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domingo, 8 de novembro de 2015

Fome de quê?

Belém 150916 160 Ver o Peso vegetal Banca Pimenta lataFome de que?

Texto e fotos sobre Belém, de Valéria del Cueto
A Itália me chama, mas não posso chegar lá (ainda). Dessa vez fui despertada por um alerta do Periscope,  aplicativo de transmissão de vídeo em tempo real (streaming) do Twitter. Fui parar, ainda dormindo, na abertura da edição 2015 da Artíssima, a feira de arte contemporânea que agita Torino, no Piemonte, no primeiro final de semana de novembro. Em 2013, o evento que ocupa o Oval, pavilhão do Lingotto Fiere, rendeu o texto “Torino, Corso dell’Arte Contemporânea” em que explorava  o evento italiano.
Um pouco mais tarde, outro alerta. Dessa vez é um email da Mendes Wood DM,(de Pedro Mendes, do time de curadores da Artíssima), uma das três galerias brasileiras, dentre as 207 participantes, de 35 países, com obras de Paulo Nimer Pjota. Do Rio, comparecem A Gentil Carioca com peças de João Mode, Rodrigo Torres, Maria Laet, Laura Lima, Thiago Rocha Pitta e a Luciana Caravello, com Nazareno. Artistas brasileiros como Matheus Rocha Pitta e Paulo Nazareth, estão representados nas galerias Sprovieri, de Londres, e Franco Noero, de Torino, respectivamente.
Por que não estou lá? Pergunta uma parte do meu cérebro adormecido. Já totalmente desperta tento responder ao questionamento e volto no tempo. Agora, até Milão onde vi, na mesma viagem, um detalhe que  me incomodou, narrado na crônica Tiro ao Alto: a poluição visual da cidade, com banners e penduricalhos referentes a Expo Milano 2015 que, com o tema “Nutrir  o planeta, energia para a vida”, movimentaria (e  inflacionaria) a cidade lombarda de maio a outubro.
“Alimentando o mundo com soluções”. Com esse slogan lá estivemos nós, nos últimos 6 meses, entre os 145 países que ocuparam gigantescos pavilhões, uma área de 1.1 milhão de metros quadrados, para receber um público estimado em mais 20 milhões de visitantes. O brazuca tinha 4.133 metros quadrados e várias bossas. Entre elas, uma rede suspensa por onde os visitantes passeavam. De 2013 pra cá procurei (sem muito sucesso) informações do que apresentaríamos por lá. O melhor canal, acreditem, era nas notícias veiculadas na Itália. Foi lá que descobri como seria nosso pavilhão, seu projeto arquitetônico e outros detalhes. Queria saber quais as premissas que norteariam nossa participação. Quando a EXPO começou, achei um site oficial que mencionava algumas receitas que seriam apresentadas por lá. Junto a tradicional Caipirinha aparecia um drink chamado Diabo Roxo. Lado a lado com a Feijoada, uma receita de Macarrão com Molho de Soja! Como estava numa fase “paz e amor” preferi não polemizar e acompanhar o que os outros países apresentariam de interessante.
Vi, mais uma vez, o Brasil na fita quando o ex-presidente Lula pontificou numa foto premonitória, literalmente andando na corda bamba, dando pinta na tal rede “multissensorial e imersiva”, atração do  pavilhão brasileiro. E assim se passaram os meses do evento que lotou e movimentou a Lombardia, o Piemonte e o território italiano, razões pelas quais não fiz nenhum esforço para visitar a Itália neste período. Ainda mais com a desvalorização de nossa moeda...
Nada chamou minha atenção positivamente nesse intervalo, especialmente porque expor produtos pecuários e agrícolas como frutas, entre elas morangos (aqueles entupidos de agrotóxicos), não era exatamente relevante para a sustentabilidade planetária. Não estávamos ali para discutir ou inovar, mas para vender o peixe institucional sem maiores questionamentos.
Até o evento dos dois últimos dias no pavilhão: o lançamento do Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade da Amazônia. Ele será implantado no Complexo Feliz Lusitânia, em Belém do Pará, para  viabilizar a pesquisa, o ensino e  formação, o fomento econômico, turístico e cultural, com uma escola de gastronomia, laboratório de alimentos, barco-cozinha, museu e restaurante. Pois não é que veio da cidade que completará 400 anos em 2016 a proposta que mais se  coaduna com o tema da ExpoMilano? Como sempre, o Pará. Surpreendente e na vanguarda...
A mais de 3.000 quilômetros no rumo sul, em Uruguaiana, Rio Grande do Sul, juro que em breve atravessarei o país e, novamente, mergulharei nos sabores e saberes paraenses. Enquanto aguardo o inverno passar para, quem sabe, matar o desejo de explorar, mais uma vez, a terra de meus antepassados, a “Bella Italia”.
Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Crônica da série “No Rumo” do Sem Fim...

