase heróico.

Então, aquele passeio matinal era uma alegria. Pelo sol ainda baixo e por que não ia sozinha. Dialogava e brincava com aquele ser animadinho que a antecedia saltitante.

O ser esguio, cabelos soltos e longos, dançando cheio de cachos, era conhecido principalmente por aquela maneira peculiar de deixá-los meio que saltitarem em volta dos ombros.

Ficava animada com sua animação. Sua disposição de se jogar à frente do caminho sempre a contaminava. Não ia ser diferente desta vez, pensou.

Foi aí que teve o estalo. Ela nunca mudou, engordou ou se deformou através dos tempos. Não ela. Magra, sempre foi, ágil também e, nesse momento, devido ao balanço do cabelo provocado pelos passos apressados era exatamente a mesma de muitas décadas atrás.

Como envelhecer se, ela, sua imagem mais fiel e constante, não reflete tais mudanças, pensava riscando o caminho acidentado que a distorcia a cada obstáculo e desnível – e olha que são muitos. Se cada vez que olha seu desenho não via traço de cansaço ou desânimo?

Se o que vê é o que a faz, então, ela é tal e qual... Sei lá, seus 15 anos? E os tem eternamente refletidos na sombra que a acompanha nessa longa caminhada.

Diferente de Peter Pan, que a perdeu, sua sombra está sempre ali e quando tenta se convencer que o tempo passou, a vida mudou e a idade chegou, ela se insinua forte, bem definida e exatamente a mesma.

Como a lhe dizer, achando graça, que era a prova viva do seu contraditório. A certeza de que, enquanto ela quiser, podia ser como ela é.

Bastava deixar de lado a idade física e se concentrar em cada passo. Levando o passo no compasso do corpo felino ou dos cachos balançantes que via a sua frente. Abrindo espaço para a próxima etapa do seu alegre e vitalizante caminhar. Afinal, este era mais um dia. Que começava...

* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Parador Cuyabano, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com

domingo, 22 de agosto de 2010

Ma Teus


Ma teus





Texto e foto de Valéria del Cueto


Mateus é um menino que mora na casa ao lado do chalé. Outro dia descobri que a presença de Mateus é essencial para me reconhecer definitivamente uma chapadense, a cada final de semana que me escondo por lá.


Tudo é uma questão de ponto de vista, o que para meus amigos cuiabanos pode ser um ëscondimento”, na verdade é o que me coloca em contato com as plantas, os insetos e, principalmente os pássaros cantantes do meu pedaço alugado.

Quando chego, depois de uma semana encarapitada no apartamento da Avenida São Sebastião ( o santo padroeiro do meu Rio de Janeiro me protege e abriga na atual temporada no centro-oeste), procuro o reconhecimento mútuo entre os elementos do meu habitat e a forasteira que vos escreve.

Respiro fundo, abaixo o giro, apuro os ouvidos e deixo o ritmo do chalé e seu entorno me envolverem.


Normalmente fico quietinha no meu canto até o dia seguinte e, só então exploro o entorno: a praça, a padaria, a Pomodori. São as 3 Ps. Mas isso, depois de Mateus. Só o vejo bem de longe e ouço, muitas vezes por dia, o brado de reconhecimento:


- Mateeeeeeuuuusssss! Vozes femininas, masculinas adultas e infantis repetem o chamado em tons variados, muitas vezes bastante aborrecidas. Principalmente as masculinas. Mateus está na boca do povo da esquina da margem da piscina.


Resumindo: ele vive aprontado, como devem  fazer os meninos da sua idade. Ele não é como Ana Clara, uns 6 anos, que veio me conhecer e assuntar logo que comecei a subir para cá. Mantém distância e só abre um pouco a guarda na época das mangas.


De vez em quando encontro rastros dele em baixo das mangueiras e nas frutas, pedaços cortados com faca espalhados pelo gramado.


- Foi o Mateus, entrega Ana Clara que, politicamente correta, vem perguntar se pode pegar algumas frutas da safra que começa.

- Já disse que você é legal, me avalia e avaliza a menininha. 

- Mas ele gosta mesmo é de pular o muro durante a semana e correr o risco de levar uma bronca, explica ela, aproveitando o momento amizade para solicitar o serviço completo: quer eu vá em busca das mangas que ela escolhe, enquanto tento atingi-las e derrubá-las com um pedaço enooorme de galho.


Mateus me dá menos trabalho, penso enquanto tento acertar as frutas escolhidas por minha amiguinha exigente. Não as mais próximas, mas as mais lindas do pé, é claro. Um trabalhão!


Mateus está corretíssimo, admito para mim mesma. Tantos chamados têm que ter uma ou muitas razões. A emoção é tudo e, todo mundo que já experimentou, sabe que fruta roubada é muito mais gostosa do que fruta dada.


Nunca chamei por ele. Volta e meia vejo sua sombra montada na bicicleta riscando a lateral do terreno vizinho, despencando na Travessa da Piscina e circulando a cerca espinhenta de sansão em direção ao mundo chapadense.


Admiro Mateus. Queria ser criança como ele. Livre, leve e quase solto, se não tivesse sido a menina aventureira e arteira que fui...


* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Parador Cuyabano, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com  

domingo, 15 de agosto de 2010

Conto de fada






Conto de fada

Texto e foto de Valéria del Cueto

Pode achar estranho por que, para mim, também não é normal. São sete e meia da manhã. Uma hora improvável de um dia pra lá de inacreditável. Uma segunda feira. O que a gente não faz por amor a vida no campo.


Pensando bem (se é que alguém consegue fazê-lo de forma razoável nestas condições), esta é a antítese do meu ideal inspiratório. Para quem não se lembra assinalo e comemoro as sextas feiras, aí pelas três e meia, preferencialmente na Ponta do Leme.  Nessas condições vou para o abraço.

As ideais fluem, o mundo é azul, o mar fica para peixe e sou a dona de tudo isso.


Naquelas condições, melhor dizendo. Por que - como já deu para notar - está difícil juntar os meus neurônios  no horário atualmente imposto pela necessidade de esperar pacientemente o carro que, todas as segundas, me leva de volta a Cuiabá. Sempre depois de um delicioso final de semana na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, Brasil. Onde, graças a Deus, dificilmente alguma coisa dá errada.


Dificuldade realçada especialmente neste horário quando as minhas ações são, normalmente, mecânicas: acordar, fechar a casa da Travessa da Piscina, sem número, tirar o lixo, me arrumar (não necessariamente nessa ordem) e esperar.


Quase uma rotina (arrre!).


Até outro dia esperava recortando flores de chita para decorar as portas internas do chalé. Mas, uns quatro metros de tecido e, creio eu, em torno de 45 arranjos florais depois, a tarefa de fortalecimento da coordenação motora em estado quase vegetativo se esgotou.


O sol bate em cheio no caderno recém iniciado (esta é a segunda crônica que escrevo no novo parceiro) esquentando meu corpo e o sofá, ambos ainda fresquinhos da noite frienta deste último domingo.


Ouço o conversê dos passarinhos que cantam como se não houvesse amanhã, segunda feira,  e (sempre) uma semana inteira de labuta antes que eu possa retornar.


A buzina toca. Levando, guardo o caderno e a caneta. Recolho a bolsa e a mochila, fecho a casa, ligo o alarme. Desço as escadas e faço a curva, em direção ao portão de madeira.


Ao longe vejo minha “carruagem” pronta para me levar para meus compromissos. Os passarinhos se despedem. Corro em direção ao portão. Tenho hora. Não posso me atrasar. Vai que o transporte vire abóbora...


* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Parador Cuyabano, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com  


domingo, 25 de julho de 2010

Santana, orai por nós




Santa Ana é avó de Jesus, padroeira da Chapada do Guimarães e de Uruguaiana.