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sexta-feira, 17 de junho de 2022

Chega de Saudades


É uma proteção afetiva imaginá-los, não saindo daqui, chegando por lá. Aplaca a tristeza projetá-los num lugar melhor, com pessoas que amam. 

Não admito reduzir vidas repletas de realizações a currículos protocolares em que só os cargos contam. 

Com a crônica chuleio pedaços de histórias, costuro sonhos e esperanças vividas, ou não. É assim que tatuo saudades no Sem Fim... Solidificando sentimentos em palavras.

V.

Chega de Saudade

Texto e foto (acervo) de Valéria del Cueto

Querida amiga.

Cartinhas sinceras andam em alta por aí. Então, é por meio desta que dou notícias para lhe dar algum conforto e, se possível, deixá-la um pouquinho feliz.

Consegui essa autorização porque é véspera do seu aniversário e, depois de muito argumentar aqui nas camadas celestiais, venceu meu argumento de que se Mato Grosso não deveria perder Luiz Soares, você, menos ainda, merece carregar essa tristeza. Justamente agora. Foram dois anos de pandemia. O que impediu, inclusive, uma comemoração digna da virada dos seus sessenta anos...

Resumindo: aqui é Fátima Sonoda trazendo com exclusividade (como você gosta) notícias da chegada do Cabeção nas bandas do Além. Pensa que foi suave na nave?

A demanda começou quando avisaram que ele era a bola da vez. A mai-or disputa para definir que iria recebe-lo. Fila, Valéria. Foi no voto que escolheram o portador da novidade para um espantado Luizinho, com trilha musical e tudo! Imagina quando ele deu de cara com Tancredo Neves dando as boas-vindas.

Foi o eleito ao jogar na mesa o fato de que Luizinho era o secretário geral do diretório do MDB de Mato Grosso. O que fez a indicação do seu nome para concorrer nas eleições indiretas de 1984 depois da derrota da emenda das Diretas Já. Dante de Oliveira tentou entrar na disputa, mas Ulisses Guimarães e Dona Mora pesaram da escolha.

Na discussão aproveitei para lembrar da ida a Brasília para acompanhar a votação da Emenda das Diretas quando foi detido nas barreiras rodoviárias! Luizinho apresentava sua carteira de deputado estadual e todos olhavam para aquele garoto de 24 anos, sem acreditar que era um parlamentar! Na época, o mais novo do país.

Sabe quem coordenava a comissão do “senadinho” para recepção aqui do outro lado? A escolha ficou entre referências políticas de Luiz Soares como Mário Covas, Franco Montoro e Sérgio Motta... Guaraci Almeida e Paulo Ronan nas articulações.

Não sobrou pra ninguém. Deu Jorge Bastos Moreno na cabeça. Também, ele apelou para Durval, do dormitório de Santo Antônio de Leverger. Aquele pacú recheado com farofa de couve... a cocada de sobremesa. Feitos na lenha, que aqui não falta no andar de baixo. O primeiro a votar foi Ulisses Guimarães, que adora as iguarias.

Moreno, amigo de infância de Luizinho, nem precisou apelar a todos os seus infinitos argumentos, checados e confirmados com as fontes mais quentes do céu, purgatório e, por que não, do inferno...

Olha, Valéria, claro que houve o susto que todos sentem na passagem. Mas é só até chegar à conclusão de que, tirando as exceções previstas, o ditado “partir dessa para melhor” é mais que uma simples expressão.  Trata-se uma constatação científica que alguma alma rebelde, porém bem intencionada, enviou numa mensagem para ser disseminada no plano terrestre.

Luizinho, por exemplo, já chegou com sua estrutura montada. D. Sueli cuidando do gabinete, Nélson Ribeiro na assessoria de imprensa, Guaraci articulando vibrações para parques nacionais, mananciais e povos indígenas. Não precisa dizer que aí tem minha sabedoria oriental para conduzir esse processo fazendo a ponte com o gordo...

