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terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Baianas, afetividade do Carnaval - Estação Paraíso, Metrô de São Paulo



Estação Paraíso do Metrô recebe Exposição “BAIANAS AFETIVIDADE DO CARNAVAL”


A partir desta terça-feira (22) quem passar pela estação Paraíso da Linha 1-Azul do Metrô poderá "entrar na roda" apreciando a exposição “BAIANAS AFETIVIDADE DO CARNAVAL”

 

A mostra fotográfica faz parte do projeto LINHA DA CULTURA e apresenta os elementos que compõem o imagético de uma das figuras mais tradicionais do mundo carnavalesco. 

As baianas sintetizam uma parte dos fundamentos das escolas de samba e do carnaval brasileiro.

 



Dos cuidados com a limpeza dos espaços, como a lavagem das quadras e da Sapucaí, passando pelo carinho no preparo dos alimentos, à composição de suas míticas indumentárias e adereços, para chegar ao giro mágico das componentes das magistrais alas das baianas, elas se fazem presente no cotidiano das agremiações do samba e são destaque no cortejo na passarela. 

 

Elementos obrigatórios nos desfiles carnavalescos, remetem à conexão com a ancestralidade. Quando surgem paramentadas, as tias nos fazem pensar que, enfim, é carnaval! 

Foto: Cesar Frezzato


 

A mostra, que ocupará até 31 de março o espaço cultural da estação Paraíso da Linha 1 Azul, tem curadoria de Cesar Frezzato. É composta por fotos de Valéria del Cueto, Vinicius, Sarvegnini Martins e do acervo Riotur. Texto de Renato Dutra, apoio de Priscila Wu. 

Realização @historiasdocarnaval e Linha da Cultura do Metrô de São Paulo.

 

SERVIÇO: 

Exposição “BAIANAS AFETIVIDADE DO CARNAVAL”
Data: De 22/02 a 31/03
Estação: Paraíso

No site do Metrô SP: https://biblioteca.metrosp.com.br/index.php/ptbr/359-linha-visuais/1117-baianas

Contato: Cesar Frezzato 11-983972061 / histdocarnaval@gmail.com

@delcueto.studio na Colab55

domingo, 12 de setembro de 2010

É a vida, continua...

É a vida, continua...
Texto e foto de Valéria del Cueto
O dia amanhece e o sol se esparrama ainda frio pela porta aberta do chalé na beira da piscina. Sentada no sofá observo seu desenho espalhado no balcão da cozinha, passando pelos bancos altos, a cesta cheia de cachos de flores de primavera multicoloridas ressecadas, o piso de taboa corrida que tanto trabalho, alegria e orgulho deram para Dona Elza, a ponta do sofá onde escrevo e a mesa do centro da sala.

Ainda é cedo, muito cedo, mas é hora da partida. Ao contrário de muitas outras manhãs de segunda feira não me despeço da casinha amarela com um singelo “até mais, daqui a alguns dias eu volto, me espera...”

É um adeus, em que nada fica para trás.

Vejo na porta meus últimos pertences embalados. Como disse anteriormente, em outra crônica, são discos, livros e um pouco mais. Tudo seguirá para Cuiabá, até o próximo pouso.

A porta e os portões deste paraíso se fecham vagarosamente na medida em que, passo a passo, vou saindo do espaço, até então mágico, em que andei refugiada no último ano.

Não há tristeza na partida por que sei que a porta de um paraíso só se fecha para que a de outro possa ser aberta. Eles, os paraísos, são vários. Mas há apenas uma passagem aberta de cada vez para alcançá-los. E, só quando uma se fecha, é possível com muita sorte, vale ressaltar, encontrar outra.

Foi assim na ilha do Brandão em Angra e o ritual se repete aqui, na Chapada dos Guimarães.

O segredo, para não doer muito o momento da partida do paraíso, é não olhar para trás e saber, só com o coração, sem a visão, que, apesar de tudo ficar como está, nada será como antes ali.

