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segunda-feira, 1 de março de 2021

O preço do silêncio


O preço do silêncio

Texto, foto de Valéria del Cueto

O silêncio vale ouro, diz o ditado, e a gente sempre pesa e pensa na ausência das palavras. Ultimamente, talvez por conta da pandemia, a frase adquiriu outro sentido. Muito mais amplo.

O ruído é tanto (e não é o Manifesto), que um momento de silêncio vale grafeno. Sabe o que é? O nanomaterial de carbono puro, (como o diamante) que é leve, condutor de eletricidade, rígido e impermeável.

O silêncio anda assim, tão excitante como o cristal mais fino conhecido, com utilidades em campos tão diversos como a dessanilização e purificação da água do mar e a redução de emissões de CO2. Sensores biomédicos poderão detectar doenças, células solares flexíveis e mais transparentes captarão energia. Ao ser adicionado a materiais de construção civil os torna mais leves e resistentes.

Tudo isso pode parecer distante do cotidiano. Mas e se o nanomaterial chegar aos cosméticos com sua pulverização na coloração dos cabelos? E na mobilidade urbana, com sua aplicação nos pneus e a fabricação de quadros de bicicleta que pesem 350 gramas?

O silêncio passou a ser tão valorizado quanto o grafeno! Enquanto todo mundo berra e grita, as obras martelam, quebram, esmerilham e calam os passarinhos prisioneiros das gaiolas do sétimo andar, as TVs, celulares, o “cinco, quatro, mais uma, três, dois, tá quase lá, ummm” da ginastica online do vizinho, o som das lives, dos filmes, das aulas, da porra da vida que passa.

O silêncio vale grafeno e o povo se esgoela pelos combustíveis fósseis...   

Passei a persegui-lo, o silêncio, como um prêmio. Tentei a madrugada, com quem tenho afinidade. Descobri que ele não existe e fica mais difícil no verão. Dezenas de aparelhos de ar condicionado habitam o meu quadrado. De um lado, do outro, em frente, em cima, embaixo... Tá tudo dominado pelos roncos dos motores, alguns desregulados. Nem os miados do gato do andar de baixo são capazes de superar a barreira do ronco de concreto dos aparelhos mal aparafusados e trepidantes, ainda sem a tecnologia fantástica do grafeno.

Os únicos com possibilidades de quebrar a barreira da monotonia monocórdia e calorenta são os latidos estridentes e histéricos do cachorro da vizinha que vem do alto, mas não muito. Mas ele prefere dar seu showzinho já de manhã, quando os ares já começaram a ser desligados. E nos acordar, claro. A mim e aos vizinhos, porque aqui ninguém larga a mão de ninguém. Tá todo mundo na mesma vibe, isso antes das obras enlouquecidas da pandemia. Virou sinfonia!

Sem o dia e a calada da noite o que resta? Trocar o quarto pela sala que dá para um espaço mais amplo e menos interno, apesar de ser de fundos. E apelar para o amanhecer.

A virada mais difícil para quem, como eu, gosta de atravessar a noite. Mas como ir dormir quando a batucada começa cedo e termina lá pela hora do chá? Das cinco da tarde...

Temos mais um esforço indesejado, porém necessário.

Achei o silencio por poucas horas, entre às seis da matina e o início da aula de ginástica e o “três, dois, um” online de um vizinho abusado e sem desconfiômetro que geme e bufa a cada movimento. Antes, pra saber que há vida na terra, se manifesta animadona a arara da casa da vila que tem a mangueira e outra árvore gigante que anima e esverdeia a coleção de janelas da parte interna do quarteirão.

E sim ele vale grafeno. Ver o nascer do dia se colorindo, no céu cercado de janelas adormecidas em Copacabana, em silencio total, custa caro para quem não gosta de acordar cedo.

E não tem preço quando a gente não sabe viver sem ele...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

domingo, 21 de abril de 2013

Tragédia grega

Texto e foto de Valéria del Cueto
Já que não dá para ser de lá, vai daqui que está de bom tamanho! É duro trocar o som murmurante e inconstante do mar ressaqueado da Ponta do Leme pela monotonia do motor quase ensurdecedor do enxuga lama do Eduardo Paes aqui no pé da Ladeira Ari Barroso, mas fazer o que?
É claro que isso influencia até no desenho das mal traçadas linhas imaginárias do meu quase extinto caderninho. A diferença entre os dois é que sei, sinto e vejo que as páginas presas no espiral que me acompanha há meses estão chegando ao final, se esgotando inexoravelmente, mais uma vez.
Quanto a malfadada e malfeita obra prefeitural, não sei não... Não há bolão capaz de adivinhar por quanto tempo os dois motores seguirão rugindo embaixo da janela; os cinco ou seis funcionários, com suas roupas de borracha amarelas, claramente sujas por fora (é óbvio) e por dentro (é nojento e insalubre) e suas grossas mangueiras permanecerão, no horário comercial, das 9 às 12 e das 13 às 17, enxugando a lama que não para de brotar das tubulações. Sempre cheias de lodo, terra negra de sujeira e outras cositas que afloram, dia após dia, no asfalto poeirento da Rua Ribeiro da Costa, parcialmente interrompida para a espetacular performance (des)construtiva.
Enquanto os peões a retiram, a Dimensional, empreiteira (ir)responsável pela execução da odisseia carioca do prefeito Eduardo Paes, recebe pelo serviço de tecer o tapete (negro), tal e qual O sudário de Laerte, pai de Ulisses, laboriosamente tramado e desfeito por nossa Penélope eduardiana, e a natureza faz aquilo que sempre fez e se espera dela: a cada chuva despeja ladeira e tubulação abaixo a lama nossa de cada dia!
A gente? Fica aqui com ar de palhaço, fazendo cara de paisagem, como se o barulho ensurdecedor não fizesse mal nenhum à saúde e pudesse ser ignorado durante as oito horas diárias de tortura chinesa a que somos involuntariamente submetidos pelo motor que ruge esbravejante nos nossos ouvidos.
Outro dia, ouvi uma pérola de um dos funcionários da Dimensional. Ele disse que a operação continuaria até que eles conseguissem esgotar a terra que escorregava lá de cima. Foi aí que cheguei à conclusão que a comparação com a Odisseia, no início apenas uma piada, era realmente séria!
Os caras levarão anos chupando a lama. Não sei se este era o objetivo inicial e consciente dos augustos engenheiros que planejaram e executaram os trabalhos de infraestrutura do bairro, mas lipoaspirar o morro inteiro levará milênios e, mesmo assim, acho difícil que consigam realizar a hercúlea tarefa a que se propõem.
Uma coisa, meio assim a lá Garrincha, sabe? Quando ele pergunta se o técnico combinou com os “Joões”  como eles deveriam jogar, para que a tática imaginada pudesse ser desenvolvida e aplicada.
É, por que até lipoaspirar a terra é possível, mas como impedir as nascentes existentes lá em cima de jorrarem e escorrerem encosta abaixo suas águas, trazendo junto areia e lama? Também tem o bom e velho oceano e suas marés maravilhosas que fluem, refluem e explodem em determinadas épocas do ano, avançando por dentro das galerias.
Ai meu santo pagador de obras! Provenha-nos para que possamos seguir bancando financeira e pacientemente o cavalo de Tróia que nos impuseram.
Isso, até que os deuses do Ministério Público, da Justiça e/ou do Tribunal de Contas tomem providências e contabilizem o prejuízo causado aos cofres do povo. Afinal, alguém precisa nos ajudar a tirar esse dromedário troiano da nossa chuva!

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Ponta do Leme”,  do SEM FIM... delcueto.wordpress.com 

domingo, 10 de março de 2013

O rolo rola pelo ralo


Texto e foto de Valéria del Cueto
Minha rota de fuga já é conhecida. Diante de qualquer abalo me procurem na Ponta, embaixo da pedra do Leme. O entorno guarda resquícios da tempestade que fez da máxima do prefeito Eduardo Paes uma dolorosa e triste realidade. Mais do que nunca, somos um rio. De lama e lixo, ele esqueceu-se de avisar.

Aqui, o mar alto que chegou com a chuvarada faz a feste do povo da água que se arrisca em altas ondas coladas a pedra. Para encurtar a rota e economizar  braçadas a rapaziada do bodyboard  pula do meio do Caminho dos Pescadores, já na boca da fera! E faz a festa.

Troquei sim o barulho ensurdecedor do rotorooter do Eduardo Paes pelo som delicioso das ondas do mar.

Já reparou? É a segunda vez que cito o nome do indigesto alcaide do Rio de Janeiro nesse texto. A culpa é dele que não me deixa esquecer sua atuação de Penélope Pavorosa, como diz um jornalista amigo, testemunha intermitente da obra mal feita  da Dimensional, empreiteira contratada pela Secretaria Municipal de Habitação, do engenheiro Jorge Bittar. Ela, que tentou a façanha de exigir que o esgoto do Chapéu Mangueira e da Babilônica fizesse a curva no pé da Ladeira do Leme e seguisse obediente pela Rua Ribeiro da Costa, descobriu que a ordem não seria seguida assim, de bom grado, de acordo com o excelente projeto planejado e executado pela referida empresa.

Resumindo: a curva entope e a língua negra da praia em frente, continua lá, como uma careta, escarnecendo da incompetência comprovada dos obristas do pedaço.

Assim é que, mesmo que me esforce para esquecer as  trapalhadas eduardianas, uma em cada quatro semanas, lá estão os diligentes operários da extraordinária Secretaria de Habitação, vestindo (agora) um incrível macacão amarelo “olha eu aqui” e suas respectivas galochas de borracha, chafurdando na lama contaminada do mega bueiro existente justo embaixo da minha janela.
Não bastasse o cheiro de podridão que me leva a uma associação imediata ao resumo das obras malfeitas e pagas com o dinheiro suado de nossos impostos, também sou obrigada a conviver com a poluição sonora no horário comercial, propiciada pelo motor constante do chupa lama necessário para desobstruir o joelho da tubulação do esgoto da prefeitura. No dos outros é refresco, senhor. Aqui, mal dá pra respirar.

Acontece que o conteúdo elameado, composto de dejetos, detritos e componentes afins içados das entranhas do asfalto ficam ali, no meio da rua, secando ao sol, sendo levado pelo vento marinho para as residências adjacentes. Enfim, nosso querido prefeito traz mensalmente, por uns 5 dias, a poluição, as doenças e a contaminação do esgotamento sanitário até nós, sortudos moradores do entorno. Quem não seria inesquecível com uma atuação exemplar como essa?

Mas, como sou uma pessoa justa, tenho que  reconhecer: o sistema de coleta vem se aperfeiçoando a cada nova incursão dos operários ao fantástico mundo das tubulações mal feitas. Além das roupas de borracha (daqui a pouco serão escafandros, por que respirar aquele ar merece mais do que um trocadinho de insalubridade), trocaram o carrinho de mão sem rodas, içado por cordas, que era o subidor da lama por uma sensacional escada para facilitar o sobe e desce do peão. (veja a foto ilustrativa do equipamento de última geração e grande precisão). 
Arrumar a engenharia e punir o (i)responsável pela empreita mal executada, nem pensar! Afinal, como Penélope enrolará as finanças  e desfiará mais um trocadilho dos idiotas de plantão? É por isso que eu... rio!  

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Ponta do Leme”,  do SEM FIM... delcueto.cia@gmail.com