Ver não é olhar
texto e foto de Valéria del Cueto
Sei que um lugar está em mim quando consigo me locomover em seu espaço com meus próprios olhos, sem as lentes de contato ou os óculos que corrigem minha deficiência visual, que não é pouca. Então, quando me pego guiada pelos meus registros pessoais, sei que estou quase em casa.
Alguns lugares, e nestes me sinto realmente em casa, sou capaz de percorrê-los até voando, tão nítidos estão dentro de mim. Voando nas asas da minha imaginação, fique bem claro, o que na verdade, não está. Pois o que vejo pensando não é imaginação, algo fantasioso. É totalmente real, à beira do palpável.
O apartamento em que nasci, no Leme (nasci numa clínica em Botafogo, mas só fui parida lá, acho que acordei pro mundo no Montese, a casa dos meus avós, na Gustavo Sampaio), é um desse lugares.
Outro lugar assim, mas um pouco mais difícil por que muda muito sua geografia, é a ilha do Brandão, em Angra dos Reis. Lá, tive uma casa grande, cercada de outras menores, todas com nomes como Ametista, Samasati... Andava pelos meus domínios, cheios de escadas, subidas, rampas e muito limo, com uma desenvoltura surpreendente. Ia da casa principal até a beira do deck, depois quebrava em direção ao cais, onde mergulhava, ainda muito sonolenta, pra dar bom dia para Josefina, a tartaruga e um alô para o Bodião antes do café. As lentes de contato ainda repousando no líquido reparador em seu estojo apropriado.
A gente aprende a ouvir o lugar. Esse é o primeiro segredo para conseguir enxergá-lo, os sons e também o tato ganham uma importância incrível. No mais, sombras, manchas e borrões, totalmente nítidos (?).
A memória também passa a ser um sentido. Faz com que descubramos áreas insuspeitas no nosso HD interno. E, outra coisa que já observei: essa mesma memória pode ser acabado de acontecer. Um exemplo?
Vamos lá. Outro lugar. A casa da minha tia, em Uruguaiana, onde passei algumas férias e morei antes de me casar. Voltei trinta anos depois, no carnaval deste ano, 2009. Uma noite, acordei com sede e, quando vi, lá estava eu com todas as luzes da casa apagadas, andando tranquilamente no escuro pela cozinha, após passar pelo corredor e a sala, com se aquilo fosse uma coisa que fizesse todas as noites dos tantos anos que passei fora...
Hoje longe, muito longe, de Uruguaiana e do meu Leme, me vejo tendo o mesmo tipo de atitude totalmente à vontade num novo espaço, recém incorporado na minha geografia. .. Me peguei andando pela casa da rua da Piscina, sem número, numa tranqüilidade assustadora, daquelas que indicam que ali, já é um meu lugar. Ainda palmilhável e explorável, já que muito recente. Mas de lá já registrei parte do caminho no meu GPS residencial, incluindo a escada de barco, obstáculo perigosíssimo para que eu alcance a geladeira quando, meio zumbi, vou em busca de um copo de água na escuridão noturna do chalé da Chapada dos Guimarães, centro oeste brasileiro.
Ver, definitivamente, nem sempre é apenas uma questão de olhar...
* Valéria del cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. artigo da série Ponta do Leme
Alguns lugares, e nestes me sinto realmente em casa, sou capaz de percorrê-los até voando, tão nítidos estão dentro de mim. Voando nas asas da minha imaginação, fique bem claro, o que na verdade, não está. Pois o que vejo pensando não é imaginação, algo fantasioso. É totalmente real, à beira do palpável.
O apartamento em que nasci, no Leme (nasci numa clínica em Botafogo, mas só fui parida lá, acho que acordei pro mundo no Montese, a casa dos meus avós, na Gustavo Sampaio), é um desse lugares.
Outro lugar assim, mas um pouco mais difícil por que muda muito sua geografia, é a ilha do Brandão, em Angra dos Reis. Lá, tive uma casa grande, cercada de outras menores, todas com nomes como Ametista, Samasati... Andava pelos meus domínios, cheios de escadas, subidas, rampas e muito limo, com uma desenvoltura surpreendente. Ia da casa principal até a beira do deck, depois quebrava em direção ao cais, onde mergulhava, ainda muito sonolenta, pra dar bom dia para Josefina, a tartaruga e um alô para o Bodião antes do café. As lentes de contato ainda repousando no líquido reparador em seu estojo apropriado.
A gente aprende a ouvir o lugar. Esse é o primeiro segredo para conseguir enxergá-lo, os sons e também o tato ganham uma importância incrível. No mais, sombras, manchas e borrões, totalmente nítidos (?).
A memória também passa a ser um sentido. Faz com que descubramos áreas insuspeitas no nosso HD interno. E, outra coisa que já observei: essa mesma memória pode ser acabado de acontecer. Um exemplo?
Vamos lá. Outro lugar. A casa da minha tia, em Uruguaiana, onde passei algumas férias e morei antes de me casar. Voltei trinta anos depois, no carnaval deste ano, 2009. Uma noite, acordei com sede e, quando vi, lá estava eu com todas as luzes da casa apagadas, andando tranquilamente no escuro pela cozinha, após passar pelo corredor e a sala, com se aquilo fosse uma coisa que fizesse todas as noites dos tantos anos que passei fora...
Hoje longe, muito longe, de Uruguaiana e do meu Leme, me vejo tendo o mesmo tipo de atitude totalmente à vontade num novo espaço, recém incorporado na minha geografia. .. Me peguei andando pela casa da rua da Piscina, sem número, numa tranqüilidade assustadora, daquelas que indicam que ali, já é um meu lugar. Ainda palmilhável e explorável, já que muito recente. Mas de lá já registrei parte do caminho no meu GPS residencial, incluindo a escada de barco, obstáculo perigosíssimo para que eu alcance a geladeira quando, meio zumbi, vou em busca de um copo de água na escuridão noturna do chalé da Chapada dos Guimarães, centro oeste brasileiro.
Ver, definitivamente, nem sempre é apenas uma questão de olhar...
* Valéria del cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. artigo da série Ponta do Leme
5 comentários:
gracias valeria
Bacana, Valéria. Dei uma "viajada" perceptual ao ler seu texto. Você mora agora na Chapada dos Guimarães. Bacana, eu não sabia ou não tinha ligado tico e teco.
Ivan, voltei pra Mato Grosso para fazer um trabalho político em Cuiabá, mas aluguei um chalé na Chapada, como rota de fuga. Moro na Rua da Piscina, sem número...
O pior míope é aquele que não quer usar óculos...
Depois não sabe porque acorda de manhã cheia de hematomas.
Agora é que o bicho está pegando...Uma lente perdeu a validade e a nova parecia que não era "ensaboada". Fui tirar do estojo e acabei rasgando a dita cuja com a unha. Resumindo: só me resta o óculos, e muitas dores: de cabeça e no nariz, já que ele pesa demais no meu narizinho quebrado. Até a greve dos Correios acabar e a entrega se normalizar estou no prejuízo. E que prejuízo...
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