Ouço a buzina que atrapalha o canto dos pássaros na manhãzinha. Recolho a mala, o pacote bem embrulhado das tralhas (sou expert em embalar sonhos, esperanças e poucas, mas muito preciosas lembranças), o notebook recheado de fotos ainda inéditas por puro zelo (no sentido hispânico da palavra), a bolsa e os jornais cariocas que vou deixar para o Juliano e a Louriza, meus ex e futuros anfitriões no lugar que escolhi para viver meus momentos de inspiração e produção criativa.

Puxo a porta, passo a chave, ligo o alarme, olho em frente e desço os degraus de tijolinhos equilibrando as emoções, em direção ao portão de lateral de madeira.
Mal levanto a cancela e as duas bandas se abrem sozinhas impulsionadas por um golpe inesperado de ventania que escancara o mundo a minha espera e me desafia a uma nova busca, por outro portão, de outro jardim que ainda não conheço.

Não olho para trás, já disse, mas sei que a camuflagem enfeitiçada, a névoa de proteção, se dissolve. Um lugar volta a ser o lugar.

A mim só cabe agradecer o privilégio de ter ancorado no paraíso que encantou a Travessa da Piscina, sem número, no ano da graça de 2010.
 
* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Parador Cuyabano, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com 
 

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Domingo às 6, no chalé da Travessa da Piscina, sem número

http://valeria-delcueto.podomatic.com/entry/2010-09-07T20_47_19-07_00


Foi no último tempo, véspera de despedida, que lembrei de registrar o som do ar de domingo, às seis da tarde na porta do chalé da Travessa da Piscina, sem número.

Sinos, latidos, trinados e pios, serra, gritos, carro passando na rua.

É a vida que se ouve em pouco mais de cinco minutos, na hora da Ave Maria, em Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, Brasil.

* Captação e edição de Valéria del Cueto para a série Parador Cuyabano, do Sem Fim...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Assombra



Assombra




Texto e foto de Valéria del Cueto




E lá ia descendo de manhãzinha em direção ao trabalho. A pé, como pedia o curto trajeto de umas poucas cinco quadras quando o santo ajudava.


O hábito de só pegar carro ou um táxi quando o percurso realmente exigia quase caindo em desuso, por causa da baixíssima umidade relativa do ar e a praticamente inexistente umidade absoluta de uma chuvinha básica.

No caso da volta pra casa, no sentido contrário, com angulação invertida, ladeira acima, a distância e o esforço pareciam decuplicados devido as condições geográficas e climáticas. Só num ato quase heróico.

Então, aquele passeio matinal era uma alegria. Pelo sol ainda baixo e por que não ia sozinha. Dialogava e brincava com aquele ser animadinho que a antecedia saltitante.

O ser esguio, cabelos soltos e longos, dançando cheio de cachos, era conhecido principalmente por aquela maneira peculiar de deixá-los meio que saltitarem em volta dos ombros.

Ficava animada com sua animação. Sua disposição de se jogar à frente do caminho sempre a contaminava. Não ia ser diferente desta vez, pensou.

Foi aí que teve o estalo. Ela nunca mudou, engordou ou se deformou através dos tempos. Não ela. Magra, sempre foi, ágil também e, nesse momento, devido ao balanço do cabelo provocado pelos passos apressados era exatamente a mesma de muitas décadas atrás.

Como envelhecer se, ela, sua imagem mais fiel e constante, não reflete tais mudanças, pensava riscando o caminho acidentado que a distorcia a cada obstáculo e desnível – e olha que são muitos. Se cada vez que olha seu desenho não via traço de cansaço ou desânimo?

Se o que vê é o que a faz, então, ela é tal e qual... Sei lá, seus 15 anos? E os tem eternamente refletidos na sombra que a acompanha nessa longa caminhada.

Diferente de Peter Pan, que a perdeu, sua sombra está sempre ali e quando tenta se convencer que o tempo passou, a vida mudou e a idade chegou, ela se insinua forte, bem definida e exatamente a mesma.

Como a lhe dizer, achando graça, que era a prova viva do seu contraditório. A certeza de que, enquanto ela quiser, podia ser como ela é.

Bastava deixar de lado a idade física e se concentrar em cada passo. Levando o passo no compasso do corpo felino ou dos cachos balançantes que via a sua frente. Abrindo espaço para a próxima etapa do seu alegre e vitalizante caminhar. Afinal, este era mais um dia. Que começava...

* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Parador Cuyabano, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com

domingo, 13 de junho de 2010

Máscaras do cotidiano











Máscaras do cotidiano

Estou de máscara, literalmente. Sentada na soleira da porta do chalé da Travessa da Piscina, sentindo a pele do meu rosto geladinha. O frescor vem da brisa da tarde que, se aproveitando das portas e janelas abertas, brinca de corrida por dentre as paredes da casinha da Chapada dos Guimarães. Esta brisa endurece vagarosamente meu rosto, a medida em que a argila que cobre a pele seca lentamente.

Máscaras. Quantas temos? Quantas nos escondem, em cada situação da nossa vida?

Acho que quando as construímos, na maioria das vezes, procuramos embelezá-las, adequá-las da melhor maneira possível ao ambiente onde pontificarão. Tentamos.

Mas, algumas vezes o resultado não é o esperado, ela não se adapta a nossa face, não combina com nosso olhar ou com nossos gestos. A máscara se transforma um disfarce grotesco, uma caricatura...

Outra possibilidade é que, como a que estou usando agora, ela vá se amalgamando com a face do nosso verdadeiro eu e virando uma mescla endurecida. Até que sentimos não mais poder suportá-la. Das duas uma: ou deixamos que a máscara nos molde ou a estilhaçamos, destruímos e inutilizamos sua função.

Há outros casos de uso de máscaras. Uma delas é quando, em vez de projetá-las belas e sedutoras, a criamos para obscurecer o brilho, usamo-las para passarmos desapercebido, ficarmos invisíveis em determinados lugares e situações.

Essas são, em minha opinião, as máscaras mais difíceis de serem concebidas. Resultado do trabalho de exímios artesãos. Por que reproduzir o comum, o usual, hoje, é mais elaborado e complicado do que buscar aquilo que todos almejam e, por isso, poucos alcançam: as máscaras do “olha eu aqui”.Mas, no caso do desaparecimento voluntário e proposital, uma máscara convincente não é o suficiente para atingir o estado de invisibilidade desejado. Há o olhar. É necessário - e muito difícil - disfarçá-lo, ocultá-lo. Não há máscara para o olhar.

Há sim, um truque clássico: desviá-lo. Nunca encarar. Estar sempre com ele baixo, guardado. Oculto de outros olhares enquanto durar o disfarce.Se, por acaso, ele for fisgado, capturado, pode ter certeza que a máscara do esquecimento cai por terra e revela, ao caçador, tudo aquilo que a invisibilidade tão zelosamente protege.E, pode ter certeza, quem caça os que se disfarçam com o manto do esquecimento, da invisibilidade, o faz por uma única razão: sabe que aí tem coisa. Que numa alma escondida, quando descoberta e escancarada, sempre tem coisa!

...*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Este artigo faz parte da série Parador Cuyabano, do SEM FIM -http://delcueto.multiply.com

domingo, 18 de abril de 2010

É primera, com segunda








É primeira, com segunda.

Ouvi em algum lugar que a primeira vez a gente nunca esquece. Pensei na coisa que mais sinto falta, aqui, no cerrado mato-grossense.

Abri o computador, liguei meu fio terra às ondas virtuais e, de cara, vi um email com fotos de uma praia remota no litoral catarinense onde passei alguns verões e, pelo menos, um outono inesquecível.

Sem dúvida, estou desesperada para ver o mar. Tento retroceder e pensar na primeira vez que o vi. Não consigo me lembrar. Acho que nasci com ele dentro de mim.

Quando volto no tempo vejo a praia do Leme, pazinha, baldinho, buraco cheio de água na areia molhada, e a espera por meu pai. Ele que me levava para a frente das ondas, além da arrebentação. Para o mar...

Outra lembrança é de uma onda, que eu achava enorme, e ele empurrando a prancha e gritando:

- Bate pé, senão você fica!

Eu agarrava a minha prancha branquinha pintada com bolas de spray dourado que corroeram um pouco o isopor e me largava batendo furiosamente os pés, em direção a areia, onde minha mãe a Gi e o Mic fiscalizavam a descida.

