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terça-feira, 26 de novembro de 2024

A Luiz Soares o que é de Cabeção



A Luiz Soares o que é de Cabeção

Desinformação oficial deturpa e omite a atuação do ex-político matogrossense

Texto e fotos de Valéria del Cueto

“A história é contada pelos vencedores”. A frase é atribuída a George Wells, autor de “A revolução dos Bichos” e “1984”, na revista britânica inglesa Tribune, em 1944. E ele tinha razão.

Em Mato Grosso, numa instituição que deveria ser guardiã da memória política do estado, a Assembleia Legislativa, uma informação divulgada no seminário de comemoração dos 35 anos da promulgação da Constituição Estadual foi mais um tijolo na construção da “nova” história política local.

A desinformação

Para um documentário, apresentado sem ficha técnica e, portanto, autoria, sobre os trabalhos da a elaboração da Constituição Estadual de 1989, o atual conselheiro do Tribunal de Contas e ex-deputado constituinte, Antônio Joaquim deu a seguinte declaração “...Mas no final eu acho que o deputado Hermes de Abreu propôs muitas coisas inusitadas, modernas. O deputado Luíz Soares deu uma grande contribuição. Todos os dois também foram relatores da Constituição Estadual” (aos 13’13” do vídeo do evento). https://www.youtube.com/live/GmQjB5APY7c?si=WzRPkjXn75yxxvBF)


A verdade

O único relator da Constituição de  1989 de Mato Grosso foi o deputado Luíz Soares, falecido em 16 de junho de 2022. Seu colega, Hermes de Abreu era sub-relator da Comissão de Organização do Estado, Antônio Joaquim foi o sub-relator da Comissão do Executivo, assim como outros parlamentares desempenharam a mesma função nas demais sub-relatorias. No total foram 7 comissões que, depois de sistematizadas, viraram o que foi apelidado pela equipe da relatoria de Frankenstein, tantas eram as demandas apresentadas pelos setores da sociedade. Não foi essa colcha de retalhos que virou o anteprojeto votado pelos constituintes.

Depois de tudo sistematizado Luiz Soares apresentou um substitutivo integral com as inovações mencionadas por Antônio Joaquim. Este material recebeu emendas dos parlamentares e, então, foi concebida a atual Constituição de Mato Grosso, uma das mais avançadas entre as dos estados brasileiros, com a relatoria de um único deputado: Luizinho Cabeção.

Para comprovar, basta olhar na última página da Constituição. Após os Atos das Disposições Transitórias, se encontram os créditos dos parlamentares constituintes. Lá, há somente um relator.

A massificação da desinformação

O documentário, que ilustrou o evento comemorativo dos 35 anos da Carta Magna mato-grossense, uma sessão especial que contou com as presenças dos ministros Gilmar Mendes, Alexandre Moraes e Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, autoridades estaduais de todos os poderes e convidados, contém a desinformação que está sendo divulgada nos canais de mídia da Assembleia de Mato Grosso. Até o dia 26 de novembro, somente no youtube, o material já havia sido reproduzido mais de 1.700 vezes.

Segundo o site Isso é Notícias, o concorrido seminário, que durou 2 horas e 53 minutos, foi produzido por uma empresa de Brasília, a Academia Brasileira de Formação e Pesquisa (ABFP) Ltda, contratada sem licitação pelo valor de R$ 393 mil.

Omissão provoca apagamento  

É a História que, mais uma vez, vem sendo alterada, desconstruída e remodelada. Basta abrir o site da Assembleia, que deveria ser um repositório das informações transparentes da rica trajetória política de Mato Grosso, para encontrar outros sinais desse desmonte.

Na lista de parlamentares, desde o falecimento de Luíz Soares, em junho de 2022, seu nome e o link para seu currículo político já não constavam nas 10ª, 11ª, e 13ª legislaturas, as que o parlamentar foi eleito com os votos do povo de Mato Grosso.

A substituição

Agora, verifica-se um acréscimo: pela ordem alfabética dos deputados, no L de Luiz, aparece o nome da Procuradora do Estado Sueli Capitula e a informação de que ela não tinha partido nos períodos em que, supostamente, atuou no parlamento de Mato Grosso.

Informada da inclusão de seu nome na lista de parlamentares estaduais, Sueli deixou nos comentários  da postagem da página do facebook do jornalista Enock Cavalcanti, a seguinte mensagem: "Acabei de confirmar que no site da ALMT consta na ordem alfabética,  ao invés do nome de Luíz Soares, o meu nome em três legislaturas e nunca fui deputada, na realidade sempre fui cabo eleitoral de Luiz Soares, o deputado que está sendo injustiçado com a omissão do nome dele como um dos mais atuantes da história de Mato Grosso, além de que foi relator da Constituinte de MT e senador...”

Às futuras gerações

Que diferença isso faz para a história política de Mato Grosso? Muita. Para um pesquisador que tentar fazer um levantamento da divisão partidária no parlamento estadual os resultados não serão reais já que, por exemplo, na 10ª e na 11ª Legislaturas, ao retirarem Luiz Soares e incluírem Sueli Capitula, ela sem partido, o MDB perde um parlamentar, alterando a composição das forças políticas na época.

Ao se omitir o nome de Luiz Soares das listagens a base de informações deixa de ser uma opção de fonte confiável dos registros das atuações parlamentares do período, fechando uma linha de pesquisa nas atividades legislativas.

