Texto e foto de Valéria del Cueto
Chove lá fora, chove aqui dentro. Chove, chove, chove. Cheguei na chuva, que me pegou no caminho. O cheiro de terra quente molhada me fez reduzir ainda mais o passo que já era lento, preguiçoso e demorado, compassado pelos grossos pingarotes que começaram a se esborrachar, um a um, no terrenos dos jardins da fada (um dia pretendo apresentá-la a você, leitor companheiro, mas não agora). Decidi rumar para a rua da Piscina, sem número e comemorar a chuva com as plantas do jardim do chalé, recém podadas.
Como dizia, o cheiro da terra molhada quase me fez parar, no meio do caminho. Hipnótico, inebriante. Deliciosamente inebriante. Continuei no meu ritmo de cheiro de terra molhada, sabendo que em breve ele me libertaria e só ficaria fixado na minha imaginação olfativa.
É verdade. Você já reparou? Ele, o cheiro, é como uma onda. Única. Isso mesmo: vem, arrebenta e passa igualzinho a uma onda do mar só que, como já disse, única, solitária. O que fica depois no ar é só sua espuma espelhada, um leve aroma esquecido, um fino fio que nos lembra que a mãe natureza passou por ali.
Foi em comunhão com a natureza, a terra, as plantas (devidamente celebradas quando adentrei o jardim da Rua da Piscina, sem número), que cheguei ao chalé. Encharcada de felicidade (esse é o presente que a natureza dá para quem consegue seguir chuva adentro, sem pressa nem medo) e totalmente molhada.
Trovões e relâmpagos começaram a pipocar. Era um acende/resmunga/explode/acende por todo o céu. As nuvens corriam ligeiras, como se chicoteadas pelos raios que cortavam suas camadas. Fiquei sentada num banco de madeira, na frente do chalé, vendo o mundo desabando no jardim. Rumei decida pra o centro do gramado, direto pra chuva, que me chamava sedutora, convidando para um banho regenerador.
Molhada, já estava mesmo e, não podia deixar de argumentar com a gêmea cautelosa e chata que me habita e advertia sobre a possibilidade de um resfriado eminente que, sinceramente, não estava nem aí para ela, contanto que pudesse me esbaldar na grama recém aparada, deixando as águas celestiais escorrerem pelos meus cabelos e escorregarem pela minha pele, trazendo uma nova energia e limpando todas as impurezas da minha alma, levando embora a parte removível da minha tristeza.
O sol voltou a brilhar, brincando alegrinho entre as nuvens ligeiras. A chuva passou, mas escrever sobre ela é como enxaguar em água nova, velhas cicatrizes que nunca vão curar, mas, limpas, doem muito menos do que quando a gente se descuida delas, fingindo não existirem, o que acaba “arruinando” as feridas, como dizem por aqui.
Por isso, comemoro e sempre me preparo pra aproveitar ao máximo a onda quando ela se aproxima e sinto, mais uma vez, o cheiro de terra molhada no ar...
* Valeria del Cueto e jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da serie Parador Cuyabano, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com .
3 comentários:
GRACIAS VALRIA MUY BUENO
Gracias a ti que es siempre atento...
deu pra sentir o cheirinho gostoso da terrinha de chapada
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