domingo, 23 de janeiro de 2011

Correnteza, perigo!








Correnteza, perigo!

Texto e foto de Valéria del Cueto

Estou no meu elemento. Respiro fundo, apuro o olhar, afinando as imagens. O ambulante que vende cangas e afins passa por mim, com seus panos multicoloridos. Abro a bolsa, preparo a câmera. Tudo que vai em direção ao fim do Leme invariavelmente volta e em pouco tempo. O suficiente para me preparar para o registro. Pode ser esta a foto que acompanha a crônica. Kit completo.

O olhar vagueia, tanto como os pensamentos. A minha frente, entre o mar e eu, vejo a placa vermelha, fincada na areia com letras brancas com o aviso: “Perigo correnteza”, indicando a boca da vala que deixa um buraco de banhistas prevenidos.

Cair na correnteza é opção dos corajosos e destemidos de plantão ou de incautos que ignoram a advertência até o primeiro alarme ou puxão. Se for o caso dão trabalho aos salva-vidas que observam o movimento na orla do mar tranquilo.

Nesse caso, como disse há opções.

Fico pensando nas correntezas da vida em que não temos as tais opções. Que, simplesmente se apresentam sem nenhuma chance de interferência, independente do livre arbítrio, além da nossa vontade.

Nestas horas temos que encarar a face da adversidade, se valendo apenas do que carregamos. Somente com nossa bagagem interior. Consciente ou inconscientemente. É aí que nossos anjos e demônios se revelam.

Pela cabeça me passa o nome de uma pessoa, de quem tenho me lembrado muito nestes últimos dias. Um nome da minha vida mato-grossense. Sei que ele já se foi, depois de ter sido escanteado por gente que, definitivamente, não podia ter noção do trabalho que ele fazia.

Aprendi muito nas conversas intermináveis (se minha vontade valesse) que tivemos. O que tínhamos em comum? Acho que a vontade de querer saber sempre mais e – guardadas as devidas proporções – tentar prevenir o inevitável e ordenar o caos quando ele acontecia.

Falo do Dr Domingos Iglesias, o maior expert em cheias e vazantes, chuvas e queimadas que conheci assim, cara a cara.

Hoje vejo que a história dele é um pequeno capítulo no desprezo por tudo que ele lutou e defendeu. A Defesa Civil brasileira não existe. Não há planejamento, nem organização. Estamos à deriva sendo levados pela correnteza gerada pela incompetência, o despreparo e a inconseqüência das autoridades.

Agora, já não é mais tempo de escrever a crônica das mortes anunciadas. É o momento de narrarmos estarrecidos a dor das vidas perdidas e o que não está sendo feito por falta do que mais necessitamos: a ação competente e decidida da Defesa Civil. Aquela mesma que deixamos definhar e quase morrer.

PS: Como o meu personagem de Debret, o ambulante, não retornou conforme acreditei, vai a foto da placa, muito bem acompanhada.

* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte das séries Ponta do Leme e Parador Cuyabano, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com 

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