Dessa época também me lembro da camiseta de algodão que usava para proteger a barriga das assaduras provocadas pelo atrito da pele com a prancha enquanto pegava jacaré. Acho que tudo isso aconteceu antes dos seis anos.

É como se a primeira vez que via o mar se prolongasse ao longo da minha vida inteira, onde quer que eu esteja. Vivo a vida no embalo do movimento do mar...

Depois mudei para o Posto 6 e tive minha primeira vez ipanemense. No Arpoador já era nadadora e a garotada da equipe do Flamengo costumava ir à praia por ali. Os salva-vidas adoravam. Ajudamos os rapazes inúmeras vezes, em dias de mares e correntes enganadores, a rebocar os incautos para a praia.

E aí, mais uma primeira vez. Ver o por do sol em cima da pedra do Arpoador. Minha nossa!

Sol. Aquele sol. Era ele que eu pedia, passeando pelo jardim da Chapada, depois de dias de um tempo nublado, friorento, estranho. Quando o vi, senti seu calor irradiando pelo corpo, recarregando minhas energias. Restabeleceu-se nosso canal de comunicação. Foi como se o visse pela primeira vez.

Naquele momento, ao primeiro sinal de diálogo, sugeri, pedi, ordenei... que ele, o sol, fosse brilhar em outro lugar. No meu Rio sofrido, castigado e maltratado pelas chuvas e pelos homens. Pela natureza irada e as impurezas que a agridem.

O sol brilha mais forte. Sinto na pele. Como pressinto a ressaca que engole parte da minha praia carioca.

Equinócio violento que todos os anos nos apresenta, pela primeira vez, a fúria que agita e transforma. Ela avisa aos navegantes que a maré cada vez mais não está para peixe nem para gente. Nem grandes , nem pequenos.

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*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Este artigo faz parte da série Parador Cuyabano

 

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Eu só quero chocolate!

Eu só quero chocolate!

E samba. É tudo que eu preciso para aguardar pacientemente que a gripe insuportável que me assola deixe meu corpo moído em paz.

Acho que é gripe por que estou espirrando horrores. Cerquei a maldita por todos os lados. Apelei para a alopatia, homeopatia e cachaçoterapia. Ela finge que vai. Eu me animo toda. E daqui a pouco é dor no corpo, uma falta de paladar, uma sombra de apetite…


Já senti dezenas de sintomas: ossos moídos ( é dengue) rosto congestionado (é resfriado), pigarro… Opa, pigarro não! Hoje o pneumologista para quem estou devendo uns exames me deu a boa notícia que meus pulmões estão limpinhos!


Para resumir meu estado, diria que a gripe só está procurando a área alvo onde seu ataque pode ser mais danoso. Tentei educadamente explicar para ela que prefiro enfrentá-la frente a frente, podendo enumerar claramente os sintomas da catástrofe, a ficar nesse lero-lero, nesse chove e não molha. Explode espirração!


Já pedi, solicitei, exigi e cá estou eu, uma quase nada adoentada. Aí, entra o chocolate do título e o samba da primeira linha.


Durante o dia, com um milhão de coisas para fazer, além da determinação ferrenha de abortar os sintomas épicos que rondavam meu pobre ser, apelei para a hidroginástica. Com sol, chuva e calor. Acabei matando um pouco da série por que fiquei… com frio.


Subi para me arrumar (calor) desci a pé até a produtora (inferno), entrei pela recepção (friozinho de alívio) e passei pelo corredor (fresquinho) cruzei pela garagem (forno), e adentrei meu ambiente de trabalho a ilha de edição, com seu ar condicionado a 18 graus. Sorte que meus cabelos estavam quase secos, senão o estrago poderia ser ainda maior.


No final da tarde andei rua acima, que a calçada parece pista de bicicross, de tanto buraco, calombo e desnível, ainda com o bafo quente de uma pós-chuvarada subindo pelo asfalto maltratado da cidade.


