Volta ao lar de lá
Subo à Chapada no meio de um aguaceiro sem tamanho. Ainda na baixada dava para ver o que nos esperava. A escarpa de lá despontava no meio da bruma da chuva fina que começava a cair. No céu, vários tons de cinza. Nenhum claro. Na beirada recortada do paredão as nuvens se sobrepunham. Brigavam pela cor mais assustadora.
O asfalto corria sob as rodas do carro. O que nos fazia pensar em não pensar em dar meia volta era a destreza do piloto. Já conhecia sua perícia e cautela. Por isso, não hesitei ao embarcar no veículo.
Os outros passageiros - seo Antônio da Viola, sua mulher e a dona de um restaurante de comida caseira, na praça principal da Chapada dos Guimarães, nosso destino -, recebiam ligações de familiares preocupados por estarmos na estrada, indo em direção a tormenta, rumando para a tempestade. Alguém sugere que façamos a volta. Entrego minha alma a Deus e a vida ao Altenir, o motorista. Ninguém se preocupa comigo. Mal e mal sabem que estou na estrada.
A chuva aperta. De repente, não dá para vermos mais nada. Continuamos, apesar da intervenção de seo Antônio, tocador de viola de cocho de um grupo de cururu e siriri, informando que os carros estão parando no “acostamento”. Da estrada da Chapada? Acostamento? Piada, né, gente? Estão é se largando na beira da rodovia, que acostamento, aqui, não tem mesmo...
Seguimos vencendo a enxurrada. Mais uma olhada pelo vidro dianteiro – estou sentada atrás do motorista - e entendo como ele pode manter o rumo e o prumo com a cortina de água que despenca abundante incessantemente. Há outro veículo na frente, a uma distância segura (não disse que o cara . é bom?) que abre caminho e nos guia, com o alerta ligado.
Teimoso ele? Teimamos juntos, em direção ao paredão. Lá, uma visão compensa o esforço e a tensão do percurso. A água acumulada despenca de vários pontos da parede, formando cachoeiras efêmeras e fugazes, poderosas e muito, muito belas. Registro com a câmera enquanto ladeamos, velozmente, o muro natural. A chuva amainou mas, mesmo assim, respinga forte nas lentes da câmera fotográfica. Não paro de gravar. Sei que é uma chance única.
Minha maior preocupação é chegar em casa, na “fortaleza da solidão”, como chamou o chalé da rua da Piscina, sem número, um grande amigo ao reclamar que não tenho sido vista por ninguém, nem em Cuiabá, nem nas badalações da Chapada.
Sei que desde a minha última visita, o mato cresceu e domina, soberano, o caminho e os jardins do meu pedaço. Em compensação, as flores, que antes não existiam, salpicam de cores o matagal que me esconde.
Alguém pergunta se vou limpar o terreno. Um pouco, respondo, o suficiente apenas para permitir que os que têm olhos para ver enxerguem que a vida pulsa no meio das folhagens, quando ouvirem o som de um fado triste e dolente, ou um samba rasgado, dançando em plena natureza.
...
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Este artigo faz parte da série "Parador Cuyabano"
Subo à Chapada no meio de um aguaceiro sem tamanho. Ainda na baixada dava para ver o que nos esperava. A escarpa de lá despontava no meio da bruma da chuva fina que começava a cair. No céu, vários tons de cinza. Nenhum claro. Na beirada recortada do paredão as nuvens se sobrepunham. Brigavam pela cor mais assustadora.
O asfalto corria sob as rodas do carro. O que nos fazia pensar em não pensar em dar meia volta era a destreza do piloto. Já conhecia sua perícia e cautela. Por isso, não hesitei ao embarcar no veículo.
Os outros passageiros - seo Antônio da Viola, sua mulher e a dona de um restaurante de comida caseira, na praça principal da Chapada dos Guimarães, nosso destino -, recebiam ligações de familiares preocupados por estarmos na estrada, indo em direção a tormenta, rumando para a tempestade. Alguém sugere que façamos a volta. Entrego minha alma a Deus e a vida ao Altenir, o motorista. Ninguém se preocupa comigo. Mal e mal sabem que estou na estrada.
A chuva aperta. De repente, não dá para vermos mais nada. Continuamos, apesar da intervenção de seo Antônio, tocador de viola de cocho de um grupo de cururu e siriri, informando que os carros estão parando no “acostamento”. Da estrada da Chapada? Acostamento? Piada, né, gente? Estão é se largando na beira da rodovia, que acostamento, aqui, não tem mesmo...
Seguimos vencendo a enxurrada. Mais uma olhada pelo vidro dianteiro – estou sentada atrás do motorista - e entendo como ele pode manter o rumo e o prumo com a cortina de água que despenca abundante incessantemente. Há outro veículo na frente, a uma distância segura (não disse que o cara . é bom?) que abre caminho e nos guia, com o alerta ligado.
Teimoso ele? Teimamos juntos, em direção ao paredão. Lá, uma visão compensa o esforço e a tensão do percurso. A água acumulada despenca de vários pontos da parede, formando cachoeiras efêmeras e fugazes, poderosas e muito, muito belas. Registro com a câmera enquanto ladeamos, velozmente, o muro natural. A chuva amainou mas, mesmo assim, respinga forte nas lentes da câmera fotográfica. Não paro de gravar. Sei que é uma chance única.
Minha maior preocupação é chegar em casa, na “fortaleza da solidão”, como chamou o chalé da rua da Piscina, sem número, um grande amigo ao reclamar que não tenho sido vista por ninguém, nem em Cuiabá, nem nas badalações da Chapada.
Sei que desde a minha última visita, o mato cresceu e domina, soberano, o caminho e os jardins do meu pedaço. Em compensação, as flores, que antes não existiam, salpicam de cores o matagal que me esconde.
Alguém pergunta se vou limpar o terreno. Um pouco, respondo, o suficiente apenas para permitir que os que têm olhos para ver enxerguem que a vida pulsa no meio das folhagens, quando ouvirem o som de um fado triste e dolente, ou um samba rasgado, dançando em plena natureza.
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*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Este artigo faz parte da série "Parador Cuyabano"
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