JUSTA CAUSA
Pro Irving
de Valeria del Cueto, agosto de 2006
material com acentuação correta no link
“O......lha, sera que ela e moça? Sera que ela e triste?”
Esta tudo meio desarrumado, mas com um disfarce irreal de tranqüilidade.
“Sera que e o contrario? Sera que e pintura, o rosto da atriz?”
Entao, vou começar pelo que poderia ser o final. Saio de casa, a dois passos do ultimo hotel do bairro. Na esquina que me leva à praia. Vejo uma cena incomum, mesmo para os padrões do Leme.
“Sera ela dança no setimo ceu? Se ela acredita que e outro país?”
Na sua area mais ludica, em frente sao bar do Coutinho, Arouca e a ultima linha de frente do comercio da regiao.
“E se ela só decora o seu papel?
E se eu pudesse entrar na sua vi...........da...”
De um carro, parado em frente a portaria do hotel, Milton Nascimento faz coro aos berros para quem cantava, de dentro do veículo, usando um porta óculos como microfone e fazendo pose de grande interprete, a musica “Beatriz”, do “ Grande Circo Místico”, de Chico Buarque e Edu Lobo.
“Olha, sera que e de louça? Sera que e de e ter?
Sera que e loucura? Sera que e cenario, a casa da atriz?
Se ela mora num arranha-ceu? E se as paredes sao feitas de giz?”
“Diminuí o passo e olhei na direcao do hotel, onde só havia duas pessoas na portaria e ninguem mais: o porteiro e o apanhador de malas. Um, mais serio, com ar surpreso. O outro, largo sorriso, mas mantendo a postura, se divertia com a situacao.”
“E se ela chora num quarto de hotel?
E se eu pudesse entrar na sua vida...”
Continuei andando e voltei novamente a atencao para o carro: um uno Mille branco. Atravessei para o outro lado da rua e vi que a placa era de Sao Gonçalo. Eu nao era a unica que prestava atencao: motoristas do ponto de taxi, entregadores das mercearias, caixas, balconistas, o pessoal do salao de beleza... a plateia era grande do outro lado da rua.
“Sim, me leva para sempre, Beatriz. Me ensina a nao andar com os pes no chao
Para sempre e sempre por um triz”
A musica terminava, a serenata tambem.
O cantor esperava um sinal de aprovacao do homenageado. Estatico, sem esboçar reacao, acho que este pensava na repercussao do caso no hotel. Ela poderia render ate sua demissao.
“Ah, diz quantos desastres tem na minha mao
Diz se e perigoso a gente ser feliz”
Mas tambem, que diferença faria?
Daqui a alguns anos, a perda do emprego na portaria do hotel estaria esquecida e superada, enquanto (posso dizer por experiência própria) os primeiros acordes da musica ofertada, sempre o transportariam.
Para um dia que prometia ser frio, acabara ensolarado, numa esquina do Leme. Um momento magico seria revivido eternamente na sua memória.
“Olha, sera que e uma estrela? Sera que e mentira?
Sera que e comedia? Sera que e divina a vida da atriz?
Se ela um dia despencar do ceu? E se os pagantes exigirem bis?
E se um arcanjo passar o chapeu?
E se eu pudesse entrar na sua vida...”
E daqui, da Ponta do Leme, onde narro, descrevo e disserto sob um tímido sol de outono recentes e significantes acontecimentos do bairro descubro que, ao começar pelo final, prefiro encerrar por aqui mesmo. Deixando você, meu leitor, sem início nem meio, apenas com este fim. Por que diante da possibilidade involuntaria - e quase magica - de colher e registrar a futura lembrança alheia, nao tenho mais nada a dizer.
Por enquanto...
Este artigo faz parte da serie “Ponta do Leme”
Valeria del Cueto e jornalista e cineasta
liberado para reproducao com o devido credito
Um comentário:
Essa menina está ficando abusada.!................
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