Só eu!
Texto e foto de Valéria del Cueto
Desta vez fui longe demais. Extrapolei meu direito de tentar ser feliz. Consegui realizar a façanha de chegar no aeroporto Santos Dumont... sem a carteira de identidade. Nem eu mesmo acreditei na minha performance. A torcida do Flamengo também não.
Tá bom que sair do Rio duas semanas antes do carnaval é péssimo. Que ninguém merece deixar pra trás os dias ensolarados, a praia já não tão lotada, por que as aulas recomeçaram, o mar limpinho, com a água numa temperatura incomumente tépida para esta época do ano, a lua ainda cheia que nasce por cima da Ponta do Leme. Mas o dever me chama, o patrão reclama e, definitivamente, não pretendo contrariar o chefe.
Ele, que generosamente (a contragosto, a princípio) concordou com minha tese de que mais vale uma funcionária cheia de gás e inspiração do que um bode sofredor amarrado no pé da minha mesa de trabalho espalhando frustração e mau humor antes mesmo do bicho profissional começar a pegar.
Afinal, mais vale uma máquina ajustada, tinindo, com os mecanismos azeitados, do que um motor desgastado que só pega no tranco, sobre livre e espontânea pressão. Resumindo, sou super grata a ele pelos seis ensaios técnicos que consegui registrar, no período pré-carnavalesco, correndo de cima pra baixo por toda a extensão da Marques de Sapucaí, o sambódromo carioca. Tomando chuva, safanões, empurrões enquanto registrava os preparativos das escolas de samba do Grupo Especial.
Sobrevivi à falta de forma física e aos quase 5 quilos do equipamento de som, vídeo e fotográfico tomando doses maciças de analgésicos antes, durante e depois dos ensaios, ciente que uma semana de hidroginástica e muita caminhada pela areia da praia não seriam suficientes para me deixar em forma, muito menos diminuiriam o sentimento de culpa por não haver começado a me mexer mais cedo, há alguns meses atrás.
Aí, volto ao chefe, para fazer uma constatação pessoal e intransferível: boa forma não se adquire por osmose. Caso isso fosse possível, numa escala de zero a dez, eu estaria mais ou menos com uma nota oito por que, nesse quesito, o cara é dez! E eu me reconheço um rato, ou seja, apesar do incentivo, continuo soterrada na areia movediça da minha força de vontade que ser recusa a aceitar que Cuiabá pode rimar com ginástica e esforço físico.
Aqui de cima, da janela do avião, dou até logo pro meu Leme (Viram? Consegui embarcar) certa de que, muito em breve, estarei fazendo esse mesmo percurso no sentido contrário para, aí sim, mergulhar de vez na folia, sem medo de ser feliz.
E, até lá, por favor, me poupem. Não me peçam para dirigir qualquer tipo de veículo, por que, minha carteira de motorista, o documento de identidade que carrego sempre comigo, repousa muito despreocupado no bolso lateral da bermuda de surfista que estava usando no último domingo no sambódromo (isso, se a santa Neusa não resolveu jogar a peça de vestuário em questão na máquina de lavar sem verificar o conteúdo de seus inúmeros bolsos. O que seria desculpável já que não passaria pela cabeça de ninguém a hipótese de que alguém possa deixar sua habilitação pra trás ao cruzar pelo menos cinco estados brasileiros em direção ao centro oeste do país. Só eu!).
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Valéria del Cueto é jornalista, cineasta, gestora de carnaval e porta-estandarte do Saite Bão. Este artigo faz parte da série Ponta do Leme do Sem Fim... http://delcueto.multiply.com
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