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sábado, 14 de junho de 2008

A voz do povo, o dom de Jamelão


A voz do povo, o dom de Jamelão

Texto e fotos de Valeria del Cueto

Odeio tecnologia! Diz uma das minhas gêmeas que me habita, fechando o circuito do paradoxo ambulante que costumo ser.
Estou no 1º. Fórum de Mídia Livre, na UFRJ, Rio de Janeiro, quando recebo pelo celular a mensagem da minha fonte 001, Lúcia Gutierrez, com seguinte texto: “ Jamelão morreu”
E só. O-d-e-i-o tecnologia, mas agradeço a gentileza da minha mãe ao me passar a informação. Ela sabia o buraco negro que se abriria e como eu precisaria enchê-lo o mais rapidamente possível para não... emburacar.
Saí do prédio da UFRJ e corri para meu abrigo antinúcleopsicocelular. A praia, a Ponta, do Leme.
Já tinha planejado tomar o sol delicioso que brilhava desde cedo na hora do intervalo de almoço, mas não imaginei que o faria assim, sob o impacto da notícia esperada, afinal Jamelão tinha 95 anos, porém não aguardada.
Então, diante do fato inexorável, só me resta prestar-lhe minha humilde homenagem. E acho que a melhor maneira de faze-lo é reeditando seu último encontro com o povo do carnaval do Sambódromo, este que venerava o ídolo que sempre será.
Fui testemunha e registrei as cenas ocorridas no sábado das campeãs do carnaval de 2006, quando ele, Jamelão, pisou na Marquês de Sapucaí para  “interpretar” (ele não admitia ser chamado de puxador) o samba enredo da Mangueira. Narrei sua entrada na avenida, fotografei seu encontro com populares no Setor 1 e gravei o áudio do esquenta da escola no recuo de bateria na concentração, comandado por ele.
Mangueira, teu cenário ficou ainda mais belo com a luz de Jamelão brilhando no teu céu, verde e rosa.
Obs: Leia o texto ... E Êxito, veja as fotos de Jamelão, ao som do esquenta do sábado das campeãs do carnaval de 2006



 Valéria del Cueto é jornalista e cineasta
liberado para reprodução com o devido crédito

Este artigo faz parte da série Ponta do Leme

quinta-feira, 20 de abril de 2006

JAMELAO por Valéria del Cueto




Depois da frustração, o êxito...
E lá vinha ele, passara pelo portão da concentração e se dirigia para o primeiro recuo da bateria.
O povo aplaudia e ele fazia de conta que não era com ele..

...E ÊXITO








...E ÊXITO
de Valeria del Cueto
abril de 2006


















Uma única nuvem entre o sol e eu provoca um calafrio na
minha espinha dorsal. Ele me lembra a missão que me trouxe, mais uma vez, ao
meu posto de observação vivencial, a Ponta do Leme, Copacabana, Rio de Janeiro.Estou
devendo o outro lado da história, a outra face da moeda, o oposto da
frustração que relatei
no artigo que traz este nome...


Vim falar do êxito. Inesperado, registrado, temido e, agora,
comemorado.


CALENDÁRIO VALERIANO
Ainda estou na Sapucaí. Peço desculpas pelo atraso
cronológico, mas alguns fatos e sensações demoram um tempo para serem digeridos
e, então, expostos. A ficha custa a cair... É como se, por alguma razão
secreta, preferisse, primeiro compartilhá-los com meus vários eus e, assim,
amadurecer suas conclusões. Se eu fosse jornalista (!) esta história perderia
seu valor factual na segunda feira, após o desfile do sábado das campeãs. Como
observadora da Ponta do Leme sou dona não apenas do meu espaço praiano, mas
também, do meu próprio texto.


Voltemos, pois à Sapucaí no sábado das campeãs. A próxima
escola a desfilar é a Mangueira. Os portões da concentração ainda não foram
abertos. Estava concentrada em de registrar os mestres das baterias, já sabendo
que havia perdido as fotos do desfile da Portela, na segunda anterior, mas
ainda fiel ao tema.


NA CONTRA MÃO
Depois de fazer a série de fotos dos instrumentos da Mangueira,
“armados” na concentração, voltei para a avenida com uma tremenda dor nos pés.
Queria dar uma respirada antes da escola armar e do esquenta em frente ao Setor
1 (como se sabe, a arquibancada do povão), bem na entrada da pista.


Passei pelos portões, que permaneciam fechados, pois ainda
não havia terminado a apresentação da Beija Flor.Vários fotógrafos cruzavam
comigo, indo na direção oposta. Como um cardume, eles corriam para fotografar a
celebridade de plantão que se preparava para o desfile. Não dei a mínima
atenção e, na contra-mão da correria, caminhei em direção ao primeiro recuo da
bateria a metros e metros de distância.