domingo, 12 de janeiro de 2014

“Rapa” do prato


Texto e foto de Valéria del Cueto
Bom mesmo esse bolo italiano que não para de render! Depois de comê-lo e saborear a cereja, eis que ainda há aquela calda deliciosa para “limpar” do prato. É  falta de educação, mas quem resiste? Cada colherada raspada deixa gosto de quero mais. Muito mais...
E assim é a Itália, um manancial de grandes descobertas em camadas. Umas mais escancaradas, outras, nem tanto.
Alguns preferem se aprofundar num único local e extrair tesouros ocultos e não tão visíveis a simplesmente dar uma “voada” superficial pelas atrações turísticas mais concorridas.
Acho que não precisa dizer qual é a opção dessa série de crônicas dedicadas a “narrar” o que as fotos registraram para o “No rumo do Sem Fim...” nos meses de outubro e novembro de 2014, no norte da Itália.
Depois de um período em que a globalização dominava o top ten de 10 em 10 paradas de melhores e mais, eis que um movimento no sentido inverso pode ser observado em diversos setores da sociedade. Ele parte do geral para o específico, dando destaque ao que é exclusivo e peculiar.
Tudo bem que as “marcas” continuem dominando o mercado e ditando moda, mas aqui e ali é possível perceber uma tentativa de criar um diferencial, oferecer um “plus” que não seja encontrado na monotonia reinante nas calçadas mais famosas do planeta.
A brincadeira acaba virando um jogo de onde está o quase único, o local? Qual é o diferencial entre tantos mais e melhores? Isso não significa uma simples questão de valor econômico, mas sim de singularidade. E nem sempre o singular é mais caro. Ou é?
O mais interessante é quando descobrimos que nossas lições brazucas de criação de um diferencial são  conhecidas e criam filhotes, inclusive entre  aqueles que trazem de herança milhares de anos de cultura.  
Um exemplo: há quanto tempo a indústria nacional de cosmética vem trabalhando o conceito de “fazer” com nossas riquezas vegetais produtos diferenciados, explorando as qualidades de da flora para personalizar a indústria cosmética “made in Brazil”? Natura e Boticário que o digam... A Bio Chama com suas águas cheirosas de Castanha do Pará e Guaraná, então...
Pois essa também é uma tendência de mercado que pode ser vista na Europa se você procurar bem entre as atraentes vitrines bem decoradas das franquias. Há o dream team disponível, acessível e prático para quando o produto “de marca” que usamos rotineiramente acaba. E isso é muito bom. Não há trabalho para a reposição.
Já quem procura e bate perna acha lojas artesanais, pequenos repositórios de tesouros que, tenha certeza, depois serão muito difíceis de serem encontrados novamente, a não ser que nos disponhamos a uma importação via internet (e viva a era digital!)
Algumas marcas de cosméticos estão nessa vibe. Caso da Dea Terra que industrializa cremes faciais e corporais com ingredientes típicos italianos como frutas cítricas sicilianas, açafrão de Abruzzo e sementes de uvas de Avola. Interessante,  não é?
Ainda há mais -  e foi esse ingrediente que garantiu à Dea Terra esse espaço, caro editor. Falo do “Tuber Magnatum Pico”. Nome científico do Tartufo Bianco di Alba. A essência do fungo raro segundo as pesquisas científicas tem um efeito especial e regenerador.
Reconhece o produto? A Trufa Branca é uma iguaria que atinge preços astronômicos, dependendo da quantidade e da qualidade dos tubérculos farejados por cães treinados para descobri-los nas raízes das árvores  dos campos da região de Alba, no Piemonte, numa determinada época do outono.
Justamente a mesma temporada desta série italiana do “no Rumo”! Já as impressões sobre a degustação do Tartufo Bianco di Alba ficam para mais tarde, já que é outra tentativa de “limpar” o prato de delícias deste tour italiano...   
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “No rumo”,  do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

domingo, 29 de dezembro de 2013

É coisa de cinema!

Torino 1311 03 147 Museo Nazionale del Cinema
É coisa de cinema!
Texto e foto de Valéria del Cueto
Dizem que a cereja do bolo deve ser o último bocado a ser comido. Difícil decisão já que ela está ali, no prato, olhando pra gente e se fazendo de sedutora desde que o bolo é bolo...
Em relação a Torino, Itália, uma dessas cerejas é, sem dúvida, o Museo Nazionalle del Cinema localizado na Mole Antonielliana, no centro Histórico da cidade.
O prédio, quem diria, foi construído para ser uma sinagoga. Em 1848, Carlos Alberto de Savoia assina o Estatuto Albertino que libera os cultos não católicos e em 1863 começam as obras do templo encomendado pela comunidade judaica, conforme o projeto de Alessandro Antonelli. Previsto inicialmente para ter 47 metros, com várias alterações sofridas, hoje tem 167 metros de altura. Por muito tempo foi edifício mais alto da Europa. É  um símbolo da “Cittá di Torino”.
Torino 1311 03 139 Museo Nazionale del Cinema vista outro lado do rio
A Mole Antonielliana com seu estilo neoclássico oitocentista proporciona dois grandes espetáculos. Um é a vista para quem sobe até o terraço nos elevadores panorâmicos. Tanto a externa que permite uma visão em 360 graus da cidade, como a interna durante a subida e descida. A impressão é estar num prédio de Gothan City onde, em alguns momentos, haverá um embate entre o Morcego Negro e o Coringa. Mas o interior da Mole tem mais, muito mais.
Torino 1311 03 141 Museo Nazionale del Cinema elevador para baixo
O projeto do Museo Nazionalle del Cinema começou em 1941 em pleno regime facista que impulsiona o cinema italiano, cria os estúdios da Cinecittà... A base da coleção é da estudiosa da história do cinema Maria Adriana Prollo. Sua história se mistura a do Museo, fundado em 27 de setembro de 1958. Em julho de 2000 é inaugurada sua nova sede, um projeto do arquiteto Gianfranco Gritella, com concepção interna do suíço François Confino, ocupando toda a Mole Antoniellina.
E é aí que mora o segredo que transformou o local num dos mais visitados de Torino e da Itália, com recordes sucessivos de público na última década. São 3.200 metros quadrados distribuídos em 5 pavimentos que apresentam não apenas a história do cinema...
Para começar, é preciso entender o processo que permite a “invenção” da imagem em movimento. Desde os rudimentos da ótica, até a criação das máquinas que permitiriam a nós, a criação da chamada sétima arte.
Após a fabricação dos aparelhos de movimentar as imagens outras etapas se apresentam entre a transformação de instrumentos artesanais no que viria a ser a indústria cinematográfica, uma marca do século XX.  
Dissecando o processo cinematográfico em todos os seus aspectos técnicos de modo didático (como roteiro, stoyboard, produção, filmagem, som, imagem e, finalmente, edição) nos corredores da Mole o visitante descobre e identifica o longo processo produtivo necessário para fazer um filme.
O Museo também homenageia de forma muito equilibrada os mais famosos cineastas do mundo: americanos, europeus e asiáticos, com um destaque merecido para, por exemplo, o grande diretor italiano Federico Fellini.
O passeio termina num grande espaço, onde estão apresentadas, de forma interativa, cenários e ambientes reconhecidos nas telas. Uma grande brincadeira, depois de uma aula muito séria sobre a fantástica indústria cinematográfica.
Dois detalhes: um italiano desaconselhou a visita ao Museo “por que tem muitas fotos de gente que nunca vi nem ouvi falar”. Certamente, ele não era um cinéfilo. Uma das brincadeiras mais legais no passeio é, justamente, reconhecer entre as imagens filmes e ícones do mundo do cinema.

O segundo detalhe foi a frase escrita numa das salas: “...uma pequena máquina/ que revela aos nossos olhos tamanhas maravilhas/ e graças ao cristal ótico/ faz com que as imagens marchem como cavalos/ Muitas vezes vemos esses dispositivos/ Multiplicados com seus inventores/ E especialmente no carnaval as pessoas chegam/ perto e ficam loucas ao vê-los. – Carlo Goldino – Il Mondo Novo.
Ou seja: carnaval e cinema sempre andaram juntos. E assim será em 2014. Feliz ano novo...
Torino 1311 03 146 Museo Nazionale del Cinema cinema e carnaval
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “No rumo”,  do SEM FIM... delcueto.wordpress.com


domingo, 22 de dezembro de 2013

Parece... E não é que é?

Torino 1311 03 026 Sayang Ku colar pregador de roupa
Texto e foto de Valéria del Cueto
Alguns movimentos são inquestionáveis na história da humanidade. Eles se alternam ao longo dos períodos: o egocentrismo e o teocentrismo, o universal e o individual e assim por diante...
No mundo de hoje esse movimento, que antes acontecia de uma forma mais lenta, alcança uma velocidade exponencial. Um exemplo? Outro dia a onda era a globalização e nos enquadramos nesse tsunami de forma tão completa que, em alguns setores, já podemos observar um movimento em sentido inverso.
Quem viaja tem uma grande chance de observar in loco essa “teoria”. Em alguns momentos é muito bom que haja um padrão de comportamentos. Cansa menos. Os aeroportos, trens e outros meios de transporte são  exemplos em que a uniformização gera enormes facilidades para seus usuários.
A regra deixa de ser confortável quando, por exemplo, ao passear por outras terras nos deparamos sempre com as mesmas lojas e possibilidades de compras, onde o padrão shopping/franchise nivela e iguala todos os lugares. Graças a Deus, nem sempre por baixo.
Mas, afinal, qual é a graça de ver as mesmas vitrines, os mesmos produtos em todas as ruas mais famosas, assim  como no shopping center ou o mall ao lado da sua casa?
Tem gente que não acha graça nenhuma nesse status quo  e transforma seu roteiro numa tentativa de fugir dessa mesmice. Mas é difícil! Na verdade, um grande desafio. Ainda mais quando não ha tempo de explorar de forma mais profunda os atrativos oferecidos nas viagens turísticas pinga-pinga.
Turin, Veneza, Verona, Milão: Prada, Hermès, Zara e assim por diante... Ou não?
Nem sempre, se há uma intenção objetiva de procurar não as semelhanças, mas valorizar as diferenças! É assim que verdadeiros tesouros ser apresentam, (normalmente em lugares menores, situados em ruas transversais), no entorno das áreas de maior circulação. 
Partindo desse princípio na Itália, em Verona, no Veneto, pra quem gosta de gastronomia já foi citado o restaurante Enocibus.
Torino 1311 03 013  setantumilesimi colares
Em Torino, Piemonte, foi numa bateção de pernas  exploratória que surgiu a loja 71/1000 (settantunmillesimi) de montagem de bijuterias com milhares de opções de peças, vitrilhos, tipos de fios e outros acessórios para quem quer ter a certeza que não entrará num lugar com um adorno de uma marca famosa, correndo o risco de virar elemento de composição, por exemplo... de um par de jarros.
Na mesma área, na mesma ruela de uma sensacional loja de bonecas de porcelana feitas a mão, outra surpresa. Essa bem original.
Torino 1311 03 022 bonecas
A Sayang Ku é uma loja de acessórios. E seria mais uma não fossem os originalíssimos objetos que compõe os adornos expostos, para lá de divertidos: pregadores de roupa, tampas coloridas de caneta Bic, lápis de cor, (aqueles bem miúdos). Isso tudo “reinterpretado” como brincos, colares, pulseiras...
Uma grande ginástica criativa que, como uma brincadeira, transforma uma coisa em outra.
Imaginem bolsas de teclados de computador! Pois são charmosíssimas. E colares feitos com zípers coloridos? É impossível não se surpreender com a criatividade da design que consegue transcender o objeto utilizado e, reutilizá-lo dentro de um contexto diferente, com uma nova concepção.
Torino 1311 03 027 Sayang Ku colar ziper
Para quem viaja procurando singularidades são trabalhos como esse que estimulam, inclusive, uma forma alternativa de encarar o simples ato, tão corriqueiro e apreciado, de viajar no que todo mundo “olha”, mas pouca gente “vê”...
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “No rumo”,  do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

domingo, 8 de dezembro de 2013

Tiro ao alto

Milano131111 017 Duomo tiro ao altoTexto e foto de Valéria del Cueto
Sabe tudo aquilo que os moradores conscientes cariocas lutam para que não aconteça na Cidade Maravilhosa com a realização de grandes eventos, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas de 2016, como distribuição indiscriminada e desembestada dos espaços públicos para a propaganda de seus patrocinadores, aquela que polui e adultera o visual do Rio de Janeiro? 
É o que acontece em Milão, na Lombardia, Itália, nesse momento. É um exercício físico e mental tentar fotografar a parte central da cidade sem que apareça uma profusão de fachadas, propagandas e marcas – famosas pelos produtos e bregas no posicionamento de suas logos e fachadas. Idênticas as que pululam em shoppings, malls ou ruas “famosas” de qualquer cidade do mundo.
Por cima disso, pelo menos mais duas camadas da cebola decorativa que vai transformar as imagens captadas no centro milanês em autênticas torres de babel ou lançar o autor das imagens num desafio feroz para tentar esconder a poluição visual invasora. A primeira camada é a dos totens e bandeiras da futura Exposição Mundial de Milano, em 2015, espalhadas pelas ruas. A segunda, os telões e reclames colocados em locais como o Duomo di Milano, a sensacional Catedral de Milão.
Sua construção começou em 1.386 e foi concluída por ordem de Napoleão Bonaparte (olha ele aí de novo!) em 1813, cinco séculos depois - claro que ela vive precisando de conservação, mecenas e contrapartidas para as obras de sua restauração, assim como os outros  monumentos históricos e religiosos da cidade.
O Duomo... o Duomo é lindo e arisco, por que fotografá-lo é uma arte. A arte de tentar esconder as “intervenções” que poluem, por exemplo, o lado esquerdo de sua imponente fachada em estilo gótico francês, com um imenso telão povoado de vídeos dos queridos patrocinadores da obra. Lá se foi a chance de um registro integral do monumento.
Para quem se habilita a um passeio pela parte superior da catedral outra gincana, além do esforço de subir – mesmo que em parte pelo elevador -, os degraus que conduzem ao topo do Duomo. São 12 euros para ver muitos andaimes, plásticos protetores e, também, banners com os nomes dos apoiadores da reforma, impedido a visão e “sujando” as imagens gerais das delicadas 136 torres de mármore que apontam para o céu e o horizonte milanês.
Por isso, a solução é tiro ao alto se a intenção for tentar capturar o espírito e as linhas arquitetônicas históricas da efervescente cidade italiana. Porque, se baixar a mira, o que aparecerá será o de sempre: lojas famosas, marcas conhecidas e gente com sacolas de compras nas mãos além, é claro, de turistas do mundo inteiro.
A salvação está num passeio dentro dos muros do Castelo Sforzesco, construído no século XV e com intervenções de Leonardo da Vinci que, entre 1496 e 1497, se dedicou a pintar os troncos de árvores da Sala dele Asse. Hoje, o castelo fortificado abriga os Museus Cívicos como o da Pré-História, o Egípcio, de Arte Antiga, do Móvel, dos Instrumentos Musicais, a Coleção de Arte Aplicada e mostras itinerantes.
Já em Torino, a Villa della Regina, o palácio barroco seiscentista encrustado na colina ás margens do Rio Pó que tem o mesmo nome da cidade piemotesa, que também está sendo restaurado, é aberto gratuitamente ao público para visitas a seus jardins e ao museu, composto pelos preservados aposentos em que Duques de Savóia costumavam passar o mês de setembro, nas comemorações da libertação de Torino.
Checando essas informações no site da Villa Regina, um alerta em destaque no topo da página: o espaço estará fechado até o dia 15 de dezembro. O motivo? As filmagens do longa-metragem “A Bela e a Fera”, produzido pela  LUX VIDE. Pelo tempo e permanência na locação, quase duas semanas, dá para apostar que será lá o palácio da fera do clássico infantil.     
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “No rumo”,  do SEM FIM... delcueto.wordpress.com
ILUSTRADO DOMINGO    JULHO 2009

domingo, 24 de novembro de 2013

SMH: marca do “bota abaixo” vira arte

Paratissim131110 020 SMH Gisella Molina
Texto e foto de Valéria del Cueto
Torino, Itália, tem por tradição respirar arte contemporânea no início de novembro. Além da Artissima, feira das galerias de artes contemporâneas, que chegou a sua vigésima edição, também aconteceram outros grandes eventos, como “The Others” e a Paratissima, com a participação de 480 expositores.
E eis que no meio do caos das obras espalhadas no imenso espaço do Borgo Filadelfia-MOI, da Paratissima,  realizada de 6 a 10 de novembro, surgem cores e um desenho facilmente reconhecidos para olhos já saudosos dos tons quentes das terras tupiniquins.
Lá estamos nós, a bandeira brasileira estampada numa pipa pendurada num varal em plena exposição.
E não é tudo, por que, ali, no varal pregado na parede meio destruída tem de um tudo: boné, calção de jogar futebol, fotos, muitas fotos, presas por pregadores de roupas, gambiarras...
A parede é remendada por fita gomada e fios quase desencapados sustentam bocais com lâmpadas precárias.
Já vimos esse filme em algum lugar...
Em várias fotos se repetem três letras SMH, sempre perto do número da habitação retratada nas fotos, algumas coloridas, outras em preto e branco. Além das letras, o que chama a atenção são os olhos e as expressões das pessoas retratadas.
Mas não termina por aí. Se a parede parece uma confusão, o que dirá do piso em frente? Escada caída, roupas largadas, um velho colchão, lata de lixo, sacolas, pedaços de plásticos, fotos esmaecidas, fios enrolados, um balde.
Restos de vidas emaranhados e empoeirados delimitados por uma fita de duas cores, das que demarcam obras.
No canto direito da instalação – por que é disso que se trata - uma canga estampa a imagem da bandeira do Brasil.
Duas folhas explicam o conceito da obra que, nas fotos penduradas nos varais, mostra os personagens de uma tragédia carioca.
A reportagem mostra as vítimas das alterações que estão sendo feitas na zona portuária do Rio de Janeiro, provocadas pelas intervenções urbanas que estão sendo realizadas na cidade para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
O mote do trabalho é a sigla SMH, estampadas nas casas marcadas pela Secretaria Municipal de Habitação da prefeitura carioca comandada por Eduardo Paes, na região. As marcas foram colocadas nas 832 habitações destinadas a serem demolidas para as intervenções de valorização da área.
O texto também explica que, para as famílias que deveriam deixar suas moradias, eram oferecidos seis mil reais e um auxílio aluguel de 400 reais até que fossem realocadas em casas populares, em data indefinida. O registro foi feito na área do no Morro da Providência, Morro do Pinto, Morro da Conceição, Morro do Valongo, Pedra Lisa e na zona portuária da Perimetral.
A instalação é da arte-educadora italiana, Gisella Molino. Ela passou uma semana fazendo uma imersão fotográfica no local das remoções.
A intervenção dividiu opiniões já que, segundo a artista, alguns espectadores reclamaram por ela mostrar uma face do país que “não representa toda a nossa realidade”.
O apelo no olhar das pessoas retratadas não foi suficiente para justificar, para essas pessoas que, se hoje somos “um país que vai pra frente”, isso se dá com o sacrifício dos que mais precisam de ajuda.
A ironia é que cabe a uma artista italiana ser a nossa voz para mostrar lá fora, o que acontece aqui dentro.
**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “No rumo”,  do SEM FIM... delcueto.wordpress.com
ILUSTRADO DOMINGO    JULHO 2009

domingo, 3 de novembro de 2013

Torino, devoro-te ao te decifrar!

L Trupis 1301023 155
Texto e foto de Valéria del Cueto
Bordolino, o fantoche,  estava tranquilo. Feliz por seu isolamento no fundo escurinho da mala. Ali, sabia, nada poderia atingi-lo.
Nada do bem, nem nada do mal. O que era muito positivo diante da latitude e da longitude que hora habitava.
Torino. Itália. Aqui mesmo, sem tirar nem por. Não havia se preparado para essa possibilidade improvável. Afinal, de tantos lugares na Europa, justo ali, no encontro dos círculos do bem e do mal? Cheio de segredos. Dos do Graal aos da maçonaria? Fonte do Bem e porta do Inferno... Afinal, o que era esse lugar? Não é para os fracos, sem dúvida.
Mas... Considerando que um de seus criadores, Adilson de Souza, havia passado pelos centros geodésicos do Brasil e da América do Sul, em Cuiabá e na Chapada dos Guimarães (quem estava onde, certamente era o de menos...), onde a menos de 60 quilômetros se concentravam as forças centrífugas energéticas de um país e de um continente, Torino não era pato, mas dava pra destrinchar.
Isso se a Bruxa resolvesse dar o ar da graça e fazer o que lhe cabia. Para isso a gente aceitava e considerava a possibilidade de andar por aí com uma bruxa, não é verdade? Aquela que viera com ele de  Camino al Tagliamento na viagem trans-italiana do norte.
Graças a Deus os tempos eram outros e isso não era uma heresia que pudesse levar à fogueira da inquisição um cristão convicto como ele. Apenas mal acompanhado...
Quer dizer, se ela desse o ar da graça...
E deu. Largou de lado a timidez depois de um reconhecimento básico pelas possibilidades de ser atraída pelos círculos e, por assim dizer, soltou a franga no dia 31 de outubro. O dia. Um pouco antes da hora delas. Quer dizer, da nossa...
O lugar onde desabrochou (onde já se viu uma bruxa desabrochar?) foi especial. Lindo, por assim dizer e descrever. Grandes janelas, um jardim inspirador no meio de uma via movimentada de Torino. As folhas de outono se esparramando janelas abaixo. Abusadamente deslumbrante. Conversou, dialogou, se divertiu. Sabendo que caíra do lado certo dos círculos energéticos da cidade. Literalmente falando.
Uns poucos privilegiados puderam ver a bruxinha se banhando na Fonte do Bem ao entardecer sem dar a menor bola para a temperatura da água naquela quinta-feira gelada. E a noite ainda nem havia começado.
Foi aí que Bordolino, testemunha ocular dos fatos acima narrados, meio assustado com a transformação da companheira, optara por se recolher a tranquilidade do fundo da mala deixando as forças do mundo sobrenatural se ampliarem do lado de fora sem resistir ou pré-conceber os fatos que pudessem ocorrer ao seu redor.
A bruxa seguira seu caminho encontrando outras iguais aqui e ali. Fazendo contatos como diriam tecnicamente os viciados em networking do mundo atual. Só que um tipo de contato um pouco diferente dos que estes estavam acostumados.
Ela desabrochava! Ele se recolhia diante das correntes poderosas que se liberaram naquela noite mágica em Torino.
Vida, a bruxa ganhara vida! E, ele sabia, a partir dali a apatia que reinara nas últimas semanas desaparecia magicamente.
Por que agora o caminho estava aberto, as forças liberadas e o futuro ao alcance de ambos. Não mais com ele puxando o bloco tentando animar – sozinho - a festa, boneco dos cem instrumentos, cantando, tocando e dançando. Mas com a bruxa desembestada(no bom sentido), pronta para dar a partida para novas e inimagináveis aventuras, fazendo a algazarra correspondente a sua liberação.
Que viesse o mundo para ser palmilhado! Mares a serem singrados e terras estrangeiras exploradas. Com a parceira feiticeira estava pronto pra tudo. Depois que passasse a noite das bruxas, é claro, e o equilíbrio retornasse ao mundo exterior, em mais um ciclo celestial que recém iniciava-se, esse, dedicado apenas ao Bem que deveria reinar no planeta. Amém!
**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “No rumo”,  do SEM FIM...  delcueto.wordpress.com
ILUSTRADO DOMINGO    JULHO 2009

domingo, 27 de outubro de 2013

Alegro, por Los Trupis

L Trupis 1301023 022
Texto e foto de Valéria del Cueto
Bordolino olhava pela janela do trem que cruzava o norte da Itália de leste a oeste. Ao seu lado, a bruxa fazia de conta que não prestava atenção ao que acontecia, ao que se passava em volta.
Era duro deixar a casa onde nascera em direção a uma nova vida.
Sempre soube que seria assim desde o dia que sentira aquele monte de cocegas, enquanto Anna Truppo o transformava de um pedaço de espuma num fantoche cheio de ideias. Viera ao mundo com uma missão, disso tinha certeza. A questão era: qual?
A bruxa continuava impassível, cheirando o ar seco e profilático do trem Frecciabianca que corria para o oeste. Parecia paralisada sabendo que seu destino era Torino, única cidade por onde passavam os dois círculos de magia na Europa: o negro e o branco. Concentrava a força do seu pensamento para que, ao chegar lá, fosse envolvida pela magia do lugar, mas que fosse a das forças do bem...
Não que Bordolino não acreditasse, mas ainda estava sob o impacto de trocar as mãos carinhosas de sua criadora, Anna e seu companheiro Adilson de Souza, por outras, talvez não tão sensíveis.
Eram a tradução e a síntese do trabalho da artista que, ainda criança, se encantara com a possibilidade de criar infinitas fantasias usando seus talentos para o desenho, a pintura, a escultura e a costura.
Primeiro foram bonecas de pano e roupinhas. O mundo ganhou novas possibilidades quando, numa praça qualquer da Argentina, assistiu extasiada a um espetáculo de teatro de bonecos. Fantoches!
Do que viu criou o que seria. Autodidata, experimentou materiais, manipulou diferentes tipos de espuma estudando sua densidade e flexibilidade.
Ha  22 anos atrás Anna encontrou Adilson, companheiro de vida e labuta. Com ele, em 2005, veio para a Itália, onde nasceram centenas de fantoches vendidos em feiras e eventos típicos das cidades italianas.
Aqui foram esculpidos, pintados, vestidos e manipulados Bordolino e a Bruxa. Ambos, parceiros na viagem inevitável destinadas aos fantoches de “Los Trupis”, nome adotado pela dupla sul-americana. Viajantes, todos viajantes. Do tempo, das terras e, se possível, da felicidade e cumplicidade que une o casal.
A produção dos títeres é pequena. Seleta. São seis personagens. Entre eles a bruxa, o mago, o velho e alguns animais. Mas tudo é uma questão de inspiração e das mãos mágicas de “Los Trupis” tudo pode surgir: a emoção brota dos olhos expressivos e brilhantes dos fantoches que, quando manipulados, ganham vida própria pelos dedos ágeis (ou não) de quem os adota.
O trem segue, como a vida. Bordolino observa sua companheira e, pouco a pouco, vê em seu rosto que o pior já passou. As correntes estão sendo rompidas. A bruxa está perdendo o medo, deixando a curiosidade das terras que nunca viu - nem mesmo em seus mais loucos sonhos de feiticeira animada - dominar seus pensamentos.
E assim, pela face sem disfarce da bruxa, Bordolino vê passar a esperança e da força da fantasia, esculpidas por Anna e Adilson, numa mensagem que será levada para outras terras, depois de muitos mares. Ela diz que o bem sempre vencerá o mal e encontrará seu rumo. Outro, agora...
Bordolino vê que a bruxa sabe. Mensageira do bem e da verdade, sua magia leva um recado de luta, conquista e vontade para todos o que, acima de tudo, acreditam no poder da fantasia e, por isso, não abrem mão de sonhar...
*essa crônica é dedicada a Cacá de Souza e sua generosidade que colocou em meu caminho mais um irmão...
**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “No rumo”,  do SEM FIM... delcueto.wordpress.com
ILUSTRADO DOMINGO    JULHO 2009