
Higienização lítero-ambiental
Texto e foto de Valéria del Cueto
Chatinha mesmo essa história de sentir que há alguma coisa faltando. Mais ainda quando se descobre vítima de uma cilada própria e – pasmem – voluntária.
É o caso em questão: o antigo desafio de escrever um texto semanal. E se o tal desafio o chama, é por que assim o é. Atos e fatos inesgotáveis, não importam em que circunstâncias, a serem retransmitidos periodicamente.
Quase um ritual para o qual são necessários pré-requisitos, ainda que mínimos e flexíveis, até certo ponto.
Inicialmente era uma tarefa domingueira. Não, antes, uma alegria de sextas feiras, uma provocação às feiras anteriores alheias, cheias de trabalhos e preocupações em contraste gritante com a doce contemplação da Ponta do Leme.
Com a variação latilongitudinal, provocada por mais uma missão profissional, fez-se necessária também uma adequação. Do dia, mantendo-se a periodicidade semanal. As manhãs domingueiras chapadenses emolduraram e inspiraram a série Parador Cuyabano.
A seca inclemente reduziu as possibilidades, ofuscou o horizonte e estreitou a visão. Dançou a Chapada dos Guimarães, politizou-se o espírito, mas não houve contaminação do conteúdo. O foco afinado. Confinando a energia, direcionada para o ponto central. Manter a freqüência, não importa quando. Vale a produção.
Assim, privada do ambiente físico e com uma justificada dificuldade de criar o aconchego mental necessário e profícuo à criação literária semanal, fui empurrando a tarefa em direção aos deadlines da impressão dos periódicos co-irmãos. Até bailar em uma ou duas publicações...
Certa de que esta lacuna não prejudicou sobremaneira as expectativas dos leitores – eles sabem que parto do princípio que “se não há nada a ser dito o silêncio é mais eloqüente do que algumas tolices mal escritas”. Mas, consciente de que o excesso de ausências desconstrói o objetivo de manutenção da regularidade das séries de crônicas do Sem Fim (Ponta do Leme, Parador Cuyabano e Fronteira Oeste do Sul), recupero meu fôlego.
E – reconheço o artifício - apelo para uma de minhas musas inspiradoras preferidas para recolocar o trem das crônicas do Sem Fim nos trilhos da criatividade que sempre conduziu em seus dormentes de madeira de lei os vagões das idéias aqui reproduzidas nos últimos anos. Volto à Ponta do Leme.
Sob o sol primaveril e ainda gelado do hemisfério sul, observo o gigantesco Oceano Atlântico numa senhora ressaca, para registrar a ausência dos grafites coloridos e criativos na mureta recém caiada do Caminho dos Pescadores, na Pedra do Leme. Certamente uma iniciativa militar de um novo comandante do Forte Duque de Caxias e uma nova “tela em branco” para os artistas sorrateiros que desafiam a guarda para colorir o espaço onde há anos registro
as diversas atividades grafiteiras, engolidas sistematicamente pelos milicos, favoráveis a manterem o lugar “limpo”. De cores, imagens e idéias. Faz tempo que a técnica não funciona...
Assim como a mureta/caminho, preparada para receber as novas formas artísticas clandestinas, minhas páginas em branco se abrem para as experiências inéditas que virão.
Aguarde-nos, amigo leitor!
* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Ponta do Leme, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com
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