Liberdade nocoração, salve o Almirante Negro
Texto, fotos e vídeos de Valéria del Cueto
Finalmente
vou falar de carnaval. É claro que com uma virada de maré pela proa. Ia elogiar
o mini desfile do Dia Nacional do Samba, os ensaios de rua que agitam as noites
nas comunidades cariocas e da região metropolitana que se dedicam à f(r)esta,
falar do lançamento dos sambas enredo pela Rio Carnaval nas plataformas
musicais e a expectativa na chegada dos ensaios técnicos em janeiro. Faltam só
dois meses para o carnaval!
Playlist do mini desfile
https://youtube.com/playlist?list=PLNVGym3VNemBmCWEGksqShl8TYNoiNre1&si=GVK8-rla1F02EZIc
Ia
e vou, mas com o olhar voltado para uma escola, um enredo. Pelo menos nessa
crônica.
Visitei
os enredos para analisar os mais interessantes aos ouvidos e olhares dos
leitores, especialmente os de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul, que acompanham
a longa saga da série “É carnaval” em
crônicas, matérias, fotos e vídeos.
De
cara pensei no caju, fruta tão cuiabana. Seja perpitola (dane-se a linguagem
simples), com seu sabor, aroma e cores, seja na música (de Vera e Zuleica, por
exemplo), ou na arte de gente do naipe de Adir Sodré e João Sebastião, lá está
a delícia.
Passei
pela onça da Grande Rio, pela cigana Esmeralda da Imperatriz e o Lunário
Perpétuo da Porto da Pedra. Tudo aí ligado a nosso imaginário popular.
Só
que no caminho, antes de terminar a rodada, topei com o Paraíso do Tuiuti, o
Almirante Negro e episódio que durante muito tempo não fez parte da história do
Brasil. Aquele que a gente conhece da música de Aldir Blanc e João Bosco,
censurada na ditadura. A que teve que mudar o título de “Almirante Negro” para “O
mestre-sala dos mares” e que no refrão almirante virou navegante. Essa!
O movimento que eclodiu dia 22 de novembro de 1910 e só foi nomeado como Revolta da Chibata em 1959 no livro de Edmar Morel, o primeiro a “retratar” o evento. De 1937 a 1945, por exemplo, a história não pode ser contada por causa da ditadura Vargas. Aquela cujo chefe do DPI, Departamento de Imprensa e Propaganda era Filinto Muller. Ele mesmo. Ela ressurge no samba que viraria um clássico do repertório da MPB em plana ditadura de 1964.
Mas,
afinal, onde entra Mato Grosso nesse episódio?
Acontece
que a revolta que fez os marinheiros tomarem os quatro maiores navios da esquadra
brasileira e voltarem seus potentes canhões para o centro da capital federal, o
Rio de Janeiro, foi desencadeada por um castigo corporal imposto a Marcelino
Rodrigues Menezes.
É
aí que entra o personagem nascido em Nossa Senhora da Conceição do Alto
Paraguai Diamantino em 1856, João Batista das Neves. Pelo código disciplinar o
castigo poderia ser de, no máximo, 25 chibatadas (!). Só que... Ele, o
comandante do couraçado Minas Gerais, ordena que sejam dadas 250. Na frente da
tripulação que vê o marinheiro desmaiar e continuar apanhando. Deu ruim.
A
ordem do mato-grossense desencadeia a revolta que o levaria à morte, já que
voltou ao navio mais cedo de uma homenagem, se recusou a sair da embarcação e feriu
um marinheiro revoltoso. Deu muito ruim.
Os
insurgentes exigiam o fim dos castigos corporais (90% dos marinheiros eram
negros) e melhoria na alimentação. Hermes da Fonseca, presidente que havia
assumido uma semana antes, se recusou a dialogar e o Senado Federal assume as
negociações que levam a proibição das chibatadas e a anistia dos revoltosos, rapidamente
quebrada pelo governo.
Centenas
de marinheiros foram fuzilados. 2000 expulsos da força. João Candido, o líder,
preso, transferido para Hospital de Alienados, tem alta e volta para a prisão
na Ilha das Cobras, até ser absolvido de todas as acusações em 1912. É
defendido, a pedido da Ordem de Nossa Senhora do Rosário e dos Homens Pretos pelo
jovem jurista Evaristo de Moraes.
Aos
gaúchos, curiosos pra saberem qual a relação com essa saga esclareço que João
Cândido Felisberto, que recentemente teve seu nome inscrito no livro dos Heróis
da Pátria, nasceu na Provincia de São Pedro do Rio Grande do Sul. Hoje,
município de Encruzilhada do Sul. Sua origem está na letra do samba enredo que
diz:
“Ô,ô,
a casa grande não sustenta temporais/ Ô, ô, veio dos Pampas para salvar Minas
Gerais”
https://www.flickr.com/photos/delcueto/albums/72177720313139456/
Já
a origem do estopim da Revolta da Chibata, essa não faz parte do samba. Uma rua
de Cuiabá leva seu nome. Outra em Diamantino. Na capital de Mato Grosso não
existe um logradouro com o nome de João Cândido.
Por
aqui, depois da pérola musical de João e Aldir, é a vez do carnaval (mais uma
vez), agora no Grupo Especial das Escolas de Samba, na composição de Moacyr Luz,
contar a saga da “Revolta da Chibata” no samba que o Paraíso do Tuiuti “apura” nos
ensaios de rua e levará à Sapucaí. Segura o refrão:
“Liberdade
no coração/ o dragão de João e Aldir/ A cidade em louvação desce o morro do
Tuiuti/”
Playlist do ensaio de rua
https://www.youtube.com/playlist?list=PLNVGym3VNemB2dEk9XmAFaXIFMeT-BqV9
*Valériadel Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “É Carnaval” do SEM
FIM... delcueto.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário