
O vôo e a vela do apagão
O tempo, ao contrário do avião em que estou, não voa. Parece parado. E falo sério. Estou com pressa. A previsão de chuvas (ai), trovoadas (ui) e fortes ventos (S.O.S. São Pedro, livrai-me dessa) me foi olimpicamente comunicada ainda no aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro, quando uma simpática senhorita me informou que ia me despachar mais cedo rumo ao epicentro da tormenta: a capital paulista.
“Já tem mais de 80 pontos de alagamentosssss, completou a bela, enquanto eu, já prevendo uma parada forçada no box em plena corrida maluca com destino a Cuiabá, assuntava o que aconteceria com meu valioso bilhete aéreo se refugasse ali mesmo. No final, venceu o bom senso profissional.
Confesso que se desse meia volta em direção a Ponta do Leme, ia ser ruim me tirar de lá antes do final do ano. Para começar apelaria para a Lei da Luz Solar que diz: “Não saio do meu lugar antes de ver o sol nascer quadradinho atrás da janela do meu bunker no Leme”. A previsão para este dilúvio acabar no Rio é de, no mínimo, mas três dias. Aí, já seria final de semana, com direito a ensaios técnicos organizados pela LIESA no Sambódromo e um período ridiculamente curto me separaria as festas natalinas quando, pelo tempo regulamentar, estaria retornando à cidade maravilhosa.
Definitivamente estou ficando ajuizada. Tanto que não pensei duas vezes. Tomei coragem, me despedi (momentaneamente) do meu pedaço de paraíso, a Ponta do Leme e, conformada, estou aqui em Sampa tentando chicotear o tempo para chegar ao meu destino: Cuiabá.
Não foram minhas responsabilidades profissionais os fatores preponderantes para esta atitude tão madura.
Ao fantasiar o possível apagão, rebelde, transgressor e por que não dizer, previsível, me dei conta que a tal escuridão impediria minha participação no acontecimento social mais esperado nos últimos meses: o aniversário de Sininho, digo, Maria Eduarda, o mais novo rebento da família Yule, na casa da fada Louriza e do vovô Juju, Chapada dos Guimarães.
Pois, mesmo não tendo a chance de ver o Léo de Capitão Gancho, tenho certeza que verei por lá o crocodilo-Kira engolidor de relógios e outros personagens da história de Peter Pan, passeando pelo jardim encantado da Terra do Nunca que está sendo preparado para celebrar a filhota de Alina e Rodrigo e onde sem fantasia, ela foi embalada na piscina de tacho dentro da rede de borboleta.
Foi assim que, deixando de lado o terror meteorológico vigente, embarquei mais uma vez cheia de coragem e esperança de um refresco no temporal para mais uma etapa da aventura mato-grossense.
Ainda na primeira parte do vôo recebi através de uma imagem a confirmação de que bons ventos nos levariam ao destino final: sobre as nuvens carregadas da tempestade que desabava impiedosa lá em baixo, o por do sol desenhou o caminho que deveríamos seguir. O mesmo a ser percorrido pelos que têm olhos para ver e sentidos para captar como a mais severa tempestade, quando atravessada com destemor, pode nos levar à paz e a segurança. Basta que consigamos fazer nosso tempo quase parado voar em direção as nossas crenças e convicções.
Bem aventurados os que conseguem ver além das tempestades que sempre atravessam os que estão em busca uma vida melhor, mais justa e mais tranquila.
Feliz Natal, para todos.
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*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Artigo da Série Parador Cuyabano do Sem Fim http://delcueto.multiply.com
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