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quarta-feira, 24 de abril de 2024

Mato Grosso nas fotos e memória do samurai das imagens


Mato Grosso nas fotos e memória do samurai das imagens

Exposição Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak no CCBB- RJ

Texto, fotos e vídeos de Valéria del Cueto

O Rio de Janeiro está efervescente nesse outono com eventos por toda cidade. O mais esperado é o show de Madona, na praia de Copacabana, dia 4 de maio. Esse é um dos muitos acontecimentos que atrai visitantes e moradores e, num deles, Mato Grosso está presente.

O estado se faz representar na Cidade Maravilhosa por um olhar do outro lado do mundo. O do samurai das imagens, um fotógrafo japonês, na Exposição “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak".

Para situar, Ailton Krenak é o primeiro representante dos povos originários a se tornar imortal ocupando uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, a ABL. Sua posse, dia 5 de abril, foi num evento que emocionou seus pares, ilustres convidados e nações indígenas que foram alcançadas graças a tecnologia que permitiu a transmissão da cerimônia pelo streaming. 

As 160 imagens que compõem a exposição, idealizada pelo Instituto Tomie Ohtake, de São Paulo, ocupam várias salas do Centro Cultural do Banco de Brasil no coração do Rio, ao lado da Praça Mauá, até o dia 27 de maio e, agora, divide o espaço do prédio histórico com "Mundo Zira”, mostra sobre o jornalista e cartunista Ziraldo que nos deixou no início do mês. Os eventos são gratuitos!

De um lado, a algazarra das crianças. Do outro, os mistérios de uma Amazônia impenetrável, a não ser com um guia como Krenak. O fotógrafo japonês e ele, com o auxílio de uma intérprete, percorreram na década de 1990 em várias expedições, os estados do Acre, Roraima, Pará, Amazonas, Maranhão, São Paulo e... Mato Grosso. Se tornaram grandes amigos registrando e convivendo com a diversidade cultural dos povos originários brasileiros.

As imagens são inéditas no Brasil, numa seleção diferente da apresentada em São Paulo (dá para imaginar a quantidade de fotos feitas nas viagens?), em diferentes tamanhos, algumas gigantescas, agregando outra novidade: objetos cotidianos de diferentes etnias. A maioria pode ser manuseada e "vestida" pelo público.

O evento também é enriquecido com rodas de conversar com Nagakura, Krenak e lideranças indígenas que contextualizam o universo abordado e pelo tempo decorrido entre a captação e a exposição, em alguns casos, agora inexistentes.

Já na rotunda do CCBB, marco arquitetônico do prédio, uma instalação indica a potência dos registros feitos pelo premiado fotógrafo japonês que percorre o mundo em busca de imagens em campos de refugiados e praças de guerra na África do Sul, Palestina, El Salvador, Afeganistão...

As vindas à Amazônia foram um respiro, apesar dos problemas já latentes como invasões, conflitos de terra, garimpos ilegais, depois do mergulho no inferno global, como explica Ailton Krenak no texto de apresentação da exposição que resume as 7 viagens pela Amazônia.

O conjunto das imagens do fotógrafo que virou a sombra do, agora imortal escritor indígena, expõe a vida nas comunidades visitadas numa linguagem universal traduzindo o carinho, o afeto e a sensibilidade ao eternizar nos registros do cotidiano das comunidades que, certamente, foram afetados pelo intenso contato, em alguns casos, com a civilização nos últimos 30 anos.

São registros de mundos quase perdidos. Majestosos e pungentes. Não há como não se deixar levar pela beleza e delicadeza expostas em diversos formatos do rico material apresentado.

Registre-se que Hiromi é um dos responsáveis por chamar a atenção mundial em exposições, documentários e livros do exuberante e ameaçado universo Yanomami.

Clique no LINK para percorrer o álbum

Mato Grosso está presente em imagens do cerrado (mais um bioma ameaçado) da aldeia Xavante de São Pedro, na terra indígena de Parabubure, em Campinápolis, numa das amplas salas do CCBB.

