segunda-feira, 9 de maio de 2011

Bola, a parábola.










Bola, a parábola

Texto e foto de Valéria del Cueto

Tenho uma praia só pra mim. A areia, quero dizer.

O sol voltou, um vento sopra, o mar está alto. Não tanto quanto ontem quando ondas enormes e gulosas lambiam o final do Caminho dos Pescadores, na Ponta do Leme, Rio de Janeiro, Brasil.

No mar, surfistas e afins aguardam pendurados em suas pranchas, de costas para a areia e de frente pro oceano, os sinais das ondulações no horizonte.

A minha direita, a mais de cinqüenta metros, uma menina olha as manobras, cercada de pombos por todos os lados. Na curva do Leme, a pedra, passa um avião que agorinha levantou vôo do aeroporto mais charmoso do país, o Santos Dumont.

A direita uma bicicleta indica o local onde uma moça estende a canga. Pertinho, um vendedor de sorvete e biscoito Globo baixou sua carga e descansa perto dela, entre nós há uns vinte metros, no mínimo. Nas minhas costas, poucas pessoas caminham pelo calçadão. Afinal são duas horas.

Há vida entre o mar e eu. Um objeto a vitaliza. Trata-se de uma boa e já bastante gasta bola de futebol. Ela, como sempre, atrai seus seguidores. Já vi esse filme antes.

Começa despretensiosamente. Um cara aqui, outro ali, na beira d’água. Bola vai, bola vem, aparece mais um interessado. De passes rasteiros eles evoluem para o altinho, onde a bola não pode tocar no chão. Chega mais gente.

O próximo movimento é a procura das cascas de coco, enche-las de areia. Pra demarcar os gols.

Há vida na minha praia e me divirto com ela!

Mais ainda quando a orla está planinha, sem degraus ou inclinações, como hoje. A maré baixa propicia um campo excepcional para a pelada que se arma.

Eles não estranham minha presença. Estão acostumados a me verem por ali, de arquibancada, acompanhado os lances do jogo. Um jogador já me perguntou, um dia, e expliquei pra ele que adoro futebol. De campo, de várzea, de areia...Pelada mesmo.

Poderia dizer que é uma terapia, mas não se trata disso. É a confirmação de que estou no lugar certo, na hora certa. Quando os deuses do futebol se manifestam, e enquanto o mundo se barbariza em lutas viscerais e seminais, eles nos mostram um caminho para e o diálogo e a união.

Que pode começar em qualquer praia. Na minha, certamente. E, quem sabe, na sua também...

* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série Ponta do Leme, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com