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domingo, 3 de novembro de 2013

Torino, devoro-te ao te decifrar!

L Trupis 1301023 155
Texto e foto de Valéria del Cueto
Bordolino, o fantoche,  estava tranquilo. Feliz por seu isolamento no fundo escurinho da mala. Ali, sabia, nada poderia atingi-lo.
Nada do bem, nem nada do mal. O que era muito positivo diante da latitude e da longitude que hora habitava.
Torino. Itália. Aqui mesmo, sem tirar nem por. Não havia se preparado para essa possibilidade improvável. Afinal, de tantos lugares na Europa, justo ali, no encontro dos círculos do bem e do mal? Cheio de segredos. Dos do Graal aos da maçonaria? Fonte do Bem e porta do Inferno... Afinal, o que era esse lugar? Não é para os fracos, sem dúvida.
Mas... Considerando que um de seus criadores, Adilson de Souza, havia passado pelos centros geodésicos do Brasil e da América do Sul, em Cuiabá e na Chapada dos Guimarães (quem estava onde, certamente era o de menos...), onde a menos de 60 quilômetros se concentravam as forças centrífugas energéticas de um país e de um continente, Torino não era pato, mas dava pra destrinchar.
Isso se a Bruxa resolvesse dar o ar da graça e fazer o que lhe cabia. Para isso a gente aceitava e considerava a possibilidade de andar por aí com uma bruxa, não é verdade? Aquela que viera com ele de  Camino al Tagliamento na viagem trans-italiana do norte.
Graças a Deus os tempos eram outros e isso não era uma heresia que pudesse levar à fogueira da inquisição um cristão convicto como ele. Apenas mal acompanhado...
Quer dizer, se ela desse o ar da graça...
E deu. Largou de lado a timidez depois de um reconhecimento básico pelas possibilidades de ser atraída pelos círculos e, por assim dizer, soltou a franga no dia 31 de outubro. O dia. Um pouco antes da hora delas. Quer dizer, da nossa...
O lugar onde desabrochou (onde já se viu uma bruxa desabrochar?) foi especial. Lindo, por assim dizer e descrever. Grandes janelas, um jardim inspirador no meio de uma via movimentada de Torino. As folhas de outono se esparramando janelas abaixo. Abusadamente deslumbrante. Conversou, dialogou, se divertiu. Sabendo que caíra do lado certo dos círculos energéticos da cidade. Literalmente falando.
Uns poucos privilegiados puderam ver a bruxinha se banhando na Fonte do Bem ao entardecer sem dar a menor bola para a temperatura da água naquela quinta-feira gelada. E a noite ainda nem havia começado.
Foi aí que Bordolino, testemunha ocular dos fatos acima narrados, meio assustado com a transformação da companheira, optara por se recolher a tranquilidade do fundo da mala deixando as forças do mundo sobrenatural se ampliarem do lado de fora sem resistir ou pré-conceber os fatos que pudessem ocorrer ao seu redor.
A bruxa seguira seu caminho encontrando outras iguais aqui e ali. Fazendo contatos como diriam tecnicamente os viciados em networking do mundo atual. Só que um tipo de contato um pouco diferente dos que estes estavam acostumados.
Ela desabrochava! Ele se recolhia diante das correntes poderosas que se liberaram naquela noite mágica em Torino.
Vida, a bruxa ganhara vida! E, ele sabia, a partir dali a apatia que reinara nas últimas semanas desaparecia magicamente.
Por que agora o caminho estava aberto, as forças liberadas e o futuro ao alcance de ambos. Não mais com ele puxando o bloco tentando animar – sozinho - a festa, boneco dos cem instrumentos, cantando, tocando e dançando. Mas com a bruxa desembestada(no bom sentido), pronta para dar a partida para novas e inimagináveis aventuras, fazendo a algazarra correspondente a sua liberação.
Que viesse o mundo para ser palmilhado! Mares a serem singrados e terras estrangeiras exploradas. Com a parceira feiticeira estava pronto pra tudo. Depois que passasse a noite das bruxas, é claro, e o equilíbrio retornasse ao mundo exterior, em mais um ciclo celestial que recém iniciava-se, esse, dedicado apenas ao Bem que deveria reinar no planeta. Amém!
**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “No rumo”,  do SEM FIM...  delcueto.wordpress.com
ILUSTRADO DOMINGO    JULHO 2009

