domingo, 11 de agosto de 2013
A arte de não fazer nada
domingo, 8 de abril de 2012
Cuiabanissimamente
Texto e foto de Valéria del Cueto
O que me atraiu foi o caderninho. Saudade dele que fiquei cultivando a espera da situação clássica ideal: caderno, sol, praia e Ponta do Leme.
Chove lá fora e acabo de lembrar que Lorenzo Falcão, poeta e editor do Caderno Ilustrado do Diário de Cuiabá, pediu para adiantar o material dessa semana. Situo no tempo e espaço a solicitação, o que me faz perceber que esta crônica será publicada no dia da comemoração dos 293 anos de fundação do arraial de Cuiabá, meu sempre ponto de re-torno, por mais que me choque a forma com que somos tratados em casa nós, os cuiabanos (de chapa e cruz ou paus rodados, o que importa? Vale o sentimento, o trato cortes e a gentileza caliente da gente...).
Quanto prazer em conviver com esse povo hospitaleiro e alegre onde, sempre que dá, a vida é uma festa, motivo de comemoração e regozijo. E viva os santos e padroeiros: São Benedito, o Divino Espírito Santo... Saudades, nada mais do que ela, que bate a janela querendo entrar...
Fui me empolgando e as letras escritas à mão crescendo, as frases perdendo a linha, as linhas o horizonte do papel. Como esta (quase) nova cidade, coitada.
A diferença é que minha perdição desnorteada tem limite, pode se aprumar ao trocar a página do caderno em que escrevo desgovernada e, por isso, mal aproveitada, por uma novinha em folha (ui). E, nela, recuperar a forma, reorganizar as ideias, aprumar o rumo da prosa e do pensamento e seguir adiante. Um mudar de espaço, um pouco mais que um piscar de olhos.
Com a cidade não é bem assim. Não há picos, a não ser os causados pelos enormes desastres, o que não é o caso, nessa terra abençoada pelos deuses.
Aqui existem ondas nascidas marolas que suave e lentamente engordam. Algumas se enchem de força. Poucas, de vez em quando, explodem transformando a sociedade e seu entorno de forma irrecuperável - para o bem ou para o mal.
Nas andanças dos últimos tempos, visitei vários tipos de cidades. Pequenas médias e grandes. Cada qual com sua personalidade, com sua forma de se apresentar. De todas ficaram, pelo menos, uma foto, a janela da alma daquele lugar. Aberta, fechada, semi-cerrada...
Por uma delas volto à Cuiabá e vejo, no hoje, como era a antiga vila hospitaleira. Meu presente de recordação real e atual. Quase ilusório. Visível de um único ponto de vista. Quase cansada. Canseira causada pelo calor latente nas buscas pela identidade local. Ela que, fugaz, passa desapercebidamente diante dos olhares cotidianos. Um bairro qualquer para qualquer um, mas especial para quem procura os traços remanescentes da antiga capital mato-grossense. Seus ares de arrabalde, seu espírito mais secreto, derramado aos pés do morro de Santo Antônio, a primeira sentinela do Pantanal que se esparrama preguiçoso algumas centenas de quilômetros abaixo.
A chuva cai, Lorenzo espera, a cidade pulsa e balança embalada pelo sabor das ondas imaginárias que, vagarosas e inexoráveis, transformaram-na nos últimos 293 anos. Algumas vezes mais rapidamente, como nos tempos do ouro e agora, na incrível marcha em direção ao progresso, nos últimos 40 anos. Outras, muito lentamente, moldando a personalidade dos habitantes locais que observam as mudanças do tempo (cada vez mais quente e inclemente) e da própria pele a cada setembro, como bem observava Chico Amorim, filósofo cuiabano observador e amante dos meandros quase intraduzíveis de sua aldeia.
Lembro sempre dele com muitas saudades nessa época, perto do seu aniversário, como em várias outras (era a personificação e melhor tradução do povo local), enquanto sonho com nosso futuro e desejo o melhor, até para quem ainda não reconheceu a força dessa terra e se deixa levar, quase a deriva, pelos ventos que não sopram da Chapada dos Guimarães.
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM http://delcueto.multiply.com