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segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Os créditos finais

Foto: Valéria del Cueto. Imagem protegida pela lei 9610/1998

Os créditos finais

Texto e foto  Valéria del Cueto

Um dia, e sinto que será breve, essa história vai virar filme. Daqueles de suspense, com toques psicológicos e referências hitchcockianas dirigido por alguém com o estilo, por exemplo, de Bruno Bini, cineasta mato-grossense que arrebentou o Festival de Gramado ganhando quatro Kikitos!

O roteiro da futura película cheio de meandros e detalhes nos obrigará a manter os olhos grudados na tela. A atenção ficará voltada aos diálogos e às sequências de onde, certamente, surgirão pistas que levarão ao clímax da obra com a elucidação do caso antes, se possível (o que nem sempre acontece), do take derradeiro e o começo dos créditos.

Estes, os créditos finais, não serão breves enquanto durarem. Virão longos, repletos de nomes conhecidos não apenas pelos técnicos e a chamada turma do cinema, a que costuma ficar na sala escura para saudar e aplaudir com o reconhecimento no olhar os ocupantes de cada função na execução do projeto cinematográfico.

Para quem não sabe (porque só vê aquele monte de letrinhas subindo velozes num cantinho das telas das TVs dos streamings) por ali passa por seus olhos a ficha técnica do filme. Nela, aquela correria desenfreada, aparecem informações que revelam ao público por quem, como, quando e onde foi realizada a obra que assistimos.

Se a informação é democrática no conteúdo, o mesmo não se aplica a forma. Existem nomes que aparecem em cartelas únicas. Isso é definido, inclusive, em contratos entre profissionais, empresas e os responsáveis por levar o produto audiovisual às telas. Patrocinadores produtores, diretores e os cargos mais importantes da equipe técnica merecem mais destaque. Assim como os atores principais. Para o restante do elenco pode ser usada uma lista em ordem alfabética ou de aparição.

Na sequência vem a equipe técnica engatada, talvez, num carrossel em que os nomes vão desfilando pela tela divididos por setores e funções. Da criação à finalização, passando pelo desenvolvimento do projeto, a produção, execução, pós produção, distribuição...

Quem participou do filme tem seu nome ali registrado. Do mais importante figurão ao mais humilde trabalhador e as empresas que prestaram serviços. É pouco? Não. Ainda faltam os agradecimentos a todos os que, de uma maneira ou de outra, colaboraram, apoiaram e de alguma forma, incentivaram sua realização.

No cinema, sou daquelas que fica até o fim dos créditos. Espero as luzes acenderem e a tela apagar. Sei que ali estão informações importantes e surpresas que aumentam ainda mais o prazer que a obra cinematográfica me proporciona.

Sempre foi assim. Pensa, por exemplo, no prazer de procurar o nome do meu pai em filmes como “Janete” de Chico Botelho; “Avaeté semente da vingança”, de Zelito Viana; “Memórias do Cárcere” e “Estrada da Vida”, de Nelson Pereira dos Santos... Cito apenas obras do início de sua carreira quando o coronel foi para a reserva do Exército e pode, finalmente, cair dentro do mundo das artes oficialmente. Sei que ele vai dizer que não foi bem desse jeito, mas é como me lembro de criança.

Na memória cinematográfica familiar adolescente também surge o filme de Geraldo Miranda “Um brasileiro chamado Rosaflor”, com Joana Fomm e Stepan Nercessian, em que Lucia, minha mãe, fez a cenografia, e passa por uma incrível viagem de prospecção sobre a Retirada da Laguna, com Nelson Pereira dos Santos e uma equipe cinematográfica, por Mato Grosso (ainda uno) e pelo Paraguai.

Esses créditos não vi nos filmes, porque o projeto da Guerra do Paraguai nunca foi em frente e não se tem notícias do filme de Geraldo. Se existe uma cópia nem desconfio qual é o seu paradeiro. Achei a informação da equipe técnica na Cinemateca Brasileira.

Se hoje fazer cinema é um sonho realizável de muitos, na época, década de 1970, era maluquice quixotesca de poucos. Cresci no meio dessas viagens cinematográficas. Por isso, os créditos, para mim, são um filme dentro do filme. Nele me reconheço por afinidade.

E é por ela, a afinidade, que nos vejo na imensa lista de nomes que finalizará o filme do julgamento que paralisa o Brasil agora em setembro. Não é preciso ser vidente, nem estatístico de instituto de pesquisa, para afirmar que sua audiência será maior do que a dos capítulos da morte de Odete Roitman da novela Vale Tudo, a original.

Nesse futuro sucesso do cinema nacional, seja como personagem, técnico cinematográfico, ou nos agradecimentos deveriam constar, nas cartelas de encerramento, o nome de cada brasileiro que participa ativamente da vida em sociedade de nossa nação.

Uma sugestão pra você, leitor que me segue no rumo do Sem Fim: espere os créditos finais e os acompanhe atentamente para, então, aplaudir de pé o filme “Brasil 2025, o julgamento”.

Ele começou a ser produzido há alguns anos e todos fazemos parte dessa equipe. Afinal, certamente, somos peças atuantes no tabuleiro do jogo registrado nessa aventura desde que depositamos os votos, deixando nossas escolhas registradas, nas urnas espalhadas por todo o país nas eleições presidenciais de 2022...

