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domingo, 11 de agosto de 2013

A arte de não fazer nada

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Texto e foto de Valéria del Cueto
Já experimentou? É muito difícil.

Quem lançou o desafio foi o Chico. Não o Papa, que Deus o tenha em sua santidade e que as orações por ele pedidas durante seu tour brasileiro sejam atendidas! Falo de Chico  Amorim, “fio” de seo Adriano e dona Adelina, da Comandante Costa, na Cruz Preta, em Cuiabá, Mato Grosso.

Ele dizia que não havia nada mais supremo do que não fazer nada. Por isso, chegar a esse nirvana era tão complicado.

Vi Chico nesse estado algumas vezes, a maioria delas balançando preguiçosamente numa rede. Olhos perdidos no vazio do universo, a ponta dos pés no chinelo velho garantindo o ritmo certo do vai e vem de seus pensamentos no nada.

Tenta. O problema começa quando a gente se instala para não fazer nada. Isso já demanda uma série de atividades que nos afastam do objetivo principal.

Porque o fazer é uma cadeia de elos de não fazer que, quando vamos ver, já é alguma coisa sendo feita.

Um exemplo: queria falar da arte do não fazer nada. Lembrei de Chico. Me dei um coringa: não fazer nada escrevendo, o que já é fazer alguma coisa.

Pensei no clima que atrairia Chico para o meu lado. Precisei fazer algo: achar um CD que Chico gostaria de ouvir. Pronto, lá fui fazer algumas coisas: abrir o armário, vaguear entre as várias possibilidades, até encontrar Dona Edite do Prato, produzida por Maria Bethânia.

Quase parei num CD de música cuiabana, como as deliciosas composições de Vera e Zuleica, mas achei que seria muito óbvio.

Chico sempre foi requintado, antenado. E, se fosse por referências imediatas, minhas primeiras opções seriam Nina Hagen, Laurie  Anderson ou Lou Reed. Quantas vezes subimos paras cachoeiras da Chapada ouvindo esses repertórios. Preferi algo mais nosso. Dona Edite era o contrapondo do minimalismo! Chico adoraria.

Mas vejam como me distanciei da proposta inicial. Já estava cheia de atividades. Físicas e mentais. E nada de não fazer nada.

É claro que o telefone tocou e precisei atender. Mudei o rumo da demanda, dando umas dicas do que fazer na noite carioca pra um cuiabano de passagem.

Para a gente conseguir não fazer nada, tem que seguir o fio da vontade, por que tudo acontece justamente quando a decisão de tirar os véus e alcançar o vácuo é tomada.

Tudo atrai como um imã, tudo acontece e você tem que ir de desnudando de todas as vontades, optando por algo que não leva a absolutamente... nada!

Já passei dias tentando não fazer nada. Procurando resistir as tentações de fazer alguma coisa. Algumas, desisti, porque não é fácil ver o mundo passando lá fora enquanto você se aquieta.

Tá, você vai dizer que isso é meditação. Monges, budistas, hindus e muitos outros fazem isso com os pés nas costas. Mas não é, por que na meditação, você... medita! Se eleva...

O fazer nada cuiabano proposto por Chico Amorim é mais largado, menos rígido. É balangado. Pra quem consegue alcançar esse não ritmo, esse levar.

Acho que tem muita gente precisando não fazer nada. Por que assim, pelo menos, estariam deixando de fazer demais, sem nenhum critério, sem agregar valor a quantidade de inutilidades geradas no mundo...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Parador Cuyabano”,  do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

domingo, 8 de abril de 2012

Cuiabanissimamente

Cuiabanissimamente

Texto e foto de Valéria del Cueto

O que me atraiu foi o caderninho. Saudade dele que fiquei cultivando a espera da situação clássica ideal: caderno, sol, praia e Ponta do Leme.

Chove lá fora e acabo de lembrar que Lorenzo Falcão, poeta e editor do Caderno Ilustrado do Diário de Cuiabá, pediu para adiantar o material dessa semana.  Situo no tempo e espaço a solicitação, o que me faz perceber que esta crônica será publicada no dia da comemoração dos 293 anos de fundação do arraial de Cuiabá, meu sempre ponto de re-torno, por mais que me choque a forma com que somos tratados em casa nós, os cuiabanos (de chapa e cruz ou paus rodados, o que importa? Vale o sentimento, o trato cortes e a gentileza caliente da gente...).

Quanto prazer em conviver com esse povo hospitaleiro e alegre onde, sempre que dá, a vida é uma festa,  motivo de comemoração e regozijo. E viva os santos e padroeiros: São Benedito, o Divino Espírito Santo... Saudades, nada mais do que ela, que bate a janela querendo entrar...

Fui me empolgando e as letras escritas à mão  crescendo, as frases perdendo a linha, as linhas o horizonte do papel. Como esta (quase) nova cidade, coitada.

A diferença é que minha perdição desnorteada tem limite, pode se aprumar ao trocar a página do caderno em que escrevo desgovernada e, por isso, mal aproveitada, por uma novinha em folha (ui). E, nela, recuperar a forma, reorganizar as ideias, aprumar o rumo da prosa e do pensamento e seguir adiante. Um  mudar de espaço, um pouco mais que um piscar de olhos.

Com a cidade não é bem assim. Não há picos, a não ser os causados pelos enormes desastres, o que não é o caso, nessa terra abençoada pelos deuses.

Aqui existem ondas nascidas marolas que suave e lentamente engordam. Algumas se enchem de força. Poucas, de vez em quando, explodem transformando a sociedade e seu entorno de forma irrecuperável - para o bem ou para o mal.

Nas andanças dos últimos tempos, visitei vários tipos de cidades. Pequenas médias e grandes. Cada qual com sua personalidade, com sua forma de se apresentar. De todas ficaram, pelo menos, uma foto, a janela da alma daquele lugar. Aberta, fechada, semi-cerrada...

Por uma delas volto à Cuiabá e vejo, no hoje, como era a antiga vila hospitaleira. Meu presente de recordação real e atual. Quase ilusório. Visível de um único ponto de vista. Quase cansada. Canseira causada pelo calor latente nas buscas pela identidade local. Ela que, fugaz, passa desapercebidamente diante dos olhares cotidianos. Um bairro qualquer para qualquer um, mas especial para quem procura os traços remanescentes da antiga capital mato-grossense. Seus ares de arrabalde, seu espírito mais secreto, derramado aos pés do morro de Santo Antônio, a primeira sentinela do Pantanal que se esparrama preguiçoso algumas centenas de quilômetros abaixo.

A chuva cai, Lorenzo espera, a cidade pulsa e balança embalada pelo sabor das ondas imaginárias que, vagarosas e inexoráveis, transformaram-na nos últimos 293 anos. Algumas vezes mais rapidamente, como nos tempos do ouro e agora, na incrível marcha em direção ao progresso, nos últimos 40 anos. Outras, muito lentamente, moldando a personalidade dos habitantes locais que observam as mudanças do tempo (cada vez mais quente e inclemente) e da própria pele a cada setembro, como bem observava Chico Amorim, filósofo cuiabano observador e amante dos meandros quase intraduzíveis de sua aldeia.

Lembro sempre dele com muitas saudades nessa época, perto do seu aniversário, como em várias outras (era a personificação e melhor tradução do povo local), enquanto sonho com nosso futuro e desejo o melhor, até  para quem ainda não reconheceu a força dessa terra e se deixa levar, quase a deriva, pelos ventos que não sopram da Chapada dos Guimarães.

*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM http://delcueto.multiply.com