Texto e foto de Valéria del Cueto
Já que não dá para ser de lá, vai daqui que está de
bom tamanho! É duro trocar o som murmurante e inconstante do mar ressaqueado da
Ponta do Leme pela monotonia do motor quase ensurdecedor do enxuga lama do
Eduardo Paes aqui no pé da Ladeira Ari Barroso, mas fazer o que?
É claro que isso influencia até no desenho das mal
traçadas linhas imaginárias do meu quase extinto caderninho. A diferença entre
os dois é que sei, sinto e vejo que as páginas presas no espiral que me
acompanha há meses estão chegando ao final, se esgotando inexoravelmente, mais
uma vez.
Quanto a malfadada e malfeita obra prefeitural, não
sei não... Não há bolão capaz de adivinhar por quanto tempo os dois motores
seguirão rugindo embaixo da janela; os cinco ou seis funcionários, com suas
roupas de borracha amarelas, claramente sujas por fora (é óbvio) e por dentro
(é nojento e insalubre) e suas grossas mangueiras permanecerão, no horário
comercial, das 9 às 12 e das 13 às 17, enxugando a lama que não para de brotar
das tubulações. Sempre cheias de lodo, terra negra de sujeira e outras cositas
que afloram, dia após dia, no asfalto poeirento da Rua Ribeiro da Costa,
parcialmente interrompida para a espetacular performance (des)construtiva.
Enquanto os peões a retiram, a Dimensional,
empreiteira (ir)responsável pela execução da odisseia carioca do prefeito
Eduardo Paes, recebe pelo serviço de tecer o tapete (negro), tal e qual O
sudário de Laerte, pai de Ulisses, laboriosamente tramado e desfeito por nossa
Penélope eduardiana, e a natureza faz aquilo que sempre fez e se espera dela: a
cada chuva despeja ladeira e tubulação abaixo a lama nossa de cada dia!
A gente? Fica aqui com ar de palhaço, fazendo cara
de paisagem, como se o barulho ensurdecedor não fizesse mal nenhum à saúde e
pudesse ser ignorado durante as oito horas diárias de tortura chinesa a que
somos involuntariamente submetidos pelo motor que ruge esbravejante nos nossos
ouvidos.
Outro dia, ouvi uma pérola de um dos funcionários da
Dimensional. Ele disse que a operação continuaria até que eles conseguissem
esgotar a terra que escorregava lá de cima. Foi aí que cheguei à conclusão que
a comparação com a Odisseia, no início apenas uma piada, era realmente séria!
Os caras levarão anos chupando a lama. Não sei se
este era o objetivo inicial e consciente dos augustos engenheiros que
planejaram e executaram os trabalhos de infraestrutura do bairro, mas lipoaspirar
o morro inteiro levará milênios e, mesmo assim, acho difícil que consigam
realizar a hercúlea tarefa a que se propõem.
Uma coisa, meio assim a lá Garrincha, sabe? Quando
ele pergunta se o técnico combinou com os “Joões” como eles deveriam jogar, para que a tática
imaginada pudesse ser desenvolvida e aplicada.
É, por que até lipoaspirar a terra é possível, mas
como impedir as nascentes existentes lá em cima de jorrarem e escorrerem
encosta abaixo suas águas, trazendo junto areia e lama? Também tem o bom e
velho oceano e suas marés maravilhosas que fluem, refluem e explodem em
determinadas épocas do ano, avançando por dentro das galerias.
Ai meu santo pagador de obras! Provenha-nos para que
possamos seguir bancando financeira e pacientemente o cavalo de Tróia que nos
impuseram.
Isso, até que os deuses do Ministério Público, da
Justiça e/ou do Tribunal de Contas tomem providências e contabilizem o prejuízo
causado aos cofres do povo. Afinal, alguém precisa nos ajudar a tirar esse
dromedário troiano da nossa chuva!
*Valéria
del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte
da série “Ponta do Leme”, do SEM FIM...
delcueto.wordpress.com