Texto e foto de Valéria del Cueto
Meu chuveiro é antigo e o encanamento mais ainda. Suponho que do tempo em que o prédio foi construído, há umas quatro décadas atrás.
Quando desligo a água, o fim do pinga-pinga nunca é imediato. Sempre fica uma tosse, depois um fio d’agua constante, como um longo suspiro e depois começa uma pingação que vai diminuindo, diminuindo até parar.
Era assim. Agora, varia. Acontece que a carrapeta da torneira esta nas últimas, dando sinais de exaustão do material. De vez em quando, ela refuga, ou cola, sei lá, e aí o pinga-pinga rola solto, sem mudanças de ritmo. Até que, seja pelo barulho, ou pelo sinal colateral do tapete ensopado, eu possa abrir as torneiras e reapertá-las adequadamente.
Prestou atenção no termo? Adequadamente não quer dizer firmemente, nem fortemente. Se for com essa disposição e impaciência, pinga, pinga, pinga... Tem um ponto certo. Nem muito apertado, nem frouxo.
Agora, quando saio do chuveiro além de me preocupar em desligar o aquecedor de gás, tenho que esperar até descobrir o tipo de pingo que vem lá. Se o constante ou o agonizante. O que vai seguir horas a fio desperdiçando o líquido precioso (o que minhas convicções sócio-ecológicas não permitiria).
Estou ficando prática. Até reconheço a situação vigente, rapidamente pelo som. São diferentes personalidades e formas de se chocar como chão do box. Engraçado é que a mais agressiva, na verdade, é a que definha e desaparece. O problema está na mais suave. Esta é a que se abanca.
Assim, a vida da gente vai ficando cheia de manhas.
A janela de guilhotina que se mantém aberta sustentada por um pedaço de madeira encaixado (no meu caso, substituí o apoio por tubos de posters, que estavam mais à mão). A fechadura que trava se tiver uma chave por dentro e colocar outra por fora, ou vice-versa. A porta que precisa de um jeitinho para encaixar no batente, enfim coisas de apartamento velho.
É assim com tudo na vida. Até o dia que a carrapeta abre o bico de vez e precisa ser definitivamente substituída por outra, que custa uma bagatela. Um gesto simples depois de executado, mas deixamos a situação chegar as últimas conseqüências antes de realizá-lo. Só notamos a praticidade do adiado quando as conseqüências são desastrosas.
Quantos aborrecimentos poderiam se evitados.
Contado assim, poeticamente, a gente não visualiza a possibilidade, por exemplo, do modo B, ou seja, a pingação constante, acontecer na hora de sair de casa, para um compromisso formal, ou seja, com hora marcada.
Já são quase 900 mortos na região serrana do Rio de Janeiro, provocadas por carrapetas não trocadas, providências não tomadas, obras não realizadas, verbas não liberadas...
Além é claro, da força poderosa das águas que vem para cobrar sem misericórdia a dívida do descaso e leva a culpa pela incompetência geral.
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