O SOM É O TOM
De repente, comecei a ouvir aplausos, gritos e assobios
vindos do princípio da arquibancada. Virei para ver o que provocava o tumulto,
que parecia me acompanhar pela pista. Eu andava, e o barulho ia junto.
Certamente não era comigo.


Pelo mesmo caminho que eu percorria, alguns metros atrás,
ele vinha vagarosamente apoiado em sua bengala de madeira, disfarçado sob seu
chapéu, trajado de verde e rosa. Como se nada estivesse acontecendo.
Tranqüilamente, aparentando o mau humor lendário que já virou marca registrada.
A arquibancada grita, agora, seu nome. Como se fosse torcida de futebol: JA-ME-LÃO,
JA-ME-LÃO.


HORA DA DECISÃO
Ele fazia de conta que não era com ele. A primeira coisa que
pensei, ainda traumatizada com meu fracasso anterior, foi: “Não vou conseguir”.
Mil empecilhos passaram chispando pela minha cabeça. “Os fotógrafos vão
cercá-lo e tirar meu ângulo” Ninguém parecia ter notado o que estava
acontecendo. “Ele vai parar para falar com alguém”. E Jamelão ali na minha
frente. Impoluto e solitário. A arquibancada em peso ovacionava um dos
personagens mais queridos e reverenciados do carnaval carioca. “O que faço?”
pensei ainda medrosa. “Gravo este áudio, fotografo, faço tudo ou não faço
nada?”.


O PEDIDO
“Moça!”, gritaram pela grade, “tira uma foto para mim”,
pedia um, com a camisa da Vila. “É o Jamelão”, ele informou, dispensando
maiores explicações para o pedido.“Fotografo”, decidi me enchendo de coragem.


Peguei sua caminhada, ainda ignorando o tsunami que sua
passagem provocava. O clamor – esta é a palavra – não mudou o ritmo dos passos
de Jamelão até quase a metade da passarela em frente ao setor mais popular da
Sapucaí.










A REVERÊNCIA
Consegui registrar o momento em que ele resolveu se dar
conta de que aqula gritaria toda era com
ele. Jamelão parou, trocou algumas palavras com um conhecido que o
cumprimentava, se virou e olhou para a multidão. Deu uns passos em direção a
arquibancada e, de frente para ela, levantou sua bengala, colocou a mão no
peito e, respeitosamente, baixou a cabeça saudando o povo que, agora, delirava
diante da lenda mangueirense.



LAMBE-LAMBE
Eu, meio que não acreditando que estava no lugar certo, na
hora exata, disparava a câmera. Concentradíssima. Foi quando ouvi as minhas
costas, o homem pedindo de novo: “ Tira uma foto para mim...” e dei de cara com
sua mão estendida entre as barras da grade agitando uma câmera descartável.
Pensei comigo: “Se ganhei o presente, por que não compartilhá-lo?” Peguei a
câmera do cara, corri para chegar mais perto, em busca de um ângulo bacana, de
um Jamelão um tanto intrigado com minha
movimentação e clic! Mais uma foto.











Quando fui devolver o equipamento, outra mão, outro pedido,
mais uma foto e muitos agradecimentos. Foram várias as fotos que tirei para
muitas pessoas. Elas passavam suas câmera digitais, analógicas ou pré-históricas
pelas grades. Eu, quando ia devolver uma, ouvia o pedido de outra pessoa e, quando
via, estava me jurando “esta será a última” enquanto corria novamente em direção
a Jamelão tentando achar a melhor foto por um novo visor.

A LENDA
Como já disse, foram várias fotos, até que ouvi de um
Jamelão muito mal humorado: “Minha filha, não vai parar não?” Respeitei o
pedido dele, pensando com meus botões “Senhor Jamelão, enquanto o senhor
estiver parado aí eles vão continuar me pedindo para tirar fotos e, por uma
questão de princípios, não vou recusar a gentileza”. Mas, da minha boca, não
saíram estas palavras. O máximo que consegui dizer foi: “Só posso parar, quando
o senhor andar...” Aí, acredite, ele riu e se foi em direção ao recuo da
bateria.









O INTÉRPRETE
Na seqüência, ainda tive a chance de gravar o áudio do esquenta da Mangueira
e ouvir a voz de Jamelão ecoando na Avenida “mangueira teu cenário é uma
beleza...” Beleza mesmo foram os momentos em que parte deste cenário esteve
ali, bem pertinho, só para mim e todo o povo do Setor 1.

Já sei. Você quer saber se o êxito foi completo, ou se, como
na Portela, nadei, nadei e morri na praia da revelação. Foi tudo, meu caro leitor. É o todo.
E pode ser apreciado no delcueto de
sempre, onde deságuam frustração... e êxito, na medida em que
a vida vai se apresentando aqui na Ponta. Do Leme...













Valeria del Cueto é jornalista e cineasta

liberado para reprodução com o devido crédito

http://delcueto.multiply.com
este artigo faz parte da serie Ponta do Leme