Mais um se vai...
É mais um que está quase indo. Sei que está chegando a hora quando começo a encolher a letra, escrevo no seco, sem óculos ou lentes, que é pra enxergar melhor e escrever menor. Vagarosamente de maneira inconsciente, vou ao ponto de reduzir o tamanho não muito regular dos meus escritos.
Faz tempo que adotei os caderninhos. São maiores que cadernetas e menores que os cadernos convencionais. Ando com ele até esgotá-lo. Vale o que acabar primeiro: suas páginas, localização ou situação - em casos extremos, é verdade.
Existem os que (por razões inexplicáveis) não se adaptam à sua principal função, nem trazem inspiração. É troca certa e assumida. De vez em quando, tal ação não resolve a situação. Aí, o problema não é o pobre caderninho. Só trocando a localização. Caso de Brasília, por exemplo. Em 2006 não tinha jeito. Enquanto não retornei ao meu modus escrevendi original, a Ponta do Leme, corri atrás do assunto, palavras e ideais e todos escorriam entre meus dedos, incapazes de transformar os fatos e atitudes que estava vivendo em qualquer tipo de expressão.
Meus caderninhos são quase sempre organizados. Com algumas ressalvas. Os textos registrados em ordem cronológica não têm data nem título, mesmo que esse já esteja decidido. (Vá que o trem mude de rumo no meio e surja outro mais interessante? É melhor um espaço em branco do que ocupado com alguma idéia pré-estabelecida)
No início isso não me incomodava nem causava qualquer inconveniente mas, com a tendência de multiplicação progressiva de caderninnhos lotados, devidamente preenchidos de idéias, esta forma de organização pode vir a dar problemas. Nunca imaginei que eles pudessem passar de uns minguados dois ou três.
Quando olho para o atual objeto de meus escritos, tenho a chance de avaliar o que tenho feito e como tenho agido diante dos acontecimentos cotidianos. É como se fosse final de ano, quando a gente faz aquela retrospectiva pessoal e idealiza os desejos para o ciclo que se iniciará em breve.
Graças a Deus meus caderninhos nunca são muito grossos o que me dá a chance de me renovar com mais freqüência do que os tediosos e constantes 365 dias do calendário gregoriano. Até por que tenho outra variável a meu favor: a freqüência com que escrevo acelera ou não a troca do meu meio e fim.
Assim como tive problemas com as páginas de Brasília existem outras que deixam saudades.
As da série Ponta do Leme, por exemplo, apesar de um tempo de pouca felicidade pessoal, deixaram sua marca, por ter sido o momento em que descobri o poder do meu método, tão simples, de extravasar minhas dores sem nunca mencioná-las nos meus escritos.
O caderno onde comecei o Parador Cuyabano abriu as portas para as crônicas burocráticas. Fazer graça com os perrengues que enfrentei naquela época foi melhor e mais produtivo que centenas de consultas e lamúrias no divã do analista que nunca freqüentei. E muito mais barato também.
Agora quase se vai mais um caderninho. Do anterior, vinham lembranças de um tempo que pratico religiosamente, o verão carioca e seus benefícios permanentes, seguido da viagem da à Uruguaiana para o carnaval fora de época e ao meu passado na fronteira oeste.
Este, que agoniza, mas não morrerá jamais, comecei quando cheguei a Mato Grosso, já no final do mês de maio. Ele já saiu diferente no formato, na falta do meu amado MOB (com plástico para as bugingangas e elástico para que nem os papéis, nem as idéias se espalhem pela minha bolsa e saiam borboletando pela vida desordenadamente) Tive que apelar para um caderno pequeno de capa dura, não muito grosso (vá que não funcionasse a contento).
Agora, posso dizer que ele cumpriu o seu papel. Apesar de ter chegado ao final da sua missão completamente descomposto, esteticamente prejudicado, totalmente desengonçado.
Muitos fatores contribuíram para isso. Atos, fatos, e forma de manuseio influenciaram sobremaneira sua performance. Eles fazem parte de um todo que, futuramente, comporão minha lembrança quando olhá-lo na estante onde guardo meus outros parceiros de aventuras. Esbandongado, esse, por fora. Mas com um interior repleto de qualidades e experiências inerentes ao tempo em que fomos unha e carne.
Assim também será o caderninho das lembranças dos últimos tempos de Luíz Soares, agora ex-secretário de saúde de Cuiabá, quando, um dia, ele procurá-lo na prateleira de sua trajetória pública. Esgarçado, desbotado e desmilinguido, mas repleto de conquistas e ensinamentos nas páginas que ele escreveu neste conturbado período de sua vida. Para ele, a Secretaria de Saúde será apenas mais uma página virada, de um dos inúmeros volumes que guarda na estante da sua vida.
O que me pergunto, temerosa, é qual será o tipo de caderno e o conteúdo armazenado na brochura que se inicia para os usuários do sistema de saúde pública de Cuiabá? Diferente de nós, Luizinho e eu, que podemos escolher onde registraremos nossas histórias e estórias, respectivamente, não cabe a população esta opção.
Ela terá que aceitar a cartilha escolhida pelo prefeito Wilson Santos e, no almoxarifado onde ele vai procurá-la, lamento informar, será difícil encontrar outro volume de tanta lisura e transparência com a coisa pública quanto o utilizado por Luíz Cabeção.
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval
É mais um que está quase indo. Sei que está chegando a hora quando começo a encolher a letra, escrevo no seco, sem óculos ou lentes, que é pra enxergar melhor e escrever menor. Vagarosamente de maneira inconsciente, vou ao ponto de reduzir o tamanho não muito regular dos meus escritos.
Faz tempo que adotei os caderninhos. São maiores que cadernetas e menores que os cadernos convencionais. Ando com ele até esgotá-lo. Vale o que acabar primeiro: suas páginas, localização ou situação - em casos extremos, é verdade.
Existem os que (por razões inexplicáveis) não se adaptam à sua principal função, nem trazem inspiração. É troca certa e assumida. De vez em quando, tal ação não resolve a situação. Aí, o problema não é o pobre caderninho. Só trocando a localização. Caso de Brasília, por exemplo. Em 2006 não tinha jeito. Enquanto não retornei ao meu modus escrevendi original, a Ponta do Leme, corri atrás do assunto, palavras e ideais e todos escorriam entre meus dedos, incapazes de transformar os fatos e atitudes que estava vivendo em qualquer tipo de expressão.
Meus caderninhos são quase sempre organizados. Com algumas ressalvas. Os textos registrados em ordem cronológica não têm data nem título, mesmo que esse já esteja decidido. (Vá que o trem mude de rumo no meio e surja outro mais interessante? É melhor um espaço em branco do que ocupado com alguma idéia pré-estabelecida)
No início isso não me incomodava nem causava qualquer inconveniente mas, com a tendência de multiplicação progressiva de caderninnhos lotados, devidamente preenchidos de idéias, esta forma de organização pode vir a dar problemas. Nunca imaginei que eles pudessem passar de uns minguados dois ou três.
Quando olho para o atual objeto de meus escritos, tenho a chance de avaliar o que tenho feito e como tenho agido diante dos acontecimentos cotidianos. É como se fosse final de ano, quando a gente faz aquela retrospectiva pessoal e idealiza os desejos para o ciclo que se iniciará em breve.
Graças a Deus meus caderninhos nunca são muito grossos o que me dá a chance de me renovar com mais freqüência do que os tediosos e constantes 365 dias do calendário gregoriano. Até por que tenho outra variável a meu favor: a freqüência com que escrevo acelera ou não a troca do meu meio e fim.
Assim como tive problemas com as páginas de Brasília existem outras que deixam saudades.
As da série Ponta do Leme, por exemplo, apesar de um tempo de pouca felicidade pessoal, deixaram sua marca, por ter sido o momento em que descobri o poder do meu método, tão simples, de extravasar minhas dores sem nunca mencioná-las nos meus escritos.
O caderno onde comecei o Parador Cuyabano abriu as portas para as crônicas burocráticas. Fazer graça com os perrengues que enfrentei naquela época foi melhor e mais produtivo que centenas de consultas e lamúrias no divã do analista que nunca freqüentei. E muito mais barato também.
Agora quase se vai mais um caderninho. Do anterior, vinham lembranças de um tempo que pratico religiosamente, o verão carioca e seus benefícios permanentes, seguido da viagem da à Uruguaiana para o carnaval fora de época e ao meu passado na fronteira oeste.
Este, que agoniza, mas não morrerá jamais, comecei quando cheguei a Mato Grosso, já no final do mês de maio. Ele já saiu diferente no formato, na falta do meu amado MOB (com plástico para as bugingangas e elástico para que nem os papéis, nem as idéias se espalhem pela minha bolsa e saiam borboletando pela vida desordenadamente) Tive que apelar para um caderno pequeno de capa dura, não muito grosso (vá que não funcionasse a contento).
Agora, posso dizer que ele cumpriu o seu papel. Apesar de ter chegado ao final da sua missão completamente descomposto, esteticamente prejudicado, totalmente desengonçado.
Muitos fatores contribuíram para isso. Atos, fatos, e forma de manuseio influenciaram sobremaneira sua performance. Eles fazem parte de um todo que, futuramente, comporão minha lembrança quando olhá-lo na estante onde guardo meus outros parceiros de aventuras. Esbandongado, esse, por fora. Mas com um interior repleto de qualidades e experiências inerentes ao tempo em que fomos unha e carne.
Assim também será o caderninho das lembranças dos últimos tempos de Luíz Soares, agora ex-secretário de saúde de Cuiabá, quando, um dia, ele procurá-lo na prateleira de sua trajetória pública. Esgarçado, desbotado e desmilinguido, mas repleto de conquistas e ensinamentos nas páginas que ele escreveu neste conturbado período de sua vida. Para ele, a Secretaria de Saúde será apenas mais uma página virada, de um dos inúmeros volumes que guarda na estante da sua vida.
O que me pergunto, temerosa, é qual será o tipo de caderno e o conteúdo armazenado na brochura que se inicia para os usuários do sistema de saúde pública de Cuiabá? Diferente de nós, Luizinho e eu, que podemos escolher onde registraremos nossas histórias e estórias, respectivamente, não cabe a população esta opção.
Ela terá que aceitar a cartilha escolhida pelo prefeito Wilson Santos e, no almoxarifado onde ele vai procurá-la, lamento informar, será difícil encontrar outro volume de tanta lisura e transparência com a coisa pública quanto o utilizado por Luíz Cabeção.
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval
Nenhum comentário:
Postar um comentário