É primeira, com segunda.
Ouvi em algum lugar que a primeira vez a gente nunca esquece. Pensei na coisa que mais sinto falta, aqui, no cerrado mato-grossense.
Abri o computador, liguei meu fio terra às ondas virtuais e, de cara, vi um email com fotos de uma praia remota no litoral catarinense onde passei alguns verões e, pelo menos, um outono inesquecível.
Sem dúvida, estou desesperada para ver o mar. Tento retroceder e pensar na primeira vez que o vi. Não consigo me lembrar. Acho que nasci com ele dentro de mim.
Quando volto no tempo vejo a praia do Leme, pazinha, baldinho, buraco cheio de água na areia molhada, e a espera por meu pai. Ele que me levava para a frente das ondas, além da arrebentação. Para o mar...
Outra lembrança é de uma onda, que eu achava enorme, e ele empurrando a prancha e gritando:
- Bate pé, senão você fica!
Eu agarrava a minha prancha branquinha pintada com bolas de spray dourado que corroeram um pouco o isopor e me largava batendo furiosamente os pés, em direção a areia, onde minha mãe a Gi e o Mic fiscalizavam a descida.
Dessa época também me lembro da camiseta de algodão que usava para proteger a barriga das assaduras provocadas pelo atrito da pele com a prancha enquanto pegava jacaré. Acho que tudo isso aconteceu antes dos seis anos.
É como se a primeira vez que via o mar se prolongasse ao longo da minha vida inteira, onde quer que eu esteja. Vivo a vida no embalo do movimento do mar...
Depois mudei para o Posto 6 e tive minha primeira vez ipanemense. No Arpoador já era nadadora e a garotada da equipe do Flamengo costumava ir à praia por ali. Os salva-vidas adoravam. Ajudamos os rapazes inúmeras vezes, em dias de mares e correntes enganadores, a rebocar os incautos para a praia.
E aí, mais uma primeira vez. Ver o por do sol em cima da pedra do Arpoador. Minha nossa!
Sol. Aquele sol. Era ele que eu pedia, passeando pelo jardim da Chapada, depois de dias de um tempo nublado, friorento, estranho. Quando o vi, senti seu calor irradiando pelo corpo, recarregando minhas energias. Restabeleceu-se nosso canal de comunicação. Foi como se o visse pela primeira vez.
Naquele momento, ao primeiro sinal de diálogo, sugeri, pedi, ordenei... que ele, o sol, fosse brilhar em outro lugar. No meu Rio sofrido, castigado e maltratado pelas chuvas e pelos homens. Pela natureza irada e as impurezas que a agridem.
O sol brilha mais forte. Sinto na pele. Como pressinto a ressaca que engole parte da minha praia carioca.
Equinócio violento que todos os anos nos apresenta, pela primeira vez, a fúria que agita e transforma. Ela avisa aos navegantes que a maré cada vez mais não está para peixe nem para gente. Nem grandes , nem pequenos.
...
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Este artigo faz parte da série Parador Cuyabano
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