Aí, já não era eu. Cheguei no apartamento aos trancos e barrancos, com uma dor nas costas de fazer inveja a do Corcunda de Notre Dame (as costas dele deviam doer muito, basta olhar como ele andava desequilibrado).


Alcançamos então as últimas trincheiras da minha resistência física e meu alívio psíquico: o chocolate e o samba.


Só eles me confortam num estágio terminal como o que me encontro. Enquanto Nei Lopes suinga o Chutando o Balde no computador (acho que li outro dia uma crônica com esse título) e escrevo estas linhas testamento, deixo derreter na boca um naco de chocolate amargo com umas mordidinhas pra amaciar o tablete. Quando ficar no ponto, tomo um golão de água e deixo a mistura descer garganta abaixo bem espessa. Va-ga-ro-sa-men-te. Repito a operação desmanche com outro golinhos até não restar mais nenhum traço do chocolate na boca. E aí, começo tudo de novo, com outro quadradinho. Também fica uma delícia se for com chocolate Alpino...


O mundo pode ser uma gripe, mas por um simples prazer, peço licença e aviso: é aqui que eu quero (e vou) descer. Na bagagem levo um bom chocolate e um pouco de água do balde do samba pra espirar pelo salão desta crônica- enredo da influenza dançarina que tenta me afligir.


Se meu remédio não funcionar, chamem o médico, por que gastei todos os meus truques para me livrar desta ingrata que se recusa a me largar!


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PS: Esta crônica não tem foto, por que foto de gripe é de MATAR, ninguém merece!


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*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Este artigo faz parte da série Parador Cuyabano, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com

domingo, 21 de março de 2010

Godofeio, o fredo














Godofeio, o fredo

Para quem duvida do quão selvagem é o jardim, quem me habita, na Rua da Piscina, sem número, informo que além das formigas, cupins, mosquitos, marimbondos, besouros, libélulas, mariposas, borboletas e bruxas, lagartixas, aranhas, ratos, gambás, passarinhos variados e araras, uma nova criatura se juntou ao zoológico natural dos domínios que me rodeiam.


Trata-se de Godofredo. Quem o localizou, por assim dizer, foi Dona Elza, a rainha da tábua corrida encerada, arqui-inimiga das colônias de formigas que montavam guarda e guarida, dentro e fora do chalé amarelo quando ali cheguei . Foi uma luta sem trégua, que produziu um acordo de paz de mútua convivência: elas não entram na casa e nós pegamos leve no veneno poderoso, que destrói totalmente os formigueiros. Assim é mantido o controle dessas e outras pragas do meu canto chapadense.

Mas até ela, que me ajudou a encher de flores meu bosque de adormecida (só isso, por que bela, não sou) às vezes tem suas surpresas com a chegada de novos e, lamento dizer, espero que não permanentes habitantes da micro fauna vigente.

Poderia ter sido eu, a primeira a ser apresentada a Godofredo, com minha mania de botar a mão em tudo que é matinho, na tentativa de organizar as espécies dos canteiros e recantos por onde decidimos começar nossa imensa missão de recuperação paisagística. Assim, meio à la Burle Max, valorizando as espécies locais, porém procurando manter a desordem natural, como faço com meu jardim interior.

Ao lado da casa, na subida dos degraus de tijolinho, há um espaço bananal, com samambaias por baixo e uma trepadeira parasita, que todas as vezes que posso, desenrolo das bananeiras . É uma experiência para futura secagem, quero testar a resistência e a durabilidade da planta.

Pois foi ali, bem na quina do degrau, próximo a teia da Aranha Costureira, que Dona Elza deu com o bicho. Aliás, pegou no bicho e ele se mexeu, geladinho, sem ela ver o que era. Quase morreu de susto, que podia ser uma cobra. Ficou mais aliviada, menos assustada, mas quem poderia achar agradável chacoalhar o pobre animal que, aliás, deve ter ficado tão estressado quanto ela?

Quando apareci na porta de vidro, já no meio da tarde, ela tratou de me comunicar a sua existência, me mostrando o animal, ao mesmo tempo em que, por direito de achado, já foi logo o batizando.

- Valéria, o Godofredo está aqui, vem ver aonde, que é pra você não se assustar.

Enquanto vistoriava a área indicada, Dona Elza me contou como fora apresentada ao novo inquilino. Quando a vi tratando Godofredo pelo nome, senti a força da mensagem intrínseca: “Deixa Godofredo em paz, nada de violência”. Me preparei – e com razão, para o pior. Nossa senhora! Nosso novo morador é um sapão enorme e muito, muito mal encarado. Feiúra é pouco pra descrever a aparência do vivente.

“E agora?”, penso eu, olhando o bicho, incapaz de qualquer atitude assassina ou violenta. “Vamos desaloja-lo?”, sugiro esperançosa. Hipótese eliminada por uma, agora heróica guerreira, sem direito a argumentação.

- Se colocar no sol, ele morre, por isso está aí, no fresquinho”, esclarecendo que ele “deve ter vindo da área da piscina, e não pode voltar por causa do gramado ensolarado”, se compadece a madrinha.

Dona Elza, se mandou porque tem marido, filhos e a netinha Bruna para cuidar. E me deixou aqui, na companhia do horrendo Godofredo. Olho pra ele, ele olha pra mim.

Lembro da história da moça que beija o sapo e ele vira príncipe. Chego a conclusão que jamais terei um príncipe encantado na vida. Sou incapaz de beijar um sapo, mesmo que a fada me garanta de pés juntos que ele vai se transformar. Sempre que beijasse meu amado real teria a impressão de estar com a boquinha de um batráquio entre meus lábios, ainda mais se fosse um beijo molhado.

Diante desta triste constatação, olho para “Godofeio” com muita pena. Será sapo pelo resto da vida. Penso num jeito de ajudá-lo. Depois de muito refletir, chego a conclusão que o melhor é apresentá-lo a primeira rãzinha simpática que conhecer. Fico sem meu príncipe, mas com a consciência tranqüila e o coração leve. Afinal, pelo menos Godofredo será feliz para sempre...

A tarde cai na segunda feira cheia de emoções e tarefas caseiras chapadenses. Olhos nos olhos o bicho me encara, ali,avisando que não pretende se mover. Eu, capaz de abrir garrafas de vinho com um canivete suíço, trocar disjuntores, puxar a água de cano cheio de ar com a força do meu pulmão de nadadora, trocar cano furado, não sei o que fazer com Godofredo.

É duro reconhecer, preciso de auxílio técnico. Só me resta apelar pro Léo, filho de Louriza, herdeiro da lata veia, pai de Aninha, meu elo com o mundo maravilhoso das adolescentes. Subo na bicicleta, desviando a roda do bunker de Godofredo. Fico pensando em como explicar para o talentoso tocador de violão e viola de cocho a tarefa prosaica que o espera. Tomara que ele atenda ao meu apelo, sem tirar muito sarro e espalhar minha paúra para Chapada e meia. A notícia certamente chegaria a Cuiabá. Conto com sua discrição...

Afinal, para que servem os amigos?

...

*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de Carnaval e porta-estandarte do Saite Bão

domingo, 14 de março de 2010

Volta ao lar de lá

Volta ao lar de lá

Subo à Chapada no meio de um aguaceiro sem tamanho. Ainda na baixada dava para ver o que nos esperava. A escarpa de lá despontava no meio da bruma da chuva fina que começava a cair. No céu, vários tons de cinza. Nenhum claro. Na beirada recortada do paredão as nuvens se sobrepunham. Brigavam pela cor mais assustadora.

O asfalto corria sob as rodas do carro. O que nos fazia pensar em não pensar em dar meia volta era a destreza do piloto. Já conhecia sua perícia e cautela. Por isso, não hesitei ao embarcar no veículo.

Os outros passageiros - seo Antônio da Viola, sua mulher e a dona de um restaurante de comida caseira, na praça principal da Chapada dos Guimarães, nosso destino -, recebiam ligações de familiares preocupados por estarmos na estrada, indo em direção a tormenta, rumando para a tempestade. Alguém sugere que façamos a volta. Entrego minha alma a Deus e a vida ao Altenir, o motorista. Ninguém se preocupa comigo. Mal e mal sabem que estou na estrada.