domingo, 27 de outubro de 2013

Alegro, por Los Trupis

L Trupis 1301023 022
Texto e foto de Valéria del Cueto
Bordolino olhava pela janela do trem que cruzava o norte da Itália de leste a oeste. Ao seu lado, a bruxa fazia de conta que não prestava atenção ao que acontecia, ao que se passava em volta.
Era duro deixar a casa onde nascera em direção a uma nova vida.
Sempre soube que seria assim desde o dia que sentira aquele monte de cocegas, enquanto Anna Truppo o transformava de um pedaço de espuma num fantoche cheio de ideias. Viera ao mundo com uma missão, disso tinha certeza. A questão era: qual?
A bruxa continuava impassível, cheirando o ar seco e profilático do trem Frecciabianca que corria para o oeste. Parecia paralisada sabendo que seu destino era Torino, única cidade por onde passavam os dois círculos de magia na Europa: o negro e o branco. Concentrava a força do seu pensamento para que, ao chegar lá, fosse envolvida pela magia do lugar, mas que fosse a das forças do bem...
Não que Bordolino não acreditasse, mas ainda estava sob o impacto de trocar as mãos carinhosas de sua criadora, Anna e seu companheiro Adilson de Souza, por outras, talvez não tão sensíveis.
Eram a tradução e a síntese do trabalho da artista que, ainda criança, se encantara com a possibilidade de criar infinitas fantasias usando seus talentos para o desenho, a pintura, a escultura e a costura.
Primeiro foram bonecas de pano e roupinhas. O mundo ganhou novas possibilidades quando, numa praça qualquer da Argentina, assistiu extasiada a um espetáculo de teatro de bonecos. Fantoches!
Do que viu criou o que seria. Autodidata, experimentou materiais, manipulou diferentes tipos de espuma estudando sua densidade e flexibilidade.
Ha  22 anos atrás Anna encontrou Adilson, companheiro de vida e labuta. Com ele, em 2005, veio para a Itália, onde nasceram centenas de fantoches vendidos em feiras e eventos típicos das cidades italianas.
Aqui foram esculpidos, pintados, vestidos e manipulados Bordolino e a Bruxa. Ambos, parceiros na viagem inevitável destinadas aos fantoches de “Los Trupis”, nome adotado pela dupla sul-americana. Viajantes, todos viajantes. Do tempo, das terras e, se possível, da felicidade e cumplicidade que une o casal.
A produção dos títeres é pequena. Seleta. São seis personagens. Entre eles a bruxa, o mago, o velho e alguns animais. Mas tudo é uma questão de inspiração e das mãos mágicas de “Los Trupis” tudo pode surgir: a emoção brota dos olhos expressivos e brilhantes dos fantoches que, quando manipulados, ganham vida própria pelos dedos ágeis (ou não) de quem os adota.
O trem segue, como a vida. Bordolino observa sua companheira e, pouco a pouco, vê em seu rosto que o pior já passou. As correntes estão sendo rompidas. A bruxa está perdendo o medo, deixando a curiosidade das terras que nunca viu - nem mesmo em seus mais loucos sonhos de feiticeira animada - dominar seus pensamentos.
E assim, pela face sem disfarce da bruxa, Bordolino vê passar a esperança e da força da fantasia, esculpidas por Anna e Adilson, numa mensagem que será levada para outras terras, depois de muitos mares. Ela diz que o bem sempre vencerá o mal e encontrará seu rumo. Outro, agora...
Bordolino vê que a bruxa sabe. Mensageira do bem e da verdade, sua magia leva um recado de luta, conquista e vontade para todos o que, acima de tudo, acreditam no poder da fantasia e, por isso, não abrem mão de sonhar...
*essa crônica é dedicada a Cacá de Souza e sua generosidade que colocou em meu caminho mais um irmão...
**Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “No rumo”,  do SEM FIM... delcueto.wordpress.com
ILUSTRADO DOMINGO    JULHO 2009