Mar doce mar
março de 2006
falei, no último artigo, “Assim Não Pode Ficar” que os dias tenebrosos passam?
Pois é, hoje é o dia seguinte.
Acordei com medo do que poderia encontrar ao
abrir a porta fatídica da área externa do apartamento. Em vez de escancará-la,
cheia de animação como costumo fazer, fui empurrando bem devagar temerosa do
que me esperava.
Espalhadas
em desordem pelo chão de ladrilho azul lá estavam as meninas (esqueci de
computar o azul do piso, entre as várias tonalidades do meu pretenso jardim. A saber: rosa, bege
rosado, branco e gelo) Pra lá de
jururus, ainda ressentidas pelos últimos acontecimentos já narrados
anteriormente. Totalmente desoladas. Davam dó. Muita dó.
Vendo
que no momento não poderia fazer nada pelas plantinhas, além de comemorar a
ausência de outros desastres e suas nefastas conseqüências, optei pela saída
mais sensata: a porta da rua. Em direção a vocês sabem onde...
Estou
na Ponta. No Canto do Leme que me abriga e acolhe. Meio dia, sol a pino, praia
de profissional: pouca gente, só do bairro. Quase hora da troca de turno: saem
as senhoras, chega a garotada que acabou de cumprir as obrigações estudantis e
se prepara para encararas ondas...
Aí,
mora a pergunta básica: que ondas?
Já
se falou tanto do mar durante o verão. Da poluição, sujeira, gigogas, manchas
de algas... Da água fria, da temperatura gélida. Também das ressacas que
maltrataram os banhistas desavisados e por aí em diante.
Pois
é com a sorte da pessoa privilegiada que me sinto neste momento que trago para
vocês a anti-notícia, o anticlímax das redações: não há nada a reclamar.
Começo
por voltar às ondas ansiosamente aguardadas pelo pessoal do turno da tarde,
citado mais acima: fraquinhas, fraquinhas. O mar está tão calmo que dá para nadar
tranqüilamente na paralela da praia, em direção a Pedra do Leme, sem medo. Eu e
alguns dos surfistas frustrados encaramos a raia natural. Uns vêm, outros vão.
Acrescente a receita uma água com temperatura ideal, sem a qual certamente não
me lançaria no exercício aquático. Tépida e estimulante. Mais alguns
ingredientes: transparência cristalina e limpeza total.
Me
rendo ao momento especial e fico boiando bem junto a pedra, olhando para o alto
e observando a vegetação da Pedra. De costas para a praia e os prédios posso
fingir que estou num local deserto, como uma ilha.
Isto
é o Leme nesta sexta feira: um convite explícito à contemplação..
Aqui na frente um pequeno barco, com um motor
de popa menor ainda, confirma minhas palavras. Três pescadores se divertem
lançando seus anzóis ao sabor do embalo do bote. A distância, posso afirmar que
não são marinheiros de primeira viagem, fato comprovado pelo uso de camisetas.
Acessório protetor, normalmente ignorado pelos novatos, dispostos a mostrar
intimidade com a rotina pesqueira e a dormirem no cabide, como costumamos dizer
quando encontramos incautos coloridos pelo desrespeito às regras básicas de
sobrevivência marinha: muito filtro e pouca exposição direta ao sol.
Detalhe, apenas detalhe para quem, como eu
admira a paisagem, procura assunto e tenta relaxar, nesta primeira sexta-feira
do resto de 2006.
Uso
o meu curtíssimo latim para me despedir, antes de dar mais um mergulho no mar
em questão. Ele me convida a limpar meu corpo, polir minha alma e esfriar minha
cabeça em suas águas refrescantes e renovadoras. Carpe diem. E mais não tenho a
dizer.
Bom
final de semana
Valeria del Cueto é jornalista e cineasta - http://delcueto.multiply.com
Liberado para reprodução com o devido crédito
Este artigo faz parte da Série "Ponta do
Leme"
2 comentários:
Nada como o dia seguinte!
Bjo.
Para o bem e para o mal, Regina.
Choveu muito nas duas últimas noites, o mar subiu, veio uma ressaca e a praia ficou imunda...
Aprendi mais uma lição: estes momentos de perfeição podem efêmeros e não tão frequentes quanto gostaríamos.
A arte é saber percebe-los e se dispor a dar seu tempo ao encantamento.
Beijo
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