Outra constatação desse apagamento legislativo pode ser feita por meio de uma busca no site da Assembleia. Coloque o nome Luiz Soares no espaço intitulado “O que você procura?” na página inicial. Do parlamentar, que trabalhou na casa fazendo leis por 12 anos, foi 1º secretário da mesa diretora, relator da Constituição, vice-prefeito de Cuiabá, senador, secretário de saúde municipal de Cuiabá, Várzea Grande e do estado de Mato Grosso, aparecem somente 2 referências. Uma de 2003 e outra de 2017.

A história dos vencedores se faz assim, alterando e omitindo dos canais oficiais os feitos dos demais protagonistas dos eventos narrados. O resultado pode ser lido nas obras de George Wells mencionadas no início dessa matéria.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Reportagem da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM ... delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Nunca mais

Nunca mais

Texto e foto de Valéria del Cueto

Daquela altura tinha uma visão geral do ambiente em que estava. Amplo e cheio de coisas. Em primeiro plano via as costas da cadeira ergonômica (sinal de que quem a ocupava o fazia com frequência) antes da escrivaninha repleta de papéis, pastas e objetos. Entre eles um laptop que visualizava pelo alto do espaldar giratório. Mais à frente cadeiras para visitantes e um sofá voltado à parede formando outro ambiente. Ao fundo estantes, mais livros e a enorme tela da TV que abriu sua visão para o mundo lá fora. Um janelão à direita. Para trás não via nada, espremido entre outros exemplares de literatura.

Não sabia seu nome, posto que era incapaz de se olhar. Não era gordo, achava, como via outros nas estantes que decoravam as paredes frontais. Mas, pela posição que ocupava, deduziu ter algum valor. Estava ao alcance das mãos do “patrão”. Era constantemente manuseado. À vista quase inevitável dos visitantes curiosos que por ali passavam. E eram muitos.

Devia conter, imaginava, alguma erudição. E essa era ampliada pelo que apreendia em seu subconsciente literário pela tela em frente. Era testemunha involuntária da história que se desdobrava a cada dia no recinto por meio daquela imensa, diversificada e louca janela pra o mundo.

De tudo que viu preferiu a alegria. O momento mais esperado era o carnaval. Seu interesse começou quando numa madrugada se (ou)viu no ritmo de uma batucada e, nas imagens projetadas, apareceu a imensa alegoria de... um livro aberto! Um irmão gigante incrustado num carro repleto de foliões. Para descobrir o que fazia ali, no meio da festa, prestou atenção às cenas que quase saiam dançando enquanto reverberavam pelo ambiente, quebrando a severidade da vizinhança na biblioteca.

Então um livro podia alcançar o mundo! Passou a observar todos as escolas de samba ávido por novas expressões literárias nos desfiles. Se sentia representado e valorizado. E lá estavam eles, em vários enredos apresentados. O período carnavalesco era ansiosamente aguardado nos anos em que pontificou com whisky e salgadinhos no salão aconchegante.

Um dia, a surpresa. Uma mudança imprevista! Não o entra e sai da estante para uma consulta ou a espanada semanal. Da prateleira para a escuridão de uma caixa fechada e, pelo som, lacrada! Que destino o aguardava? Perdeu a noção do tempo.

Sua visão foi ofuscada quando pode respirar ar puro novamente. A rearrumação foi numa estante de metal, com mais folga entre os irmãos. A visão do entorno completamente diferente. Livro empilhados, mesas, muito movimento. Ouviu dizer que fazia parte de um acervo doado a uma biblioteca de comunidade. Mais uma vez ganhou lugar de destaque. Sinal de sua relevância. Afinal, descobrira. Era um exemplar da Constituição Federal! Passou a viver manuseado e consultado.

As notícias do mundo exterior não mais chegavam. Pegava umas rebarbas por cima dos ombros dos celulares dos frequentadores. O que não era muito em se tratando de uma biblioteca. Passou a entender mais de games do que acompanhar as novidades. E sentia falta... dos carnavais. Ausentes pelo fechamento do espaço bibliográfico popular nos dias de folia.

Com o passar do tempo foi se desgastando naturalmente. Sentiu as juntas ressecadas, as folhas se soltando. Pressentiu que seu fim estava próximo pedindo a Deus só mais um carnaval, nem que fosse no compacto da quarta feira de cinzas, dia da apuração.

Não teve forças nem estrutura para chegar sequer ao meio do ano. Se despedaçou. Foi literalmente desfolhado e, com as capas e lombada, jogados numa caixa. Fechou os olhos. Imaginava que para sempre quando o conteúdo da caixa foi sendo encharcado folha por folha com um líquido pegajoso. Se entregou. Desfaleceu.

Recuperou a consciência ouvindo o som da bateria e o rugido da arquibancada aclamando a verde e rosa. “Como assim”, pensou, “onde estou, o que sou?” A lucidez foi voltando devagar. Envolvida na alegria reverberando ao vivo e a cores! Ainda havia vida em suas páginas. Usadas que foram para empastelar uma escultura carnavalesca. Fazia parte de uma alegoria num dos carros da Mangueira!

Cruzando por um dos telões que transmitiam o desfile da Sapucaí de rabo de olho (meio grudado) pode se situar. Seu desejo inimaginável fora realizado. Era um livro que virara o livro. Papel picado reelaborado para compor outra obra. Também literária. E, dessa vez, visual.

Na passada de olhar pelo telão conseguiu ler seus dizeres em letras gigantes: “Ditadura Assassin”. Franziu a sobrancelha (e livro tem?) Nunca mais. Fizera sua parte. Ajudara a impedi-la. Merecia a recompensa, decidiu, se deixando sacolejar até chegar a Apoteose ao ritmo da “Tem que respeitar meu tamborim”, a bateria da Mangueira.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “É carnaval” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

@delcueto.studio na Colab55