Quem orienta a direção
Texto de Valéria del Cueto
Quando nasci ganhei uma correntinha com uma placa com meu nome gravado de um lado e a data do meu nascimento do outro. Foi na plaquinha que descobri que me chamava oficialmente Maria Valéria.
Nunca tirei a pulserinha, estivesse no mar, na terra ou no ar. Nem mesmo nas competições e treinos diários de natação, quando era atleta do Flamengo. Comecei a treinar no clube quando tinha 12 anos.
Um dia, entrei no treino com ela e saí sem. Tinha certeza que foi ali que ela caiu e desapareceu. Durante vários dias, entre os dias que – descobri - os ajudantes aspiravam a piscina velha do Flamengo, esquadrinhei aquela imensidão.
Primeiro mergulhando e vistoriando o fundo com os óculos de natação durante o treino – a piscina velha tinha mais de dois metros de profundidade – e depois dando uma força na limpeza, peneirando o fundo de azulejos.
Procurei muito a pequena lembrança, me recusando a entregar os pontos. Foi uma imensa tarefa. Totalmente em vão. Parecia que nos 25X50X3 metros havia perdido muito mais. Ali ficara, em um filtro qualquer, a minha infância. Desolada, desencanei. Mas não me esqueci, nem poderia. Durante anos me senti desnuda sem a correntinha de ouro e a plaquinha gravada. Pior. Me senti desorientada.
Sou canhota e, como tal, acredito piamente que minha esquerda é que é direita e sempre troco os lados. Um problema, por exemplo, quando digo para alguém: “Na próxima, dobre para a esquerda”. Cuidado, posso estar querendo dizer que é para entrar à direita.
A correntinha foi a tentativa mais feliz e eficiente de tentar solucionar esta confusão. Aprendi a sacudir o braço para saber que lado era qual. Se tivesse a pulseira, era ele, o esquerdo.
Nunca me liguei muito em jóias, sempre achei que elas são uma tremenda responsabilidade e hoje em dia não podem ser exibidas como deveriam, além de não serem exatamente um investimento rentável. Quando fiz quinze anos, preferi ganhar um gravador k7 portátil a uma jóia. Transgredi, mas mantive a festa, é claro!
Minha tia Rolinha, irmã da vó, que fazia aniversário um dia depois de mim me deu um conjunto de prata. Fomos escolher juntas, numa ourivesaria na Santa Clara, em Copacabana. Ganhei uma gargantilha de corrente e barrinha e duas pulseiras: uma com e outra sem a barrinha. Usei-as emendadas durante muitos anos, inclusive com a função didática anterior, até que alguma coisa – dizem que é no sangue - começou a escurecer a prata.
Meu avô, então, me deu uma outra pulseira de ouro. Tão fina, a ponto de quase não ser percebida, mas muito compacta e resistente, que era para não arrebentar. Esta não tinha a plaquinha.
Meu pulso é muito fino. Tão fino, que quando fui ajustar o presente, com o que sobrou deu para fazer um par de brincos de corrente. Costumo usá-los, de vez em quando.
A pulseira botei para nunca mais tirar. Não importando o modelo, estilo, atitude ou personagem, lá estava ela. Discretíssima e utilíssima. Não, ela nunca foi só uma questão da vaidade. Era muito mais, meu adereço sinalizador indispensável.
Assim foi até o dia dos Mortos, quando a vi no meu pulso ao me arrumar para sair. No dia seguinte, na hora do almoço, não estava mais lá. Tive a esperança que ela tivesse caído em casa, já que fui apenas até o vídeo e voltei. Achei que tivesse sido quando tirei de forma desajeitada a blusa de malha de manga comprida que usava. Esquadrinhei o apartamento, pedi ajuda a onipresente Neusinha. Minhas esperanças não foram suficiente para manter as buscas. Não há mais onde procurar.
Desde então além de triste, estou correndo sérios riscos. Temo, inclusive, pela minha eficiência de co-pilota. Domingo, na volta da feijoada da Mocidade Independente de Padre Miguel, na Lagoa Rodrigo de Freitas, disse ao meu amigo Maurício de Paula que pegasse o fluxo à esquerda, para irmos em direção a Ipanema. É claro que, pela minha indicação iríamos seguir via Jóquei, pelo lado oposto. O correto era irmos pela direita. Corrigi a tempo, com um aperto no coração ao sacudir o pulso procurando a sinalização salvadora.
Acho que a perda também afetou minha capacidade criativa. Com que vou ficar brincado enquanto penso numa frase bonitinha para terminar minhas crônicas?
* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Ponta do Leme, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com
Texto de Valéria del Cueto
Quando nasci ganhei uma correntinha com uma placa com meu nome gravado de um lado e a data do meu nascimento do outro. Foi na plaquinha que descobri que me chamava oficialmente Maria Valéria.
Nunca tirei a pulserinha, estivesse no mar, na terra ou no ar. Nem mesmo nas competições e treinos diários de natação, quando era atleta do Flamengo. Comecei a treinar no clube quando tinha 12 anos.
Um dia, entrei no treino com ela e saí sem. Tinha certeza que foi ali que ela caiu e desapareceu. Durante vários dias, entre os dias que – descobri - os ajudantes aspiravam a piscina velha do Flamengo, esquadrinhei aquela imensidão.
Primeiro mergulhando e vistoriando o fundo com os óculos de natação durante o treino – a piscina velha tinha mais de dois metros de profundidade – e depois dando uma força na limpeza, peneirando o fundo de azulejos.
Procurei muito a pequena lembrança, me recusando a entregar os pontos. Foi uma imensa tarefa. Totalmente em vão. Parecia que nos 25X50X3 metros havia perdido muito mais. Ali ficara, em um filtro qualquer, a minha infância. Desolada, desencanei. Mas não me esqueci, nem poderia. Durante anos me senti desnuda sem a correntinha de ouro e a plaquinha gravada. Pior. Me senti desorientada.
Sou canhota e, como tal, acredito piamente que minha esquerda é que é direita e sempre troco os lados. Um problema, por exemplo, quando digo para alguém: “Na próxima, dobre para a esquerda”. Cuidado, posso estar querendo dizer que é para entrar à direita.
A correntinha foi a tentativa mais feliz e eficiente de tentar solucionar esta confusão. Aprendi a sacudir o braço para saber que lado era qual. Se tivesse a pulseira, era ele, o esquerdo.
Nunca me liguei muito em jóias, sempre achei que elas são uma tremenda responsabilidade e hoje em dia não podem ser exibidas como deveriam, além de não serem exatamente um investimento rentável. Quando fiz quinze anos, preferi ganhar um gravador k7 portátil a uma jóia. Transgredi, mas mantive a festa, é claro!
Minha tia Rolinha, irmã da vó, que fazia aniversário um dia depois de mim me deu um conjunto de prata. Fomos escolher juntas, numa ourivesaria na Santa Clara, em Copacabana. Ganhei uma gargantilha de corrente e barrinha e duas pulseiras: uma com e outra sem a barrinha. Usei-as emendadas durante muitos anos, inclusive com a função didática anterior, até que alguma coisa – dizem que é no sangue - começou a escurecer a prata.
Meu avô, então, me deu uma outra pulseira de ouro. Tão fina, a ponto de quase não ser percebida, mas muito compacta e resistente, que era para não arrebentar. Esta não tinha a plaquinha.
Meu pulso é muito fino. Tão fino, que quando fui ajustar o presente, com o que sobrou deu para fazer um par de brincos de corrente. Costumo usá-los, de vez em quando.
A pulseira botei para nunca mais tirar. Não importando o modelo, estilo, atitude ou personagem, lá estava ela. Discretíssima e utilíssima. Não, ela nunca foi só uma questão da vaidade. Era muito mais, meu adereço sinalizador indispensável.
Assim foi até o dia dos Mortos, quando a vi no meu pulso ao me arrumar para sair. No dia seguinte, na hora do almoço, não estava mais lá. Tive a esperança que ela tivesse caído em casa, já que fui apenas até o vídeo e voltei. Achei que tivesse sido quando tirei de forma desajeitada a blusa de malha de manga comprida que usava. Esquadrinhei o apartamento, pedi ajuda a onipresente Neusinha. Minhas esperanças não foram suficiente para manter as buscas. Não há mais onde procurar.
Desde então além de triste, estou correndo sérios riscos. Temo, inclusive, pela minha eficiência de co-pilota. Domingo, na volta da feijoada da Mocidade Independente de Padre Miguel, na Lagoa Rodrigo de Freitas, disse ao meu amigo Maurício de Paula que pegasse o fluxo à esquerda, para irmos em direção a Ipanema. É claro que, pela minha indicação iríamos seguir via Jóquei, pelo lado oposto. O correto era irmos pela direita. Corrigi a tempo, com um aperto no coração ao sacudir o pulso procurando a sinalização salvadora.
Acho que a perda também afetou minha capacidade criativa. Com que vou ficar brincado enquanto penso numa frase bonitinha para terminar minhas crônicas?
* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Ponta do Leme, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com
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