Quem semeia sonho colhe carnaval
*continuação de "E aí, tá todo mundo?
Texto e foto de Valéria del Cueto
Na apresentação das agremiações elementos obrigatórios e também as
inovações são julgados pelos jurados que escolhem a escola campeã do Carnaval
Carioca.
Mas como se constrói o sonho apresentado no
desfile, que, em seus quesitos, bota em julgamento a Porta Bandeira e o Mestre
Sala, que carregam e zelam pelo estandarte do pavilhão da escola, a Comissão de
Frente, grupo que a apresenta para o povo, a bateria responsável pela cadência
dos desfilantes, e tantos outros?
A parte plástica dos carros alegóricos, alegorias,
adereços e fantasias, usadas pelos foliões, é feita com o esforço conjunto de
ferreiros, carpinteiros, pintores, aderecistas, costureiras, escultores e
outros artesãos que trabalham meses a fio (olha ele!) na construção da proposta
imaginada, planejada e desenvolvida pelo carnavalesco no barracão da Cidade do
Samba. É o corpo pulsante por onde circula o sangue da folia bombado pelas
centenas de trabalhadores que transformam materiais primários, brutos, em
elaborados trabalhos artísticos para
retratar o enredo proposto pela escola de samba e apresentado na
Sapucaí.
O projeto do desfile é criado, desenvolvido e construído
com muita disciplina, criatividade e técnica. Da criação à finalização do
trabalho uma série de etapas tem que ser vencidas de forma mais ou menos
sincronizadas, mas com data marcada para
brilharem na passarela carnavalesca.
A Cidade do Samba, na zona Portuária do Rio de
Janeiro, próximo ao Sambódromo, é, desde 2006, a conquista mais significativa
para a evolução da festa. Nela, estão reunidos os 12 barracões das Escolas do
Grupo Especial. Projetados para transformar em realidade com tecnologia e num
espaço apropriado os sonhos e delírios dos criadores do espetáculo.
As instalações dos barracões aprimoram o processo
produtivo. Ele evolui do desenho para o projeto técnico, ferragem, madeira,
empastelamento, pintura, adereçamento, iluminação e o deslocamento para o local
do desfile, no caso dos carros alegóricos. Nas fantasias, do desenho para o
desenvolvimento dos protótipos, modelagem, corte, costura, montagem,
adereçamento, embalagem e sua distribuição para os componentes.
Precisei de 1200 imagens para traduzir, em sessões,
a evolução da construção de um único carnaval de um só barracão, o da Mocidade
Independente de Padre Miguel. Também fotografei os ensaios técnicos e o desfile
da escola no Sambódromo. Estas, são outras tantas centenas de imagens.
Dissequei o processo seguindo uma norma: nunca interferir,
dirigir ou compor as imagens a serem captadas. Apenas explorar numa sequencia
semi-ordenada (a ordem no espaço se modifica com o andamento dos trabalhos), em
16 visitas, cada centímetro dos 7 mil metros quadrados dos 4 andares do barracão
que construía o enredo de Cid Carvalho, A PARABOLA DOS DIVINOS SEMEDORES,
apresentado em 2011.
Outros já exploraram os barracões. Poucos por tanto
tempo. Nenhum, acho eu, com tanta
regularidade e tão detalhadamente.
É um mundo. Quente, suado, com cheiros fortes das
resinas, colas, fibras e tintas. Surpreendentemente caloroso e amigo depois que
os artesãos se acostumam com a peregrinação semanal pelos setores de trabalho e
começam a interagir com a câmera fotográfica.
É a vida plena, absoluta em seu momento catártico
de explosão e construção criadora. Ingrata e inconstante por, a cada ano,
trocar de enredo e fantasia para seduzir seus foliões.
Dizem que esse trabalho é um “acervo imagético”.
Prefiro dizer que é um imenso e delicado tecido composto por fios tramados pelo
amor e a dedicação do incrível e generoso povo do samba carioca. Maravilhoso,
como a minha cidade!
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora
de carnaval. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM. delcueto.cia@gmail.com
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