A chuva aperta. De repente, não dá para vermos mais nada. Continuamos, apesar da intervenção de seo Antônio, tocador de viola de cocho de um grupo de cururu e siriri, informando que os carros estão parando no “acostamento”. Da estrada da Chapada? Acostamento? Piada, né, gente? Estão é se largando na beira da rodovia, que acostamento, aqui, não tem mesmo...

Seguimos vencendo a enxurrada. Mais uma olhada pelo vidro dianteiro – estou sentada atrás do motorista - e entendo como ele pode manter o rumo e o prumo com a cortina de água que despenca abundante incessantemente. Há outro veículo na frente, a uma distância segura (não disse que o cara . é bom?) que abre caminho e nos guia, com o alerta ligado.

Teimoso ele? Teimamos juntos, em direção ao paredão. Lá, uma visão compensa o esforço e a tensão do percurso. A água acumulada despenca de vários pontos da parede, formando cachoeiras efêmeras e fugazes, poderosas e muito, muito belas. Registro com a câmera enquanto ladeamos, velozmente, o muro natural. A chuva amainou mas, mesmo assim, respinga forte nas lentes da câmera fotográfica. Não paro de gravar. Sei que é uma chance única.

Minha maior preocupação é chegar em casa, na “fortaleza da solidão”, como chamou o chalé da rua da Piscina, sem número, um grande amigo ao reclamar que não tenho sido vista por ninguém, nem em Cuiabá, nem nas badalações da Chapada.

Sei que desde a minha última visita, o mato cresceu e domina, soberano, o caminho e os jardins do meu pedaço. Em compensação, as flores, que antes não existiam, salpicam de cores o matagal que me esconde.

Alguém pergunta se vou limpar o terreno. Um pouco, respondo, o suficiente apenas para permitir que os que têm olhos para ver enxerguem que a vida pulsa no meio das folhagens, quando ouvirem o som de um fado triste e dolente, ou um samba rasgado, dançando em plena natureza.

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*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Este artigo faz parte da série "Parador Cuyabano"

domingo, 20 de dezembro de 2009

O vôo e a vela do apagão






O vôo e a vela do apagão









O tempo, ao contrário do avião em que estou, não voa. Parece parado. E falo sério. Estou com pressa. A previsão de chuvas (ai), trovoadas (ui) e fortes ventos (S.O.S. São Pedro, livrai-me dessa) me foi olimpicamente comunicada ainda no aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro, quando uma simpática senhorita me informou que ia me despachar mais cedo rumo ao epicentro da tormenta: a capital paulista.


“Já tem mais de 80 pontos de alagamentosssss, completou a bela, enquanto eu, já prevendo uma parada forçada no box em plena corrida maluca com destino a Cuiabá, assuntava o que aconteceria com meu valioso bilhete aéreo se refugasse ali mesmo. No final, venceu o bom senso profissional.

Confesso que se desse meia volta em direção a Ponta do Leme, ia ser ruim me tirar de lá antes do final do ano. Para começar apelaria para a Lei da Luz Solar que diz: “Não saio do meu lugar antes de ver o sol nascer quadradinho atrás da janela do meu bunker no Leme”. A previsão para este dilúvio acabar no Rio é de, no mínimo, mas três dias. Aí, já seria final de semana, com direito a ensaios técnicos organizados pela LIESA no Sambódromo e um período ridiculamente curto me separaria as festas natalinas quando, pelo tempo regulamentar, estaria retornando à cidade maravilhosa.

Definitivamente estou ficando ajuizada. Tanto que não pensei duas vezes. Tomei coragem, me despedi (momentaneamente) do meu pedaço de paraíso, a Ponta do Leme e, conformada, estou aqui em Sampa tentando chicotear o tempo para chegar ao meu destino: Cuiabá.

Não foram minhas responsabilidades profissionais os fatores preponderantes para esta atitude tão madura.

Ao fantasiar o possível apagão, rebelde, transgressor e por que não dizer, previsível, me dei conta que a tal escuridão impediria minha participação no acontecimento social mais esperado nos últimos meses: o aniversário de Sininho, digo, Maria Eduarda, o mais novo rebento da família Yule, na casa da fada Louriza e do vovô Juju, Chapada dos Guimarães.