Segundo Krenak, o que impressionou o samurai das imagens foram a força, a determinação Xavante e o sentido de vida coletivo do povo cujos homens de reúnem no pátio da aldeia para sonharem juntos. “O sonho direciona a vida, dá o rumo, a orientação, responde a todas as questões. É no sonho que chegam os cantos, transmitidos pelos ancestrais e partilhados com todo o povo da aldeia”.

Imaginou a força dessa imagem?... ou melhor, nem tente usar sua imaginação, visite a exposição!


Texto de apresentação do espaço dedicado aos A'uwê Uptabi, o povo Xavante:  

“O povo Xavante se autodenomina A'wuê Upptabi - "gente verdadeira". É guerreiro e caçador. Vive nos vastos campos do cerrado, desde que os ancestrais atravessaram o Rio das Mortes há quase 200 anos. Resistiram bravamente à entrada das frentes de atração na década de 1940, atacando com flechas e bordunas os aviões que sobrevoavam a aldeia. A pacificação dos "warazu" - os estrangeiros - se deu a partir de 1946 durante a Grande Marcha para o Oeste, iniciada no governo de Getulio Vargas (1930-1945).

Apesar de terem nove Terras Indígenas demarcadas, em diferentes municípios do estado do Mato Grosso, cada uma delas lida com diferentes ameaças ao patrimônio físico e cultural, com interferência de religiões, agronegócio, projetos de desenvolvimento e avanço das cidades. 0s Auwê são de uma linhagem antiga, vieram da raiz do céu. Os homens usam o brinco gravata cerimonial de algodão. Homens e mulheres se pintam com jenipapo, carvão e urucum, tiram as sobrancelhas e os cílios, usam cordinhas nos pulsos e pernas. 0 corte de cabelo, os adornos e pinturas dão identidade ao povo Xavante que segue praticando seus rituais de formação dos jovens e iniciação espiritual. O sonho direciona a vida, dá o rumo, a orientação, responde a todas as questões. É no sonho que chegam os cantos, transmitidos pelos ancestrais e partilhados com todo o povo da aldeia.

A cerimônia de furação de orelha e um marco para toda a comunidade. Acontece a cada 5 anos, quando os meninos que ficaram reclusos na casa dos solteiros completam seu aprendizado dos princípios da tradição.

Nagakura-san ficou impressionado com a força e determinação do povo e com ○ sentido de vida coletivo. As imagens revelam essa admiração nas danças circulares e no grupo de homens deitados no pátio central, reunidos para sonharem juntos”.

PS: Visitei o CCBB acompanhada por um cuiabano de chapa e cruz com quem pude beber dessa fonte de energia, observar suas reações. Meu companheiro foi o ator Ivan Belém, em quem presenciei o impacto do universo que nos foi apresentado. Ele é o “personagem-espectador” que aparece nos registros. Que privilégio.

A emocionante cerimônia de posse de Ailton Krenak na Academia Brasileira de Letras, ABL.


*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Parador Cuyabano”, do SEM   FIM...  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

O bambu e a flecha



O bambu e a flecha  

Texto e foto de Valéria del Cueto

Queria falar de carnaval. Se pudesse. Esse título também caberia na crônica que imaginava escrevinhar no meio do mundo, pra variar, no domingo. O tema seria o samba do Salgueiro, um canto comovente e realista sobre os Yanomami.


Só que... Hoje é 12 de novembro, Dia do Pantanal.

Antes de ligar o bioma a efeméride vejo o drama que se desenrola em parte da maior planície inundável do mundo. Mais uma vez, como em 2020, ela arde sob os olhares complacentes e cúmplices de quem tem o dever constitucional de preservá-la.

Mesmo assim pensei em manter o foco na folia, ou falar dos planos do réveillon carioca, para compensar o peso dos últimos textos sobre os acontecimentos no Oriente Médio.

