Progressão geométrica
Texto e foto de Valéria del Cueto
Já é véspera da publicação da Fábula Fabulosa de sábado, 19 de março de 2016. Faltam poucas horas para o deadline das 9 da matina de sexta, estipulado pelo editor Enock Cavalcanti, do Caderno Ilustrado. O Diário de Cuiabá é a ponta de lança semanal das crônicas que já foram da Ponta do Leme. Nei Ferraz Melo, o diagramador de tantas aventuras e delírios, já deve estar no último sonho noturno, em que será submetido a mais um desafio de posicionar e adereçar o texto da cronista, nos braços de sua Deusa.
Um, dois, três. Um, dois. Um, dois, três... Conta os passos andando pela cela e aguardando seu correspondente interplanetário, Pluct Plact, com seus surpreendentes informes sobre os incríveis e, cá entre nós, estapafúrdios fatos ocorridos na semana.
Está muito preocupada. E não lhe faltam motivos. Tivera sérios problemas para concatenar uma parte das aventuras narradas por seu confidente espacial. Para falar a verdade, chegou a passar por sua cabeça a hipótese de que o amigo tivesse consumido algum alucinógeno potente. Outro porém era o atraso da visita. Nunca acontecera. Quanto mais ele demorava, menos tempo teria para tentar costurar o texto as peripécias relatadas.
Era um ser estranho, embasbacado com o mundo lá de fora, mas um bom extraterreste. Cumpridor de suas tarefas, apesar do perrengue de estar preso por aqui. Um fofo, por assim dizer. Ela sabia que a tarefa de mantê-la minimamente em ação, encarregada de escrevinhar sob o ponto de vista humano - se é que alguém a considerasse sob essa ótica, o convívio com Pluct, Plact. Era uma forma conecta-la com a sociedade voluntariamente abandonada.
Tadinho. Nunca entenderia que a visão antecipada e a tentativa (malsucedida), de alertar o entorno a levara ao isolamento. Não, não queria ficar dizendo: “Eu não avisei?”. Muito menos continuar vislumbrando rasgos do futuro incerto. A tudo vindo do mundo exterior dava o seu devido registro, mas se abstraia daquele nonsense easy rider. Que outro ingrediente poderia ser acrescentado àquela sucessão de atropelos e surpresas?
Quando, lá pelas 2 da madrugada, Pluct Plact escorregou pelas grades da janela e se materializou, só de olhá-lo, sentiu que não deveria ter feito essa simples, porém perigosa, pergunta. À sua frente estava a resposta. O ser interplanetário estava um caco. Abatido, descomposto, um fiapo de energia. Consumido. Sim, havia algo capaz de exaurir até as forças de um extraterreste cascudo, cheio de recursos planetários.
Segundo me esclareceu num murmúrio exausto, o novo “fator agregado” era o tempo entre os acontecimentos e suas inevitáveis consequências. Antes, a vida passeava numa PA (progressão aritmética). Algo disparara, saíra do controle e alterara esse ritmo. Agora, tudo era uma PG (progressão geométrica) desenfreada. Cada vez mais veloz. E, um segundo fator, desembestada. Não havia mais tempo para respirar, analisar, avaliar, projetar, planejar, executar e ver os resultados.
Era preciso peito de remador, como dizia Vinícius de Moraes, em “Pra viver um grande amor”. E a certeza que esse, o grande amor, não será mais o mesmo depois da delação do senador Delcídio do Amaral e dos últimos acontecimentos que sacudiram a república.
Eles incluem a posse e o impedimento por liminar de Lula da Silva de tornar-se Ministro da Casa Civil da presidente Dilma. Dez ações no Supremo Tribunal Federal e vinte e duas espalhadas por vários estados pleiteiam seu impedimento para assumir o cargo de salvador da pátria na tentativa de juntar a - hoje em frangalhos – base do governo. Sem prazo definido para julgamento do imbróglio.
Sua posse e a dos ministros da Justiça e da Aviação foi um espetáculo a parte. Bastou a presidente dizer “Bom Dia” para ouvir-se um grito ao fundo: “Vergonha, vergonha”. Partiu de um deputado federal. Expulso o parlamentar, a plateia entoava ao som de palmas “Não vai ter golpe, não vai ter golpe...”
No discurso Dilma respondeu ao Juiz Sérgio Moro que havia tornado público, na véspera, o conteúdo de gravações telefônicas autorizadas pela justiça da 24 fase da Lava Jato. Liberação ocorrida quando (depois de relutar, impor condições e, finalmente, aceitar o cargo que lhe dava imunidade) foi anunciado que Lula se tornaria Ministro da Casa Civil. Condição em que os processos contra o ex-presidente passariam para a esfera do Supremo Tribunal de Justiça.
Nas conversas, entre palavrões e aquela sinceridade peculiar e perigosa, sobrava geral para instituições, poderes, autoridades e adjacências.
Eduardo Paes, prefeito do Rio, falou mais que mulher da cobra para a Jararaca e precisou esfarrapar suas encabuladas e pouco olímpicas desculpas para Maricá e demais atingidos por sua verborragia grosseria. Cariocas podem ser irreverentes, mas daí a partir para o bulling em relação a “alma de pobre” do faz pouco depoente na Polícia Federal? É acúmulo de mau gosto. Não, o governador do Rio de Janeiro, Pezão, e Dona Marisa, esposa de Lula, não estão bem.
Dizer que instituições se acovardaram é provocar reações em cadeia e perder apoio do que restava de uma pequena parte indecisa da sociedade, tão polarizada. No âmbito parlamentar, o tamanho da encrenca é imensurável. Apenas o tempo, mais ordenado. Foi dada a largada com alarido, discussões e agressões mútuas, para o julgamento do impeachment.
Sim, pode ser pior. Bastou que o governo federal empossasse, na cerimônia supra citada, um ministro do PMDB. O partido havia decidido que até resolver se fica ou desembarca da nau federal desgovernada, não permitiria que nenhum membro assumisse cargo na cúpula federal. A ausência do vice, Michel Temer e do presidente do Senado, Renan Calheiros, da posse tripla, dava o tom dos próximos acontecimentos.
“Fora Dilma” e “Força Moro” são projetados nas estruturas do prédio do Congresso em Brasília, enquanto protestos diurnos e noturnos pipocam lá e em várias cidades. A tensão cresce a cada confronto. Grupos prós e contras se manifestam apaixonadamente.
O que vem por aí? Que só Deus saiba! E dê aos homens discernimento e compaixão.
* Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Crônica da série “Fábulas Fabulosas” do Sem Fim...
Edição Enock Cavalcanti
Diagramação (especial) de Nei Ferraz Melo

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