Pois, mesmo não tendo a chance de ver o Léo de Capitão Gancho, tenho certeza que verei por lá o crocodilo-Kira engolidor de relógios e outros personagens da história de Peter Pan, passeando pelo jardim encantado da Terra do Nunca que está sendo preparado para celebrar a filhota de Alina e Rodrigo e onde sem fantasia, ela foi embalada na piscina de tacho dentro da rede de borboleta.

Foi assim que, deixando de lado o terror meteorológico vigente, embarquei mais uma vez cheia de coragem e esperança de um refresco no temporal para mais uma etapa da aventura mato-grossense.

Ainda na primeira parte do vôo recebi através de uma imagem a confirmação de que bons ventos nos levariam ao destino final: sobre as nuvens carregadas da tempestade que desabava impiedosa lá em baixo, o por do sol desenhou o caminho que deveríamos seguir. O mesmo a ser percorrido pelos que têm olhos para ver e sentidos para captar como a mais severa tempestade, quando atravessada com destemor, pode nos levar à paz e a segurança. Basta que consigamos fazer nosso tempo quase parado voar em direção as nossas crenças e convicções.

Bem aventurados os que conseguem ver além das tempestades que sempre atravessam os que estão em busca uma vida melhor, mais justa e mais tranquila.

Feliz Natal, para todos.

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*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Artigo da Série Parador Cuyabano do Sem Fim http://delcueto.multiply.com

domingo, 18 de outubro de 2009

O tom e a luz, o dom quiçá...










O tom e a luz, o dom quiçá...

Texto e foto de Valéria del Cueto

Uso os últimos raios de um dia sem sol. Tênues melífluos e sustenidos. Sem tirar nem por. Durarão pouco e cairão rapidamente.

Depois da chuva as cigarras berram. Não tanto quanto as de Brasília que levam a gente à loucura  e não param nem de noite nem de dia. Estouram exaustas de tanto cantar, como devem fazer as cigarras, numa quantidade incrível. Não precisa nem procurá-las, por que elas se acham.

Aqui não chega a ser uma sinfonia interminável. No máximo uma banda, quase minimalista. Educadas, elas pelo menos tentam conceder um momento solo para as mais animadas da turma do por do não sol.

Em vez da penumbra que esperava, cairia veloz, a luz fica amarela. Filtrada pelas nuvens de chuva, agora leves, depois do excesso de água ter sido despejado tarde adentro.

Não vi nada disso. Subi a Chapada entre duas barreiras plúmbeas. Passei pelo meio de quatro paredões. Um permanente, dois provisórios de nuvens ameaçadoras. Já que chovia dos dois lados da rodovia. O quarto elemento era um caminhão enorme e carregaderrimo que se arrastava lagarteando pela curva do Portão do Inferno lentíssimanente.

Não era uma visão. Sei, já me disseram que a estrada Emanuel Pinheiro é proibida para este tipo de transporte. Bom, esqueceram de deter o dito cujo lá em baixo, quase no entroncamento com a estrada para Manso.

Claro que há uma barreira da polícia, mas quando passei não havia um guarda sequer por lá. E olha que ali não choveu, o que acaba com o argumento de que a polícia é feita de açúcar e não pode se molhar. Era uma ausência presente. Com sérios prejuízos para a estrada e para a imagem dos responsáveis por impedir o proibidíssimo, inclusive pelo poder judiciário que contato, pode judiar, mas não manda tanto assim, tanto que suas ordens não são cumpridas.

Devia ser proibido que a luz do dia acabasse antes do fim dessa escrevinhação protestante. As cigarras se calaram - sinal de que são bem educadas. Começou um chove chuva lá fora e-du-ca-dís-si-mo.

Pois é... Tanta coisa harmoniosa podia contaminar  os “homi” da guerra para que eles lutassem o bom combate pela preservação do natural, na batalha contra a devastação promovida pelos ignorantes.

Inexoravelmente, foi-se a luz.

Será um sinal?

* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série Parador Cuyabano, do Sem Fim... http://delcueto.multiply.com