DESPEDIDA
de Valéria del Cueto
Julho de 2006
Eu sou da Ponta, sou do Leme e estou de partida...
Sentada na mureta, entre o quiosque e o início do Caminho dos Pescadores, sinto o vento que faz a curva na Pedra do Leme despentear os meus cabelos e estes fazerem cócegas na ponta do meu nariz em seus movimentos desordenados.
O mesmo vento que acabou com minha intenção de lagartear ao sol da tarde, esticada na canga enquanto posso.
Não sou a única que aproveita a paisagem. Na grama um ajuntamento de mendigos também tenta se aquecer ao sol. Eles usam uma sombrinha para criar uma barreira contra o vento inclemente. Não têm roupas de inverno. Estão de camisetas e bermudas. Como eu sei? Por que os vejo arejando os cobertores velhos com que tentam, visivelmente sem sucesso, espantarem o frio. As duas sombrinhas são as barreiras iniciais.
Como já disse estou de partida. Vou em busca da garantia de mais uma temporada no Leme.Viver aqui tem um custo e faço o possível para manter meu status quo: o sustento do meu sonho geográfico.
Os integrantes do grupo de sem teto conversam animadamente ao lado como se eu não existisse. Afinal, o que é este ser regelado que insiste em tentar capturar o calor do sol, com os cabelos enlouquecidos ao vento, o pequeno caderno onde escrevo furiosamente espalhando tinta verde pelas páginas que se agitam?
Sinto-me tão nada quanto eles. Meu sentimento em relação a opinião alheia, confesso, me
aproxima ainda mais dos meus vizinhos: não estou nem aí para os olhares de estranheza dos pescadores que entram e saem do caminho que rodeia a pedra. Que pensem o que quiserem dessa mulher e seu pequeno caderno que ignora o perigo que, dizem, advém dos sem teto ali do lado.
Nada tenho a perder, a deixar levar. A receber, sim. Os registros da Ponta que levarei na memória, meu caro leitor, não têm classe social. Ricos e pobres, vestidos ou desnudos, felizes ou infelizes. Quem vem à Ponta sai daqui com uma imagem única e indelével de um ponto inigualável no globo terrestre.
De peito aberto e sã (in)consciência é impossível não se saber um ser, senão único, privilegiado. Por existir nesse tempo e nesse lugar.
Bem aqui, na Ponta do Leme.
Valeria del Cueto é jornalista e cineasta
liberado para reprodução com o devido crédito
Este artigo faz parte da Série "Ponta do Leme"
liberado para reprodução com o devido crédito
Este artigo faz parte da Série "Ponta do Leme"
13 comentários:
Caramba, Valéria!
Esse morro da foto, o da direita, eu não me lembro dele.
De quando é essa imagem?
Também estou na dúvida...
A foto foi do dia dos Stones, em janeiro, feita do Caminho dos Pescadores, ao cair da tarde. Sei que o da esquerda é o Cantagalo. Mas... confesso minha ignorância.
Na época que as crianças estudavam a geografia do estado, eu morava em MT. Quer alguma informação sobre a Serra de Amambai, do Roncador?... Aí sou boa. Mas quando o assunto é o Rio, sou carente.
Vou me informar e depois te conto quem é ele!
Estamos vendo o Cantagalo, o Dois Irmãos e a Pedra da Gávea.
Estou achando que aquele treco reto é o Meridien, não é?
Mas que morro grande seria esse? Não estou me localizando geograficamente.
O "treco" é o Meridien. Atrás tem um morro, calculo que pode ser o morro do túnel Velho...
Prometo que amanhã vou no Caminho dos Pescadores e te conto tudo.
Olha aqui:
http://www.clas.ufl.edu/users/eginway/morros.jpg
http://www.safca.com.br/espcultural/fm-PaoAcucar-a.jpg
http://bresiltour.free.fr/Photos/rio/rio9.jpg
http://jwg.student.utwente.nl/riodejaneiro/images/zs/copacabana/copa-bairro1.jpg
É o Morro dos Cabritos, não é?
Olha aqui:
Mapa de Copacabana
1 Avenida Atlântica 2 Avenida da Nossa Senhora de Copacabana 3 Rua Barata Ribeiro 4 Forte de Copacabana 5 Morro do Cantagalo 6 Morro dos Cabritos 7 Morro de São João 8 Praça Cardeal Arcoverde
Tirei de:
http://jwg.student.utwente.nl/riodejaneiro/br/bairros/copacabana.htm
De qualquer forma irei passar um bom tempo no Rio e poderemos tirar juntos todas as dúvidas.
É o Morro dos Cabritos. O interessante é que sempre penso que o Cantagalo é maior.
Talvez de tanto subir nele por suas muitas entradas: Saint Roman, Farme, Brizolão...
Nunca imagino a altura do Morro dos Cabritos.
Boa mesmo foi seu útimo reply. Oba! Quando você vem?
Uma época eu morei no pé desse morro.
Ali na subida da Barão de Ipanema.
Então você deveria reconhece-lo rsrsrs
Como eu moro no Leme e passei a adolescência na Bulhões de Carvalho falo com propriedade dos meus vizinhos próximos. Até por que sempre gostei de explorá-los.
Mudando de assunto. Olha que simpática nossa conversa de olhinhos...
O esquisito era o Meridien... parecia um só morro.
É... olhinhos que se conversam.
De mudança pra ondde valéria???
Esclarecendo ao Carlos Augusto e outros amigos que perguntaram sobre a minha "mudança": já fui e graças a Deus consegui voltar!
Este artigo foi escrito em julho, antes da ida para Brasília, onde hibernei durante 5 meses, fazendo a direção de produção do longa metragem FEDERAL, de Erik de Castro.
Durante este longo período, meu site ficou às moscas, por motivos técnicos e contratuais. Só quando retornei para o Rio pude começar novamente a publicar meu material. Por isso o atraso. Na primeira linha está a o mês em que ele foi escrito.
Nos próximos dias outros artigos e fotos de Brasília serão publicados, já que pretendo atualizar o material.
Faço isso devido a pedidos dos meus poucos leitores que, exigentes, agora querem novidades fresquinhas. No caso dos artigos da Ponta do Leme, eles serão pubicados sempre em ordem cronológica, mesmo que, como agora, com um tremendo atraso.
Peço desculpas aos amigos e espero que ainda assim, vocês continuem acompanhando e fazendo suas críticas aos textos, e a todo o material aqui publicado.
Beijos
Valéria
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