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM...  delcueto.wordpress.com

 

Studio na Colab55

terça-feira, 29 de abril de 2025

Mangrulho


Mangrulho  

Texto e foto  Valéria del Cueto

Você sabe, caro leitor, o que é um mangrulho? De acordo com o dicionário a palavra tem dois significados:

1- Posto de observação, em lugar elevado, feito de madeiras toscas.

2 -Armação metálica ou de madeira sobre a qual se fixa uma luz, farolete ou bandeira, que serve para orientar a navegação.

Fui apresentada a palavra na primeira Califórnia da Canção que assisti ao vivo em Uruguaiana, a décima edição do mais importante festival de música nativista do Rio Grande do Sul. “O Mangrulho” é título e mote da composição defendida por Jorge André e os Uruchês, em 1980. Seus autores, Knelmo Alves e Marco Aurélio Vasconcellos.

Já conhecia a produção musical do evento pelos registros em LP das edições anteriores, onde mergulhava em termos gauchescos e estar ali, na terra de parte de minha família, foi uma experiência tão marcante que acabei ancorando por lá durante alguns anos.

Como jornalista, repórter e diretora da TV Uruguaiana, do Grupo RBS, faria a cobertura de algumas edições da Califórnia, festival idealizado por Colmar Duarte. Aprendi muito nesse período profissional que se encerrou quando fui avisada que era persona non grata na Argentina por causa das matérias que produzi durante a Guerra das Malvinas...

A aventura na fronteira oeste do Rio Grande do Sul perdeu parte do seu encanto com o impedimento de circular no país vizinho e acabei puxando o carro. Primeiro para o Rio de Janeiro e, depois, em direção a Mato Grosso, onde os sulistas já estavam chegando. Décadas depois, voltaria em outras edições para mergulhar na cultura gauchesca e festejar minhas origens familiares.

Hoje observo o mundo de um mangrulho moderno, que não é de madeira, mas de concreto. Meu posto de observação primário está localizado no pé da serra fluminense, sobre um riozinho. Usando a tecnologia moderna tomo conhecimento não apenas do que a vista alcança, mas de qualquer lugar do mundo, graças a internet. É daqui que, na maior parte do ano, acompanho a evolução dos acontecimentos que sacodem a humanidade.

Gosto do som da palavra mangrulho. Ela me lembra mergulho. A troca da vogal e o empurrão do R para depois do G para que o N tome seu lugar me dá uma sensação contraditória de distância e envolvimento, de estar atenta, positiva e operante.

Todos os anos troco o mangrulho do pé da serra por outro, que já foi de concreto e hoje é de ferro.

Falo da estrutura da torre de transmissão da Marquês de Sapucaí onde fico empoleirada durante parte dos desfiles das escolas de samba do carnaval carioca. De lá tenho uma visão especial da pista, das arquibancadas e da Apoteose.

Já contei, inclusive, em outra crônica chamada A torre (ou quem bejô, bejô), a aventura que foi para conquista-la, missão impossível para quem tem medo de altura, o que não é meu caso.

Tão difícil como chegar lá e ter forma física para o sobe, desce, corre pra pista. Por normas estabelecidas pela organização do espetáculo o caminho ficou muito mais longo, já que agora só dá para acessá-la pela armação ou pela dispersão. As passagens intermediárias, como pelo segundo recuo da bateria, foram fechadas. Haja perna, haja fôlego! A opção seria permanecer o tempo todo por lá, o que, é claro, não consigo fazer.

Esse ano o trajeto ficou ainda mais complicado. O corredor que dava acesso à estrutura pela parte de trás de circulação do sambódromo foi “incorporado” por um camarote. Agora, além do longo percurso, é preciso mergulhar num mar de gente que disputa o melhor lugar para assistir aos desfiles.

Chegar ao mangrulho de ferro requer mais prática, paciência e muitas amizades, especialmente dos seguranças e coordenadores que ajudam a abrir o caminho entre os animados frequentadores do espaço.

As imagens captadas da torre de transmissão valem o esforço!

Parece que o carnaval é o assunto desse texto, mas não.

O tema é o mangrulho, palavra antiga, quase perdida na imensidão dos pampas que serve de alerta aos cuiabanos, preocupados com a extinção de seu peculiar linguajar tradicional.

Sem que haja resistência e disseminação cotidiana, a preservação das raízes linguísticas acabará se perdendo, imergirá num mergulho sem volta nos novos maneirismos que hoje suplantam e suprimem os antigos costumes seculares da baixada cuiabana.

O Muxirum Cuiabano é um mangrulho que alerta à necessidade de registro e manutenção das tradições. Preserva, até em seu nome, não apenas relíquias arquitetônicas, mas também da língua e dos costumes dos que habitam a antiga Cidade Verde e a baixada cuiabana.   

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Das séries “Fronteira Oeste do Sul”, “Parador Cuiabano” e “É carnaval” (ponto triplo) do SEM FIM...  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

terça-feira, 26 de novembro de 2024

A Luiz Soares o que é de Cabeção



A Luiz Soares o que é de Cabeção

Desinformação oficial deturpa e omite a atuação do ex-político matogrossense

Texto e fotos de Valéria del Cueto

“A história é contada pelos vencedores”. A frase é atribuída a George Wells, autor de “A revolução dos Bichos” e “1984”, na revista britânica inglesa Tribune, em 1944. E ele tinha razão.

Em Mato Grosso, numa instituição que deveria ser guardiã da memória política do estado, a Assembleia Legislativa, uma informação divulgada no seminário de comemoração dos 35 anos da promulgação da Constituição Estadual foi mais um tijolo na construção da “nova” história política local.

