sábado, 19 de abril de 2008

Festa do Congo e farofa de banana


TRADIÇÃO
CONGO X MONARCA
Veja o vídeo, as fotos
e ouça a cantoria
Festa do Congo e farofa de banana
Voltei à capital com a alma e o corpo saciados da mais nobre cultura popular e com o sabor inesquecível da farofa doce e molhadinha

Valéria del Cueto
Especial para o Diário de Cuiabá

Eu já estava semi-pronta para encarar uma balada na noite de sábado na capita mato-grossense quando vi um boletim na TV informando a realização da Dança do Congo da Festa de São Benedito, em Nossa Senhora do Livramento, na manhã seguinte.

O apelo foi irresistível. Dei meia volta na proposta inicial de me esbaldar nos embalos noturnos cuiabanos e preferi economizar as minhas forças para registrar a festa livramentense que nunca havia assistido.

Confesso que cheguei atrasada. Perdi a missa, marcada para as oito da matina, assim como o chá com bolo que se seguiu e entrei na cidade por volta das dez da manhã, já com os grupos do Congo formados sob tendas no meio da rua, em frente a Casa de São Benedito.

Era como se estivesse no túnel do tempo. O que mais me surpreendeu foi a ausência de gente de fora, apesar da divulgação que me seduziu na noite anterior. Estava numa festa de locais, para locais que mantêm uma tradição centenária. O Congo chegou a Nossa Senhora do Livramento trazido pelos negros do quilombo de Mata-Cavalo, que vivem na região.

Como eu, mais dois fotógrafos registravam a manifestação. De um lado, reis, príncipes e a corte dos Monarcas, todos paramentados de azul. Do outro, a indumentária vermelha simbolizava o povo do Congo, o país africano.

As já citadas tendas protegiam os participantes e moradores da cidade do sol, mas não faziam o menor efeito contra o calorão da manhã domingueira. Ele não foi suficiente para diminuir o interesse dos devotos do Santo Negro que acompanhavam com atenção o drama secular, composto de percussão, cantorias, trovas e repentes apresentados pelos mais antigos e, também, por jovens e crianças. Todos compenetrados em seus papéis e devidamente imbuídos do espírito da festa.

Ao fim da narrativa teatral a imagem de São Benedito em seu andor, que ocupava lugar de honra atrás dos principais personagens da encenação na rua, foi levada para o interior da casa a ele dedicada pelos fiéis. Depois, os festeiros saíram com as bandeiras do santo visitando algumas casas. Seus moradores, contritos, recebiam as bênçãos de São Benedito e beijavam os estandartes do santo em meio a cantorias.

Não acompanhei todo o trajeto por falta de preparo físico. Me distraí quando vi alguns meninos, participantes do Congo, brincando nos jardins e colocando o adorno de cabeça que usavam, feito de flores e fitas coloridas, na cabeça do busto de Frei Salvador, um dos beneméritos locais que ocupa um lugar de honra na praça central da cidade. Ali, vi a síntese de Livramento. Os que já se foram, e muito fizeram pelo lugar, ligados ao futuro, representado pelos meninos, através da tradição mais pura e singela da cultura popular. Parei para brincar com eles e esqueci a sede que quase me matava agravando o risco de uma insolação eminente.

Voltei à Casa de São Benedito em busca de um pouco de água bem geladinha e já pronta para tomar o rumo de Cuiabá. Não foi tão fácil assim minha retirada. A culpa foi do senhor que me vendeu a garrafa de água. Quando disse que estava de partida, ele me perguntou intrigado: “Mas logo agora? Não vai esperar para experimentar a famosa farofa de banana da terra, que será servida no almoço aqui da Casa de São Benedito...”

Não precisei de outro incentivo. Fui até o fundo do pátio onde, em enormes panelões, estava sendo preparada a comida do almoço festivo, parte das comemorações, que seria servida aos moradores.

Confesso, apelei. Meu argumento sensibilizou a chefe da cozinha, para quem expliquei que precisava voltar para Cuiabá e não poderia esperar pela refeição. Diligentemente ela me acomodou numa cadeira dentro da área destinada a preparação dos quitutes e, quando vi, tinha no colo um prato, repleto do alvo da minha gulodice. Comi mais de meio prato da farofa e, inconformada por não ser capaz de “matar” a generosa porção que me coube do maná, ainda arrumei um copo de plástico que serviu de quentinha para que eu trouxesse um pouco da delícia da cozinha livramentense.

Voltei à capital com a alma e o corpo saciados da mais nobre cultura popular e com o sabor inesquecível da farofa doce e molhadinha feita com a banana típica de Nossa Senhora do Livramento na boca, marcada para sempre na minha memória gastronômica. Melhor que qualquer balada noturna, das tantas que acontecem por aí...



2 comentários:

maria mendonca disse...

Que maravilha, dá até pra sentir o gosto da farofa e viva Sao Benedito, meu santo de devoção!

Valeria del Cueto disse...

Histórico do Congo
(do site da Prefeitura de Nossa Senhora de Livramento)

O Congo de Nossa Senhora do Livramento nasceu na comunidade quilombola de Mato Cavalo, na segunda metade do século 19, há mais de 100 anos. As músicas e o linguajar da encenação da guerra da Dança são de origem africana, como os ancestrais dos dançantes de Nossa Senhora do Livramento.

A migração dos descendestes africanos dançantes foi acentuada, na primeira metade do século, com a queda da exploração de ouro na região Cocais e a busca de trabalho e sobrevivência no Rio Cuiabá Abaixo.
O Congo é espalhado por toda Baixada Cuiabana, unindo os seus dançantes em grandes festas de congregação e louvor a São Benedito.

O Congo é um teatro popular dramático de uma guerra entre dois reinos. O do congo e a dos Monarcas. Com cantos, danças e versos trovadorescos, ora repentistas, entre os personagens de duas cortes. Em Nossa Senhora do Livramento, os reinados do Congo são (vermelho em homenagem aos negros do Estado Brasileiro de Minas) e Monarca (Azul em homenagem ao povo africano de Massangana e Luanda). Os exércitos, sempre são com mais de 20 integrantes e são compostos por devotos de São Benedito e pagadores de promessas.

A dança é uma das manifestações folclóricas mais ricas e antigas do município, encontra sua representação em Livramento. Essa herança cultural é preservada devido a dedicação dos componentes mais antigos da Banda que ensinam aos novos as toadas ao o ritmo dos sons dos tambores.