
Quem viver, verá!
Texto e foto de Valéria del Cueto
Imaginem o dia que a gentileza se entregar, desistir. O que restará será tão pouco, tão pobre...
Um quase nada, onde ser educado será o próximo "defeito" a ser corrigido, extirpado. Estamos chegando quase lá, muito mais rapidamente do que poderíamos supor. Num tempo negro, em que “quebrar a cara” pode ser uma ameaça muito mais facilmente de ser cumprida, principalmente em ambientes onde o respeito à ordem, aos mais velhos, às autoridades deveria reinar.
Um exemplo? São muitos e fartos. Infelizmente, cada vez mais corriqueiros.
A sala de aula é um caso típico. São muitos contra um. E olha que esse um já foi tratado de forma cerimoniosa e reverente, como “mestre”. Hoje ele é, quando muito, professor. E como tal, sua autoridade termina ao primeiro ato de rebeldia mal direcionada das dezenas de pupilos, normalmente insatisfeitos, que compõe seu universo profissional.
Outro dia, ouvi uma história de um professor que foi furado por uma aluna com um... lápis. Ensandecida, a mocinha, certamente.
- Ela veio com tudo. Podia ter nas mãos um estilete, me contou desolado a vítima da agressão, um professor de artes.
Ele poderia mesmo ter sido atingido por um objeto cortante, usado em suas aulas como instrumento educacional. De crescimento lúdico, dirão os pedagogos de plantão.
O que fazer num caso desses? Ir reduzindo as possibilidades de armamentos em sala de aula? Nada de objetos cortantes, perfurantes ou contundentes nas mãos da moçada. Tesouras, estiletes, lápis, canetas, apagadores, carteiras...
Sobrou muito pouco. Sem instrumentos, argumentos e hierarquia, aprimora-se o caminho para a tal da barbárie e ela, certamente, se disseminará e contaminará outros ambientes.
Não precisamos forçar muito a imaginação para visualizarmos outras situações onde, digamos, o tom das relações será totalmente outro.
Imaginem um local de trabalho colegiado com vários diretores e, portanto, idéias, objetivos e trajetórias de vida diferentes e conflitantes. Um dia, no meio de uma discussão, um deles olha para o presidente do tal colegiado, em pleno ambiente e local de trabalho e, para resolver suas diferenças, de forma rápida e ( na sua cabeça medíocre) eficiente, anuncia em alto e bom som,
para quem quiser ouvir, na sala, no andar e no prédio e dirá:
- Vou quebrar a sua cara! Jogando por terra o último resquício de humanidade e educação, acabando com o rito hierárquico, com o respeito necessário que deveria ser mantido não apenas entre profissionais, mas entre seres humanos com o mínimo de civilidade.
Fico pensando o que fazer numa situação como essa, que como disse, deveria ser hipotética, mas infelizmente é real, verdadeira e conforme o relatado, cheia de testemunhas.
É aí que me lembro e me rendo às palavras do profeta carioca: “GENTILEZA GERA GENTILEZA”.
Chego a conclusão que estou ficando velha. Conheci o homem que andava pelas ruas do Rio de Janeiro e escrevia suas palavras de respeito e amor nos pilotis dos viadutos do centro da cidade. Mas não é isso que me faz velha.
O que me envelhece por dentro de tanta tristeza e vergonha é saber que em breve, muito em breve, os donos desse novo mundo que criamos serão os que hoje usam um lápis, não como arma para defender idéias, mas para simplesmente agredir. Filhos dos que hoje ameaçam “quebrar a cara” de seus desafetos profissionais em locais onde o trabalho e o respeito a um
objetivo maior e mais justo deveriam ser a tônica.
Neste futuro próximo, a quem caberá o papel de pregar a gentileza, o diálogo, o respeito e a educação?
* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Ponta do Leme, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com
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