A desinformação

Para um documentário, apresentado sem ficha técnica e, portanto, autoria, sobre os trabalhos da a elaboração da Constituição Estadual de 1989, o atual conselheiro do Tribunal de Contas e ex-deputado constituinte, Antônio Joaquim deu a seguinte declaração “...Mas no final eu acho que o deputado Hermes de Abreu propôs muitas coisas inusitadas, modernas. O deputado Luíz Soares deu uma grande contribuição. Todos os dois também foram relatores da Constituição Estadual” (aos 13’13” do vídeo do evento). https://www.youtube.com/live/GmQjB5APY7c?si=WzRPkjXn75yxxvBF)


A verdade

O único relator da Constituição de  1989 de Mato Grosso foi o deputado Luíz Soares, falecido em 16 de junho de 2022. Seu colega, Hermes de Abreu era sub-relator da Comissão de Organização do Estado, Antônio Joaquim foi o sub-relator da Comissão do Executivo, assim como outros parlamentares desempenharam a mesma função nas demais sub-relatorias. No total foram 7 comissões que, depois de sistematizadas, viraram o que foi apelidado pela equipe da relatoria de Frankenstein, tantas eram as demandas apresentadas pelos setores da sociedade. Não foi essa colcha de retalhos que virou o anteprojeto votado pelos constituintes.

Depois de tudo sistematizado Luiz Soares apresentou um substitutivo integral com as inovações mencionadas por Antônio Joaquim. Este material recebeu emendas dos parlamentares e, então, foi concebida a atual Constituição de Mato Grosso, uma das mais avançadas entre as dos estados brasileiros, com a relatoria de um único deputado: Luizinho Cabeção.

Para comprovar, basta olhar na última página da Constituição. Após os Atos das Disposições Transitórias, se encontram os créditos dos parlamentares constituintes. Lá, há somente um relator.

A massificação da desinformação

O documentário, que ilustrou o evento comemorativo dos 35 anos da Carta Magna mato-grossense, uma sessão especial que contou com as presenças dos ministros Gilmar Mendes, Alexandre Moraes e Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, autoridades estaduais de todos os poderes e convidados, contém a desinformação que está sendo divulgada nos canais de mídia da Assembleia de Mato Grosso. Até o dia 26 de novembro, somente no youtube, o material já havia sido reproduzido mais de 1.700 vezes.

Segundo o site Isso é Notícias, o concorrido seminário, que durou 2 horas e 53 minutos, foi produzido por uma empresa de Brasília, a Academia Brasileira de Formação e Pesquisa (ABFP) Ltda, contratada sem licitação pelo valor de R$ 393 mil.

Omissão provoca apagamento  

É a História que, mais uma vez, vem sendo alterada, desconstruída e remodelada. Basta abrir o site da Assembleia, que deveria ser um repositório das informações transparentes da rica trajetória política de Mato Grosso, para encontrar outros sinais desse desmonte.

Na lista de parlamentares, desde o falecimento de Luíz Soares, em junho de 2022, seu nome e o link para seu currículo político já não constavam nas 10ª, 11ª, e 13ª legislaturas, as que o parlamentar foi eleito com os votos do povo de Mato Grosso.

A substituição

Agora, verifica-se um acréscimo: pela ordem alfabética dos deputados, no L de Luiz, aparece o nome da Procuradora do Estado Sueli Capitula e a informação de que ela não tinha partido nos períodos em que, supostamente, atuou no parlamento de Mato Grosso.

Informada da inclusão de seu nome na lista de parlamentares estaduais, Sueli deixou nos comentários  da postagem da página do facebook do jornalista Enock Cavalcanti, a seguinte mensagem: "Acabei de confirmar que no site da ALMT consta na ordem alfabética,  ao invés do nome de Luíz Soares, o meu nome em três legislaturas e nunca fui deputada, na realidade sempre fui cabo eleitoral de Luiz Soares, o deputado que está sendo injustiçado com a omissão do nome dele como um dos mais atuantes da história de Mato Grosso, além de que foi relator da Constituinte de MT e senador...”

Às futuras gerações

Que diferença isso faz para a história política de Mato Grosso? Muita. Para um pesquisador que tentar fazer um levantamento da divisão partidária no parlamento estadual os resultados não serão reais já que, por exemplo, na 10ª e na 11ª Legislaturas, ao retirarem Luiz Soares e incluírem Sueli Capitula, ela sem partido, o MDB perde um parlamentar, alterando a composição das forças políticas na época.

Ao se omitir o nome de Luiz Soares das listagens a base de informações deixa de ser uma opção de fonte confiável dos registros das atuações parlamentares do período, fechando uma linha de pesquisa nas atividades legislativas.

Outra constatação desse apagamento legislativo pode ser feita por meio de uma busca no site da Assembleia. Coloque o nome Luiz Soares no espaço intitulado “O que você procura?” na página inicial. Do parlamentar, que trabalhou na casa fazendo leis por 12 anos, foi 1º secretário da mesa diretora, relator da Constituição, vice-prefeito de Cuiabá, senador, secretário de saúde municipal de Cuiabá, Várzea Grande e do estado de Mato Grosso, aparecem somente 2 referências. Uma de 2003 e outra de 2017.

A história dos vencedores se faz assim, alterando e omitindo dos canais oficiais os feitos dos demais protagonistas dos eventos narrados. O resultado pode ser lido nas obras de George Wells mencionadas no início dessa matéria.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Reportagem da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM ... delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Capim navalha não falha


Capim Navalha não falha

Texto e foto de Valéria del Cueto

Quem não sabe que Cuiabá remete a duas coisas: ao calor e ao atraso? Não ao atraso de vida, maldoso leitor, mas aquele de nunca chegar na hora aos compromissos? Sofria com ambas características, especialmente a segunda, para fechar as pautas das reportagens nas TVs. Os jornais não levavam em consideração essa dinâmica tão cuiabana.

No samba também é quase assim. Menos na Sapucaí, com o horário rígidos e cronometrado das escolas que desfilam. Menos no sábado das campeãs, que não tem transmissão global.

Dito isso, quero fazer mea culpa. E aí, entra o capim navalha que corta tudo, menos esse atraso-preguiça cuiabano. Acontece que anos atrás, mais especificamente entre 2021 e 2022, o jornalista Rodrigo Vargas desenvolveu o projeto “O propósito de Aline”, sobre a renomada crítica de artes Aline Figueiredo. Era composto por um livro e um documentário média metragem.

O livro recebi do autor antes do lançamento. Caí dentro e, poucos dias depois, mandei pra ele minhas elogiosas impressões. Na sequência, exatamente no dia 2 de fevereiro de 2022, recebi o link do vídeo e a informação de que havia sido rodado na casa de Aline.

Corta para: Enquanto morei em Cuiabá fui frequentadora assídua dos maravilhosos almoços pantaneiros que juntavam horas de conversas as delícias preparadas por Márcia e sempre regadas a vinho tinto, já que não tomo cerveja. Não listarei meus pratos preferidos, nem os temas abordados porque foram justamente esses que me fizeram deixar correr o timeline de outras mensagens trocadas com Rodrigo sem abrir o link do vídeo.

Sabia que se o conteúdo aguçasse as saudades não poderia voar para Mato Grosso. A pandemia estava acabando, o carnaval adiado seria em abril, e tinha outras prioridades na vida. Rodrigo nunca perguntou o que achei do trabalho audiovisual, fotografado por José Medeiros, nem eu me justifiquei.

Aline andou pelo Rio em outubro numa palestra da exposição “Podre de Chic”, com obras de Adir Sodré, no Paço Imperial. Fiz fotos e gravei pequenos trechos de sua aula com ótimo conteúdo e nenhuma qualidade das imagens captadas. Faltava luz. Novamente arquivei o assunto e guardei o material sem publicá-lo. Sabia que ele seria a isca para pescar minhas saudades.

De vez em quando lembrava do vídeo, mas nunca achava que era o momento certo para explorá-lo. Queria que fosse num intervalo de foco total, quando não estivesse mergulhada, por exemplo, no carnaval. Depois decidi que só o veria quando a falta do calor cuiabano fosse insuportável.

Com o passar do tempo e acompanhando o cotidiano da cidade concluí que a distância que me separava da minha Cuiabá só aumentava. E, pela velocidade das transformações locais o progresso tratorou parte do encanto do local que tão calorosamente me acolheu. Portanto, nada “Eu sou de Capim Navalha”!

O que virou a chave foi esse fenômeno climático que assusta e surpreende o país inteiro. “Já vi esse filme, já usei esse filtro fotográfico que parece um fog londrino, esconde o sol e, quando a gente abre a porta ou a janela, é aquela pancada de calor”, pensei. E também lembrei do vídeo que não tinha assistido. Resolvi desvendar a lenda e assistir a obra.

Não me arrependo de ter guardado a última bolacha do pacote com tanto cuidado. Com as câmeras de José Medeiros e Diogo Diógenes passei pelos recantos da casa e, “tertuliei” nos diálogos de Aline Figueiredo sobre sua vida, seus trabalhos e suas paixões.

É quase só ela na tela, meio desnuda e crua, sem firulas e muitas edições. Exemplo claro de que menos pode ser muito mais quando o objeto do trabalho esbanja riqueza de ideias e personalidade. Passou pelos meus sentidos a essência da Cuiabá que tanto amo, a que me cercou de amigos, muitos citados no documentário, e referências que levo pra vida.

Sabiamente o vídeo não mostra a mesa posta e as delícias que brotam das mãos de Márcia. Um bom motivo para que volte aos meus planos uma ida à antiga Cidade Verde, depois que esse inferno amainar.

No fim do doc, a surpresa: meu nome - escrito errado, pra variar, aparece! Nos créditos, na lista de agradecimentos. O que deve aumentar a pena pelo crime de não o ter assistido antes... Desculpe, Rodrigo, foi o espírito do atraso cuiabano que permanece vivo em algum lugar da minha alma carioca.  

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM ... delcueto.wordpress.com

 

Faixa bônus!

Material em vídeo produzido na palestra de Aline Figueredo durante a Exposição "Podre de Chic", no Paço Imperial mencionada na crônica "Capim Navalha não Falha".



Palestra da crítica de artes Aline Figueiredo em "Podre de Chique: uma retrospectiva extraordinária de Adir Sodré", exposição de obras do artista mato-grossense Adir Sodré (1962-2020) no Paço Imperial, com apresentação do vídeo sobre o artista de José Medeiros.

A mostra reuniu obras inéditas ao público, de diversas coleções brasileiras que, desde cedo, reconheceram a importância artista mato-grossense. A retrospectiva de Adir Sodré dimensiona a relevância de sua obra. Temas tratados há mais de três décadas permanecem atuais: defesa ambiental, crítica ao poder político, o perfil elitista do sistema de arte e... sexualidade.

Organizada de forma não linear a exposição mescla obras em cinco eixos: Cuyaverá (Cuiabá), Tapa na cara pálida (horrores da branquitude), Ditos e malditos (imundos das artes), O pop não poupa ninguém (cultura de massas) e Manifestos paus, Brasil! (fabulações estético-eróticas)”.

Faixa Bonus 2

Sem usar o flash durante a palestra um estudo sem luz, como a luz que se perde no olhar de Aline, mencionada em "Eu Sou Capim Navalha", documentário de Rodrigo Vargas.

Clique na foto ou no link para acessar o álbum 

Studio na Colab55

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Mato Grosso nas fotos e memória do samurai das imagens


Mato Grosso nas fotos e memória do samurai das imagens

Exposição Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak no CCBB- RJ

Texto, fotos e vídeos de Valéria del Cueto

O Rio de Janeiro está efervescente nesse outono com eventos por toda cidade. O mais esperado é o show de Madona, na praia de Copacabana, dia 4 de maio. Esse é um dos muitos acontecimentos que atrai visitantes e moradores e, num deles, Mato Grosso está presente.

O estado se faz representar na Cidade Maravilhosa por um olhar do outro lado do mundo. O do samurai das imagens, um fotógrafo japonês, na Exposição “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak".

Para situar, Ailton Krenak é o primeiro representante dos povos originários a se tornar imortal ocupando uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, a ABL. Sua posse, dia 5 de abril, foi num evento que emocionou seus pares, ilustres convidados e nações indígenas que foram alcançadas graças a tecnologia que permitiu a transmissão da cerimônia pelo streaming. 

As 160 imagens que compõem a exposição, idealizada pelo Instituto Tomie Ohtake, de São Paulo, ocupam várias salas do Centro Cultural do Banco de Brasil no coração do Rio, ao lado da Praça Mauá, até o dia 27 de maio e, agora, divide o espaço do prédio histórico com "Mundo Zira”, mostra sobre o jornalista e cartunista Ziraldo que nos deixou no início do mês. Os eventos são gratuitos!

De um lado, a algazarra das crianças. Do outro, os mistérios de uma Amazônia impenetrável, a não ser com um guia como Krenak. O fotógrafo japonês e ele, com o auxílio de uma intérprete, percorreram na década de 1990 em várias expedições, os estados do Acre, Roraima, Pará, Amazonas, Maranhão, São Paulo e... Mato Grosso. Se tornaram grandes amigos registrando e convivendo com a diversidade cultural dos povos originários brasileiros.

As imagens são inéditas no Brasil, numa seleção diferente da apresentada em São Paulo (dá para imaginar a quantidade de fotos feitas nas viagens?), em diferentes tamanhos, algumas gigantescas, agregando outra novidade: objetos cotidianos de diferentes etnias. A maioria pode ser manuseada e "vestida" pelo público.

O evento também é enriquecido com rodas de conversar com Nagakura, Krenak e lideranças indígenas que contextualizam o universo abordado e pelo tempo decorrido entre a captação e a exposição, em alguns casos, agora inexistentes.

Já na rotunda do CCBB, marco arquitetônico do prédio, uma instalação indica a potência dos registros feitos pelo premiado fotógrafo japonês que percorre o mundo em busca de imagens em campos de refugiados e praças de guerra na África do Sul, Palestina, El Salvador, Afeganistão...

As vindas à Amazônia foram um respiro, apesar dos problemas já latentes como invasões, conflitos de terra, garimpos ilegais, depois do mergulho no inferno global, como explica Ailton Krenak no texto de apresentação da exposição que resume as 7 viagens pela Amazônia.

O conjunto das imagens do fotógrafo que virou a sombra do, agora imortal escritor indígena, expõe a vida nas comunidades visitadas numa linguagem universal traduzindo o carinho, o afeto e a sensibilidade ao eternizar nos registros do cotidiano das comunidades que, certamente, foram afetados pelo intenso contato, em alguns casos, com a civilização nos últimos 30 anos.

São registros de mundos quase perdidos. Majestosos e pungentes. Não há como não se deixar levar pela beleza e delicadeza expostas em diversos formatos do rico material apresentado.

Registre-se que Hiromi é um dos responsáveis por chamar a atenção mundial em exposições, documentários e livros do exuberante e ameaçado universo Yanomami.

Clique no LINK para percorrer o álbum

Mato Grosso está presente em imagens do cerrado (mais um bioma ameaçado) da aldeia Xavante de São Pedro, na terra indígena de Parabubure, em Campinápolis, numa das amplas salas do CCBB.

Segundo Krenak, o que impressionou o samurai das imagens foram a força, a determinação Xavante e o sentido de vida coletivo do povo cujos homens de reúnem no pátio da aldeia para sonharem juntos. “O sonho direciona a vida, dá o rumo, a orientação, responde a todas as questões. É no sonho que chegam os cantos, transmitidos pelos ancestrais e partilhados com todo o povo da aldeia”.

Imaginou a força dessa imagem?... ou melhor, nem tente usar sua imaginação, visite a exposição!


Texto de apresentação do espaço dedicado aos A'uwê Uptabi, o povo Xavante:  

“O povo Xavante se autodenomina A'wuê Upptabi - "gente verdadeira". É guerreiro e caçador. Vive nos vastos campos do cerrado, desde que os ancestrais atravessaram o Rio das Mortes há quase 200 anos. Resistiram bravamente à entrada das frentes de atração na década de 1940, atacando com flechas e bordunas os aviões que sobrevoavam a aldeia. A pacificação dos "warazu" - os estrangeiros - se deu a partir de 1946 durante a Grande Marcha para o Oeste, iniciada no governo de Getulio Vargas (1930-1945).

Apesar de terem nove Terras Indígenas demarcadas, em diferentes municípios do estado do Mato Grosso, cada uma delas lida com diferentes ameaças ao patrimônio físico e cultural, com interferência de religiões, agronegócio, projetos de desenvolvimento e avanço das cidades. 0s Auwê são de uma linhagem antiga, vieram da raiz do céu. Os homens usam o brinco gravata cerimonial de algodão. Homens e mulheres se pintam com jenipapo, carvão e urucum, tiram as sobrancelhas e os cílios, usam cordinhas nos pulsos e pernas. 0 corte de cabelo, os adornos e pinturas dão identidade ao povo Xavante que segue praticando seus rituais de formação dos jovens e iniciação espiritual. O sonho direciona a vida, dá o rumo, a orientação, responde a todas as questões. É no sonho que chegam os cantos, transmitidos pelos ancestrais e partilhados com todo o povo da aldeia.

A cerimônia de furação de orelha e um marco para toda a comunidade. Acontece a cada 5 anos, quando os meninos que ficaram reclusos na casa dos solteiros completam seu aprendizado dos princípios da tradição.

Nagakura-san ficou impressionado com a força e determinação do povo e com ○ sentido de vida coletivo. As imagens revelam essa admiração nas danças circulares e no grupo de homens deitados no pátio central, reunidos para sonharem juntos”.

PS: Visitei o CCBB acompanhada por um cuiabano de chapa e cruz com quem pude beber dessa fonte de energia, observar suas reações. Meu companheiro foi o ator Ivan Belém, em quem presenciei o impacto do universo que nos foi apresentado. Ele é o “personagem-espectador” que aparece nos registros. Que privilégio.

A emocionante cerimônia de posse de Ailton Krenak na Academia Brasileira de Letras, ABL.


*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Parador Cuyabano”, do SEM   FIM...  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

sexta-feira, 22 de julho de 2022

De cabeça pra baixo


De cabeça pra baixo

Texto e foto de Valéria del Cueto

É agora ou nunca. Ou desenrolo essa crônica ou teremos mais uma semana desse silêncio maior que o buraco negro que devora gulosamente parte do universo. Não é uma ausência de ruído por falta de barulho. Talvez seja por excesso.

Os fatos (atenção, eu disse fatos e não notícias), atropelam o já conturbado e pouco prazeroso cotidiano.

Subindo a rua um toco de cigarro acesso sendo arremessado por um armário barbudo em direção ao meio fio atravessa o caminho natural de quem transita na via pela calçada.

Na sequência uma motocicleta, das grandes, desce na banguela evitando a contramão. O piloto e o carona deslizam velozes impávidos pelo calçamento de pedras portuguesas, desviando e fazendo cara feia pros pedestres que circulam indo ou vindo do metrô.

Na esquina o vermelho da sinaleira não intimida o motorista do buzão. Nenhum sinal de uma simples intenção de reduzir a velocidade, nem mesmo ao passar pela faixa de segurança do cruzamento movimentado.

Esses eventos ocorreram num curtíssimo espaço de tempo. Menor que uma performance tiktokeana, quiçá no espaço de uns 5 stories instagrâmicos.

Diante dos alertas deu pra sentir que era melhor seguir pelas sombras das amendoeiras coloridas pelo outono por ruas menos movimentadas em direção a um lugar em que pudesse sacar o caderninho.

Não vou dizer onde para não dar margem ao argumento de que este é um texto “localizado”. Nem pensar! Como eu e meu celular essa escrevinhação desligou (não, desativou como é correto definir) o modo localização.

O que me interessa é o sol. Esse, que brilha em qualquer lugar e, ultimamente, cospe fogo e ondas magnéticas em direção a nosso já tão combalido planeta. E nem pense em jogar a responsabilidade dos calorões, incêndios, enchentes, chuvaradas, nevascas e afins no astro rei. Os protagonistas dessa tragicomédia somos nós, estúpidos, inconsequentes e prepotentes seres humanos.

Qual um dominó gigante chutamos, não apenas a pedra original das mudanças climáticas, como ainda jogamos as peças para servir de lenha na fogueira do desastre quase irreversível.

Tá vendo porque tenho evitado manifestações croniquescas?

Não é que não queira dar o recado. É que sei que, para a maioria, ele entra por um ouvido e sai pelo outro sem nenhum grau de assimilação. Não há argumentos que se sobreponham aos fatos e nem a esses estão dando a mínima bola.

Por isso, o que (ainda) me faz escrever é deixar para o futuro algumas observações desse momento único da história contemporânea. Aquele em que o ser humano parece ter ligado, com o perdão da palavra, o phoda-se!

Para o golpe anunciado que se aproxima. À entrega da Amazônia a bandidos e redes internacionais, (sob os quepes dos militares que deveriam defender o território, mas ocupam cargos burocráticos em gabinetes e estão mais preocupados com suas candidaturas a políticos profissionais, onde o butim é maior e não deixa rastros). Para mais um passo da agonia do Pantanal, carimbada com o arcabouço legal ardilosamente tramado pelos deputados da Assembleia Legislativa de Mato Grosso.

A aprovação do PL 561/22   libera a pecuária extensiva em áreas de preservação e capricha nas alterações de pontos chaves para a manutenção do bioma. Sabe o que falta para virar lei? A assinatura de Mauro Mendes, o garimpeiro cria de Blairo Maggi, agraciado com título de “Motosserra de Ouro” que, em breve, voltará a pontificar nas paradas de sucesso.

As barbaridades explodem como os humores do sol magnético. E, sim, deixarão sequelas permanentes.

Cá entre nós, queria muito ficar em silêncio e me “localizar” em minhas visões, normalmente tão poéticas e otimistas...

Mas, quer saber? Não dá. Pelo menos enquanto houver uma única chance de não nos entregarmos aos dementadores que circulam livremente para tirar nossas esperanças de dias melhores.

É hora de pecar por excesso, não por omissão!    

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

@delcueto.studio na Colab55

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Chega de Saudades


É uma proteção afetiva imaginá-los, não saindo daqui, chegando por lá. Aplaca a tristeza projetá-los num lugar melhor, com pessoas que amam. 

Não admito reduzir vidas repletas de realizações a currículos protocolares em que só os cargos contam. 

Com a crônica chuleio pedaços de histórias, costuro sonhos e esperanças vividas, ou não. É assim que tatuo saudades no Sem Fim... Solidificando sentimentos em palavras.

V.

Chega de Saudade

Texto e foto (acervo) de Valéria del Cueto

Querida amiga.

Cartinhas sinceras andam em alta por aí. Então, é por meio desta que dou notícias para lhe dar algum conforto e, se possível, deixá-la um pouquinho feliz.

Consegui essa autorização porque é véspera do seu aniversário e, depois de muito argumentar aqui nas camadas celestiais, venceu meu argumento de que se Mato Grosso não deveria perder Luiz Soares, você, menos ainda, merece carregar essa tristeza. Justamente agora. Foram dois anos de pandemia. O que impediu, inclusive, uma comemoração digna da virada dos seus sessenta anos...

Resumindo: aqui é Fátima Sonoda trazendo com exclusividade (como você gosta) notícias da chegada do Cabeção nas bandas do Além. Pensa que foi suave na nave?

A demanda começou quando avisaram que ele era a bola da vez. A mai-or disputa para definir que iria recebe-lo. Fila, Valéria. Foi no voto que escolheram o portador da novidade para um espantado Luizinho, com trilha musical e tudo! Imagina quando ele deu de cara com Tancredo Neves dando as boas-vindas.

Foi o eleito ao jogar na mesa o fato de que Luizinho era o secretário geral do diretório do MDB de Mato Grosso. O que fez a indicação do seu nome para concorrer nas eleições indiretas de 1984 depois da derrota da emenda das Diretas Já. Dante de Oliveira tentou entrar na disputa, mas Ulisses Guimarães e Dona Mora pesaram da escolha.

Na discussão aproveitei para lembrar da ida a Brasília para acompanhar a votação da Emenda das Diretas quando foi detido nas barreiras rodoviárias! Luizinho apresentava sua carteira de deputado estadual e todos olhavam para aquele garoto de 24 anos, sem acreditar que era um parlamentar! Na época, o mais novo do país.

Sabe quem coordenava a comissão do “senadinho” para recepção aqui do outro lado? A escolha ficou entre referências políticas de Luiz Soares como Mário Covas, Franco Montoro e Sérgio Motta... Guaraci Almeida e Paulo Ronan nas articulações.

Não sobrou pra ninguém. Deu Jorge Bastos Moreno na cabeça. Também, ele apelou para Durval, do dormitório de Santo Antônio de Leverger. Aquele pacú recheado com farofa de couve... a cocada de sobremesa. Feitos na lenha, que aqui não falta no andar de baixo. O primeiro a votar foi Ulisses Guimarães, que adora as iguarias.

Moreno, amigo de infância de Luizinho, nem precisou apelar a todos os seus infinitos argumentos, checados e confirmados com as fontes mais quentes do céu, purgatório e, por que não, do inferno...

Olha, Valéria, claro que houve o susto que todos sentem na passagem. Mas é só até chegar à conclusão de que, tirando as exceções previstas, o ditado “partir dessa para melhor” é mais que uma simples expressão.  Trata-se uma constatação científica que alguma alma rebelde, porém bem intencionada, enviou numa mensagem para ser disseminada no plano terrestre.

Luizinho, por exemplo, já chegou com sua estrutura montada. D. Sueli cuidando do gabinete, Nélson Ribeiro na assessoria de imprensa, Guaraci articulando vibrações para parques nacionais, mananciais e povos indígenas. Não precisa dizer que aí tem minha sabedoria oriental para conduzir esse processo fazendo a ponte com o gordo...

Amiga, pensa em Dindinha e Vó Mita tecendo um manto de amor. Sem mencionar a família. Começando com Dona Filhinha e seo Oscar Soares. Ele, enviando fachos energéticos de orgulhosa aprovação pelo filho que Luiz sempre foi. Trocava recuerdos celestiais com Lindberg Nunes Rocha sobre Poxoréo e Alto Garças.

Lembraram da primeira lei de acessibilidade de Mato Grosso, da primeira CPI proposta contra um governador no Brasil, da relatoria da Constituinte que, com um substitutivo integral, seria uma das mais modernas Constituições Estaduais do país.

Todos o receberam muito bem se dividindo para criar vibrações positivas para sua passagem. Dei alguns palpites. Você me conhece, né? Um em especial. A trilha sonora de sua chegada. Ninguém entendeu nada. João Gilberto, seu ídolo, sem ninguém pedir já sentado no banquinho aqui em cima afinava o violão esperando o silêncio absoluto pós Nina Hagen que abriu o percurso. A gente sabe a diversidade do gosto musical que ilumina aquela alma eclética...

