segunda-feira, 23 de maio de 2011

A espera da empadinha






A espera* da empadinha

Texto e foto de Valéria del Cueto

A vida que pedi a Deus inclui este momento.

Hidroginástica com minha avó, ainda meio dormindo, apesar do cafezinho fresco na casa dela quando passo para buscá-la. Voltar pra casa pra trocar os apetrechos, pegar o livro, tomar um suco e partir para a praia do Leme.

O sol, graças a Deus, resolveu aparecer acompanhado por uma brisa enganadora que não deixa a gente morrer de calor, mas pode provocar aquela exposição excessiva ao sol que termina obrigando os mais incautos a quererem dormir pendurados no cabide com o corpo coberto de caladril.

Após as tempestades que deixaram o tempo uma porcaria chuvosa e nebulosa o mar não está para banhistas. As ondas estão para surfistas. Observo-os em dois pontos do meu raio de visão.

No canto da Pedra do Leme, embaixo do final do Caminho dos Pescadores, os mais experientes grudados em suas pranchas lambem o costão. O local tem uma pequena capacidade de surfistas por metro quadrado e só determinadas ondas da série permitem a tentativa de realizar as manobras junto da pedra.

No mais, é esperar uma vaga ou cair para o segundo pico mais à direita um pouco fora do ponto habitual. Aí, as ondas estão altas e muito atrativas, apesar da adrenalina ser menor.

A maré alta impede que se tenha uma idéia do quanto da areia da Ponta do Leme é “comida” nessa época do ano. No Arpoador elas batem direto no paredão.

Levanto os olhos do caderno a tempo de ver as manobras perfeitas de um surfista no pico junto ao Caminho dos Pescadores. Ele remou rente ao paredão, colou na parede e saiu numa diagonal no sentido oposto até o final da onda sem cair da prancha, em pé até que o empuxo perdesse toda sua força. Clássico! Gritos e aplausos dos demais se juntam ao meu longo assobio de parabéns ao atleta. Sei que posso ser ouvida. Meu assobio é de Maracanã. Altíssimo.

O próximo passo é mergulhar no excelente romance tijolo que estou lendo e ir rodando na canga, no sentido do sol.

Adoro ler e fico melancólica quando vou chegando ao final de um livro muito bom. O que me consola é que posso partir em busca de outras grandes histórias, que deixarão saudades também...

É sexta feira. Um dos meus dias preferidos para vir à praia e comer empadinhas de queijo saídas do forno na loja de sucos em frente de casa. Mas só posso realizar mais este item do meu dia ideal depois do meio dia, horário de abertura do estabelecimento.

Por isso estou aqui, ao sol da Ponta, fazendo hora pacientemente a espera da empadinha.

Está tudo perfeito...

* tipo de caçada em que os caçadores "esperam" na trilha que o animal  usa para beber água.

* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série Ponta do Leme, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com