Amiga, pensa em Dindinha e Vó Mita tecendo um manto de amor. Sem mencionar a família. Começando com Dona Filhinha e seo Oscar Soares. Ele, enviando fachos energéticos de orgulhosa aprovação pelo filho que Luiz sempre foi. Trocava recuerdos celestiais com Lindberg Nunes Rocha sobre Poxoréo e Alto Garças.

Lembraram da primeira lei de acessibilidade de Mato Grosso, da primeira CPI proposta contra um governador no Brasil, da relatoria da Constituinte que, com um substitutivo integral, seria uma das mais modernas Constituições Estaduais do país.

Todos o receberam muito bem se dividindo para criar vibrações positivas para sua passagem. Dei alguns palpites. Você me conhece, né? Um em especial. A trilha sonora de sua chegada. Ninguém entendeu nada. João Gilberto, seu ídolo, sem ninguém pedir já sentado no banquinho aqui em cima afinava o violão esperando o silêncio absoluto pós Nina Hagen que abriu o percurso. A gente sabe a diversidade do gosto musical que ilumina aquela alma eclética...

Na literatura, aqui tem de tudo. Um mundo para ele. Mas tive que procurar no fundo da biblioteca a coleção de Tex Willer, verificando se não eram os exemplares que Lorenzo Falcão, pra implicar quando ele estava acidentado na adolescência, arrancava as últimas páginas e deixava sem final.

O ritual de passagem não poderia estar completo sem nossos abraços apertados. Os de João Canrobert, Chico Amorim e o meu! Ciceroneamos Luizinho até a parte esportiva do complexo. O deixamos nas mãos de João Batista Jaudy prometendo voltar assim que sua forma estivesse adaptada a essas novas paragens. O que esperamos, seja em breve. Temos muitas descobertas para apresentar a ele.

Vou terminar por aqui que o papel de carta é limitado. Deixo lembranças, meu apelo e incentivo para que você, e tantos outros que têm em Luizinho um exemplo, não desistam das lutas que travam por aí. Especialmente pela saúde e o SUS, meio ambiente (ela é bióloga!) e a democracia.

Vocês perderam um guerreiro. Ainda têm um exemplo a ser seguido, admirado e sempre lembrado. Uma inspiração nesses momentos tão difíceis.

Um sopro de beijo e um cheiro de terra molhada do cerrado no ar pra você e Lorenzo.

PS: Esqueci do recado. Avisar à Lídia que Charles está bem... 

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

@delcueto.studio na Colab55

domingo, 22 de novembro de 2009

Mais um se vai...

Mais um se vai...

É mais um que está quase indo. Sei que está chegando a hora quando começo a encolher a letra, escrevo no seco, sem óculos ou lentes, que é pra enxergar melhor e escrever menor. Vagarosamente de maneira inconsciente, vou ao ponto de reduzir o tamanho não muito regular dos meus escritos.

Faz tempo que adotei os caderninhos. São maiores que cadernetas e menores que os cadernos convencionais. Ando com ele até esgotá-lo. Vale o que acabar primeiro: suas páginas, localização ou situação - em casos extremos, é verdade.

Existem os que (por razões inexplicáveis) não se adaptam à sua principal função, nem trazem inspiração. É troca certa e assumida. De vez em quando, tal ação não resolve a situação. Aí, o problema não é o pobre caderninho. Só trocando a localização. Caso de Brasília, por exemplo. Em 2006 não tinha jeito. Enquanto não retornei ao meu modus escrevendi original, a Ponta do Leme, corri atrás do assunto, palavras e ideais e todos escorriam entre meus dedos, incapazes de transformar os fatos e atitudes que estava vivendo em qualquer tipo de expressão.