Na literatura, aqui tem de tudo. Um mundo para ele. Mas tive que procurar no fundo da biblioteca a coleção de Tex Willer, verificando se não eram os exemplares que Lorenzo Falcão, pra implicar quando ele estava acidentado na adolescência, arrancava as últimas páginas e deixava sem final.

O ritual de passagem não poderia estar completo sem nossos abraços apertados. Os de João Canrobert, Chico Amorim e o meu! Ciceroneamos Luizinho até a parte esportiva do complexo. O deixamos nas mãos de João Batista Jaudy prometendo voltar assim que sua forma estivesse adaptada a essas novas paragens. O que esperamos, seja em breve. Temos muitas descobertas para apresentar a ele.

Vou terminar por aqui que o papel de carta é limitado. Deixo lembranças, meu apelo e incentivo para que você, e tantos outros que têm em Luizinho um exemplo, não desistam das lutas que travam por aí. Especialmente pela saúde e o SUS, meio ambiente (ela é bióloga!) e a democracia.

Vocês perderam um guerreiro. Ainda têm um exemplo a ser seguido, admirado e sempre lembrado. Uma inspiração nesses momentos tão difíceis.

Um sopro de beijo e um cheiro de terra molhada do cerrado no ar pra você e Lorenzo.

PS: Esqueci do recado. Avisar à Lídia que Charles está bem... 

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

@delcueto.studio na Colab55

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Não conto

Não conto

Texto e foto de Valéria del Cueto

Esperei. Por sete dias...

Nos tempos da natação, nas categorias infanto-juvenil da equipe do Flamengo, quem treinava de manhã no grupinho de três ou quatro tinha uma mania/simpatia. Se você sonhava com uma coisa e quisesse que ela acontecesse tinha que contar antes do café da manhã. Se fosse um pesadelo só podia contar depois para evitar sua concretização.

Era o tipo de brincadeira como encontrar placa de carro em que os números da licença somassem nove e fazer um pedido. Se a gente cruzasse com uma mulher grávida e alguém de chapéu (boné não valia), era certeza que o desejo se tornaria realidade.

O que causava transtorno na simpatia do sonho é que o treino começava às seis da matina e sem chance para se alimentar e enfrentar horas de piscina. O café com pão e companhia eram depois do esforço físico. Não dá para treinar de barriga cheia...

Contar o sonho, se fosse bom, era uma das coisas que atrapalhavam e mereciam reprimendas do técnico que não alcançava o motivo de tanto tititi madrugador. Era mais difícil esperar o fim do treino porque todo mundo saía correndo apressado para começar a rotina diária.

Sempre que tenho um SONHO com maiúsculas me lembro da brincadeira e, sim, procuro seguir à risca a simpatia.

Deixei passar o café da manhã e muitos dias sem contar pra ninguém sobre o silêncio ensurdecedor. Ultrapassei os prazos para nem depois do almoço, ou dos jantares, externar em palavras o hiato absurdo da ausência.

Pulei o evento e passei para o outro lado, imaginando o despertar para a irrealidade dos sonhos interrompidos, dos projetos infindos. Sou parte disso, o que facilita a projeção. E, sim, acredito em passagem, em “firmar” na inconsciência para facilitar a consciência.

Não consigo ir além da estupefação e da revolta, então tentei mentalizar saídas, opções e a muito breve reencarnação para poder continuar de onde parou (dizem que a gente não esquece o que aprende e sempre anda pra frente). Com a mesma fome de justiça, a voz rouca punk rock. Talvez um tiquinho menos explosivo, que é para segurar o coração, mas sempre jogando de maneira franca e aberta. Como foi o convite para fazer a coluna batizada por ele de “Crônicas do Sem Fim...”, na revista Ruído Manifesto.

Mal entrei e ele partiu. Me deixou muda exatamente depois de combinarmos fazer muito barulho. O soco no estômago ainda dói como se fosse verdadeiro.

A falta do fio com a revista se mantém porque não há linha forte o bastante para resistir ao cerol da fatalidade que mandou para o céu a big pipa inquieta e curiosa que vadiava (no bom sentido) em busca de horizontes mais altos e visíveis para novos escritores, poetas, artistas. De Mato Grosso para o mundo. A pipa se foi, mas o fio ficou...   

E os dias se passaram, com aquele vácuo barulhento incomodando, impedindo qualquer forma de expressão, qualquer tentativa de reação.

Foi assim até o dia que o mar, devagarzinho, pariu no horizonte a lua cheia de agosto. Redonda que nem bolacha (lembrou alguém?). Fazendo suas gargalhadas se refletirem nas marolas animadas de uma pós ressaca daquelas!

Fiquei em paz com minha revolta, guardada para as muitas ocasiões que, meu amigo sabia e sobre isso conversamos, precisaríamos muito dela.

Ao fio, que une a todos nós do Ruído Manifesto (olha eu bancando aquele...) anuncio que estou aqui, pronta para “voar” na gritaria.

Re-começo com “Não Conto” para, como ele que partiu até ali, (res) suscitar na poesia, na prosa e, no meu caso, nas imagens. Elas, as que  fazem de nós ruidosos manifestos impermanentes da inquietação e, quem sabe, da esperança.

*Pro Rodivaldo.

**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com


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