Resisti até abrir o “X” e me deparar com postagens do PL. Ele, o Partido Liberal, comemorando o Dia do Pantanal nas redes sociais. Ele e, também, sua parlamentar Carla Zambelli, a dona que correu atrás de um eleitor apontando uma arma pelas ruas de São Paulo nas últimas eleições.

https://t.co/SYdGuYH3iI

Foi a gota d´água para mudar minha melodia de um samba enredo para um lamento nativista. Falo de “Queimada”, um dos socos no estômago que levei na 10 Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, a primeira que acompanhei, em 1980. Defendida por Miguel Gonzalez, Os Uruchês e o piano triste e pungente de Cide Guez, sua melodia acompanha e sublima as imagens poéticas da agonia da terra e dos animais. Os versos finais dizem: “É hora do homem parar de agredir, ou gerações futuras serão caravanas errantes, condenadas a morte na fome numa terra que não vai parir”.


Ali caiu minha ficha da responsabilidade que tenho como cidadã desse mundão de não me omitir para alertar, a quem interessar possa, sobre o tamanho da encrenca em que nos metemos ao mexer com o planeta como estamos fazendo. É uma luta longa, muitas vezes inglória e frustrante. Mas, como diz o título do texto, se tem bambu, tem flecha.

E essas são as flechas que carregam mensagens a você, leitor, para alertá-lo a não se deixar enganar por banners motivacionais postados por aqueles que, com seus votos, colaboram de forma direta e criminosa para a destruição de nossas riquezas naturais.

Como assim? O partido que abriga representantes da bancada do agro, (a que quer ampliar a área de plantio às cabeceiras do Pantanal, demarcá-lo na vazante e não na cheia, fazer PCHs - Pequenas Centrais Hidroelétricas, interferindo no curso natural das águas que garantem o frágil equilíbrio do bioma, a mesma que incentiva o avanço indiscriminado agrícola no Cerrado, principalmente na chamada zona do Alto Paraguai), exaltando o Dia do Pantanal? Nele também pontifica a bancada da bala, que avança com projetos de liberação da caça!

Menciono um partido, mas sabemos que esse vírus invasivo permeia outros. Eles desenvolvem ações orquestradas nas câmaras parlamentares municipais, estaduais e federais que corroem a rede de proteção ambiental. O que tem de gente fazendo cara de paisagem, como se nada estivesse acontecendo. O que tem de manipulação de dados e informações!

Todo cuidado é pouco, por exemplo, quando o diligente ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, cria de Blairo Maggi, o eterno Motoserra de Ouro, “recorta” dados sobre o agro que não respeita as normas ambientais usando o santo nome de sua colega Marina Silva, do Meio Ambiente, em vão. “Ela disse que menos de 2% dos agricultores cometem delitos”, afirma o pupilo do magnata da soja, “mais de 98% agem de forma correta”, conclui.

Sabe conversa pra boi dormir? É por aí. O que ele não menciona é a quantidade absurda de terras que os “menos de 2%” detém. São os latifundiários que controlam a maior parte. Hoje, 0,7% das propriedades têm área superior a 2 mil hectares. Mas... somadas elas ocupam 50% das terras agricultáveis. Portanto, olha o tamanho do espaço em que esse pequeno e privilegiado contingente pode fazer estragos. Isso se chama manipulação de dados.

E, como ainda tem bambu, não custa nada flechar a meia informação tendenciosa de quem, como gestor público, contribui para colocar lenha na fogueira que arde sem a devida prevenção e contenção no Pantanal e no Cerrado, enquanto vende ao mundo a “defesa” da Amazônia.

Tudo parte do mesmo movimento, o alvo a ser atingido por informações claras que desmascarem a minimização de um problema gigantesco, concentrado e com recursos quase infinitos para patrocinar candidaturas, postergar ações judiciais e vender conceitos como o de que “O AGRO é POP”, botando no mesmo balaio os mega tubarões e o agricultor familiar pra confundir a cabeça do povo. Sinceramente, não acho que seja fácil mensurar o tamanho do problema e das forças que enfrentamos.

Então, deixo uma sugestão. Especialmente aos mato-grossenses que seguiram até aqui a trajetória dessa flecha.

Abra sua janela, tente ver o horizonte e inspire fundo o ar contaminado pelas consequências da ganância que destrói o meio e corrói a qualidade do nosso ambiente. Olhe em volta. Pense no futuro.

Agradeça se (ainda) houver algum bambu a seu alcance. E lute!

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM... pantanalsemfim.wordpress.com




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