Meus caderninhos são quase sempre organizados. Com algumas ressalvas. Os textos registrados em ordem cronológica não têm data nem título, mesmo que esse já esteja decidido. (Vá que o trem mude de rumo no meio e surja outro mais interessante? É melhor um espaço em branco do que ocupado com alguma idéia pré-estabelecida)

No início isso não me incomodava nem causava qualquer inconveniente mas, com a tendência de multiplicação progressiva de caderninnhos lotados, devidamente preenchidos de idéias, esta forma de organização pode vir a dar problemas. Nunca imaginei que eles pudessem passar de uns minguados dois ou três.

Quando olho para o atual objeto de meus escritos, tenho a chance de avaliar o que tenho feito e como tenho agido diante dos acontecimentos cotidianos. É como se fosse final de ano, quando a gente faz aquela retrospectiva pessoal e idealiza os desejos para o ciclo que se iniciará em breve.

Graças a Deus meus caderninhos nunca são muito grossos o que me dá a chance de me renovar com mais freqüência do que os tediosos e constantes 365 dias do calendário gregoriano. Até por que tenho outra variável a meu favor: a freqüência com que escrevo acelera ou não a troca do meu meio e fim.
Assim como tive problemas com as páginas de Brasília existem outras que deixam saudades.

As da série Ponta do Leme, por exemplo, apesar de um tempo de pouca felicidade pessoal, deixaram sua marca, por ter sido o momento em que descobri o poder do meu método, tão simples, de extravasar minhas dores sem nunca mencioná-las nos meus escritos.
O caderno onde comecei o Parador Cuyabano abriu as portas para as crônicas burocráticas. Fazer graça com os perrengues que enfrentei naquela época foi melhor e mais produtivo que centenas de consultas e lamúrias no divã do analista que nunca freqüentei. E muito mais barato também.

Agora quase se vai mais um caderninho. Do anterior, vinham lembranças de um tempo que pratico religiosamente, o verão carioca e seus benefícios permanentes, seguido da viagem da à Uruguaiana para o carnaval fora de época e ao meu passado na fronteira oeste.

Este, que agoniza, mas não morrerá jamais, comecei quando cheguei a Mato Grosso, já no final do mês de maio. Ele já saiu diferente no formato, na falta do meu amado MOB (com plástico para as bugingangas e elástico para que nem os papéis, nem as idéias se espalhem pela minha bolsa e saiam borboletando pela vida desordenadamente) Tive que apelar para um caderno pequeno de capa dura, não muito grosso (vá que não funcionasse a contento).

Agora, posso dizer que ele cumpriu o seu papel. Apesar de ter chegado ao final da sua missão completamente descomposto, esteticamente prejudicado, totalmente desengonçado.

Muitos fatores contribuíram para isso. Atos, fatos, e forma de manuseio influenciaram sobremaneira sua performance. Eles fazem parte de um todo que, futuramente, comporão minha lembrança quando olhá-lo na estante onde guardo meus outros parceiros de aventuras. Esbandongado, esse, por fora. Mas com um interior repleto de qualidades e experiências inerentes ao tempo em que fomos unha e carne.

Assim também será o caderninho das lembranças dos últimos tempos de Luíz Soares, agora ex-secretário de saúde de Cuiabá, quando, um dia, ele procurá-lo na prateleira de sua trajetória pública. Esgarçado, desbotado e desmilinguido, mas repleto de conquistas e ensinamentos nas páginas que ele escreveu neste conturbado período de sua vida. Para ele, a Secretaria de Saúde será apenas mais uma página virada, de um dos inúmeros volumes que guarda na estante da sua vida.

O que me pergunto, temerosa, é qual será o tipo de caderno e o conteúdo armazenado na brochura que se inicia para os usuários do sistema de saúde pública de Cuiabá? Diferente de nós, Luizinho e eu, que podemos escolher onde registraremos nossas histórias e estórias, respectivamente, não cabe a população esta opção.

Ela terá que aceitar a cartilha escolhida pelo prefeito Wilson Santos e, no almoxarifado onde ele vai procurá-la, lamento informar, será difícil encontrar outro volume de tanta lisura e transparência com a coisa pública quanto o utilizado por Luíz Cabeção.
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval