domingo, 22 de janeiro de 2006

NO LEME, 18 É POUCO. DO RESTO, NÂO SEI DIZER...






texto e foto de Valéria del Cueto

janeiro de 2006




Ano
novo, caderno novo, vida nova... Projeto enquanto coloco, no alto da folha do
caderninho ainda engomado, a data de hoje. Pauzinho, bolinha, barrinha, bolinha,
pauzinho, barrinha, bolinha, bolinha mal calculada. 10/01/06. É isso aí. Da Ponta
do Leme, beira de Copa, orla do Rio, sudeste do Brasil... 2006.


Antes
da avaliação climática de praxe, respiro fundo... e inspiro areia e chuviscos
do vento que, em rajadas irregulares e mal calculadas, macula o dia clássico de
verão. Só há um jeito de sobreviver. Se entregando ao som inconstante e a seus
significados intrínsecos: areia, sal, calor e vento. Não necessariamente nesta
ordem...Ordem?


Tempo
enganador. Não dá para notar o sol que castiga, amenizado pelos rasgos de
ventania. O mar tem carneirinhos também inconstantes. E, se está para peixe,
certamente, não quer papo com os banhistas que tentam encarar sua água gélida.






Disseram-me.
Eu vejo e, por isso, dispenso apresentações pessoais. Perguntei para o cara que
pediu para cuidar dos óculos, chaves e havaianas, enquanto ia dar um mergulho,
quando ele voltava, um tempo depois da empreitada. Só confirmei o que já havia
observado através das atitudes dele.




Seguiu
para a água todo animado. Quando atingiu a faixa de areia dura, recém molhada
pela última onda mais espraiada, reduziu discretamente o passo e continuou corajosamente
em frente. Sua disposição diminuiu visivelmente quando a próxima marola mais
afoita lambeu seu pé.




A
primeira onda que chegou a altura de seu tornozelo fez com que os músculos de
seus ombros se contraíssem e os braços se elevassem numa posse de gaivota
querendo voar. Eu disse que a primeira onda pegou só um dos tornozelos? O outro
estava elevado fugindo do encontro inevitável com o mar gelado. Vamos trocar a
imagem da gaivota pela da garça. É mais “d´acord”.






Foi
nessa fase que ele ficou mais tempo. Com a água pela canela. Tentando convencer
seu cérebro a guiá-lo mar adentro. Explicando para seus nervos, músculos e
esqueleto que não ficariam ali para sempre. Era só um mergulho refrescante. Achei
que não ia encarar o desafio de frente...Fiquei olhando um tempão.






E
ele lá. Na beirinha.


Uma
rajada mais forte de vento e maresia encheu meus domínios de areia. Canga,
bata, chinelo... Nada ficou incólume. Tentando salvar meus pertences e os do cara
de serem soterrados, desviei minha atenção. Justo no momento do mergulho.






Quando
recuperei os sentidos, embotados pelo vento e pela tempestade de areia, o
momento crucial havia se perdido. Já disse em outras eras e volto a repetir.
Como na vida. Focamos nosso olhar e/ou sentido, aguardando um momento único,
raro. Deixamos de olhar em volta. Mas “motivos de força maior” acabam desviando
a atenção. A ação acontece, o momento passa. Horrível.


Não,
não a sensação. Esta, é de ter sido inadiável. Ser sempre inevitável. De que
perdemos o bonde. Que bonde? Nunca saberemos. Horrível é a resposta, quando indago
ao banhista sobrevivente sobre a temperatura da água, depois de ter recuperado
seus pertences, enquanto agradece e se despede, perguntando gentilmente sobre o
que estou escrevendo, tão concentrada.


Sobre
o dia, sobre a Ponta, do Leme, respondo engolindo a maresia e um pouco de areia
trazida pelo vento leste, incomum nesta época do ano, de água estupidamente
fria: 18º não é para qualquer banhista. Paciência. As rajadas estragam a minha praia, mas
fazem a festa de outros que também amam o mar: a tribo do windsurf. Bons e inesperados ventos abrem o
ano de Iansã.



Valeria del Cueto é jornalista e cineasta
liberado para reprodução com o devido crédito

http://delcueto.multiply.com















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