sexta-feira, 17 de maio de 2024

Aumenta que isso aqui é o carnaval carioca! Três dias de desfiles do Grupo Especial.


Quanto mais, melhor?!

Aumenta que isso aqui é o carnaval carioca!

Três dias de desfiles do Grupo Especial.

Texto, fotos e vídeos de Valéria del Cueto

Não, o próximo carnaval não vai ser igual aquele que passou. São muitas as novidades anunciadas após a eleição de Gabriel David, de 26 anos, filho do lendário patrono da Beija-Flor Anísio Abraão David, para a presidir a LIESA – Liga das Escolas de Samba no final de abril. É ela que dá as cartas no carnaval do Grupo Especial do Rio de Janeiro.

De geração à geração, Gabriel David e a mini passista

Já na apresentação de sua equipe uma quebra de paradigmas. Três diretorias são ocupadas por mulheres. Rafaela Bastos, gestora pública e vice-presidente de projetos especiais da Mangueira, substitui Gabriel na diretoria de marketing, cargo criado em 2021; Evelyn Bastos, rainha de bateria e presidente da escola mirim Mangueira do Amanhã, assume a diretoria cultural e Natália Louise, que acompanha o novo presidente da Liesa desde sua passagem pela Beija-Flor, a diretoria de comunicação.
Evelyn Bastos, presidente da Mangueira do Amanhã, na diretoria cultural

Sim, uma nova geração passa a comandar e transformar o espetáculo. Na primeira plenária dos dirigentes da Liesa mudanças estruturais foram votadas e imediatamente anunciadas.

Enquanto a ficha começava a cair sobre o desastre ambiental no Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro ainda estava de ressaca do apoteótico espetáculo que encerrou na Praia de Copacabana a turnê mundial da pop star Madonna, com um público de mais de 1,6 milhões de pessoas, foi anunciado o aumento dos dias de desfiles do Grupo Especial para o carnaval 2025. A dinâmica da festa será significativamente alterada.

A mudança no calendário

De seis escolas desfilando em dois dias passarão a serem quatro divididas em três noites. Desde a década de 1980 as agremiações se apresentavam no domingo e na segunda-feira de carnaval após as escolas do Grupo Ouro, o de acesso, na sexta e no sábado. Cabia ao desfile mirim ocupar a pista da Sapucaí na terça-feira gorda.

O anúncio da esticada do Grupo Especial para o último dia de carnaval provocou um tsunami e incendiou as redes sociais na bolha carnavalesca. Argumentos favoráveis e contrários dividem as opiniões do universo do carnaval com o drama gaúcho.

A polêmica foi ampliada pela estratégia escolhida para apresentar essa e outras modificações ao mundo do samba. As chances das alterações, diante dos argumentos, não serem implementadas são inexistentes. Foram aprovadas por unanimidade pelo colegiado formado pelas 12 agremiações que compõem a LIESA.

Mudar pra que?

Entre os argumentos da LIESA está a democratização do espetáculo, já que os ingressos costumam se esgotar. Garantem que os preços das arquibancadas serão reduzidos.

Arquibancadas, promessa de redução dos valores

Também avaliam que haverá mais equilíbrio na competição com todas as escolas tendo o mesmo peso no julgamento sob a nova iluminação cenográfica do sambódromo, já implementada na pista. Alegam que as escolas que desfilam de manhã são prejudicadas (argumento rebatido pelo fato de que esse ano a campeã Viradouro e a vice Imperatriz Leopoldinense desfilaram com a luz natural do amanhecer).

Outra mudança será no julgamento. Os envelopes passarão a serem fechados noite por noite e não somente no final da competição. Isso altera, certamente, os critérios dos julgadores que deverão ser menos comparativos.

Apoteose, palco dos shows após os desfiles

Haverá, também, shows após os desfiles na área da Apoteose para encerrar as noites de desfile.

Valorização da AESM-Rio, celeiro de bambas

O desfile das crianças foi realocado para a sexta-feira pós carnaval, um dia antes do desfile das campeãs. Foi firmado um acordo de colaboração com a AESM-Rio, Associação das Escolas de Samba Mirins. Ela se integra aos projetos da Liga num movimento de Evelyn Bastos, diretora Cultural, para incentivar e fortalecer as novas gerações das escolas de samba.

Não será necessário esperar o carnaval para começar a observar a mudança na dinâmica carnavalesca carioca. A intenção da nova diretoria é adiantar todo o calendário de produção da festa antecipando o início dos trabalhos com a definição, agora em maio, da ordem dos desfiles do carnaval 2025. A novidade? O sorteio será aberto ao público.

Aí, você já sabe. A festa começa e só para no carnaval 2025.

SORTEIO DA ORDEM DOS DESFILES DO GRUPO ESPECIAL

Dia 23 de maio, a partir das 19h, na Cidade do Samba

Confraternização de sambistas e torcedores com roda de samba, show da atual campeã, Viradouro, e de Pretinho da Serrinha recebendo convidados. Ingressos das 19 às 21h: um quilo de alimento não perecível para o Rio Grande do Sul.

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “É carnaval”, do SEM   FIM...  delcueto.wordpress.com




Studio na Colab55

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Mato Grosso nas fotos e memória do samurai das imagens


Mato Grosso nas fotos e memória do samurai das imagens

Exposição Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak no CCBB- RJ

Texto, fotos e vídeos de Valéria del Cueto

O Rio de Janeiro está efervescente nesse outono com eventos por toda cidade. O mais esperado é o show de Madona, na praia de Copacabana, dia 4 de maio. Esse é um dos muitos acontecimentos que atrai visitantes e moradores e, num deles, Mato Grosso está presente.

O estado se faz representar na Cidade Maravilhosa por um olhar do outro lado do mundo. O do samurai das imagens, um fotógrafo japonês, na Exposição “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak".

Para situar, Ailton Krenak é o primeiro representante dos povos originários a se tornar imortal ocupando uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, a ABL. Sua posse, dia 5 de abril, foi num evento que emocionou seus pares, ilustres convidados e nações indígenas que foram alcançadas graças a tecnologia que permitiu a transmissão da cerimônia pelo streaming. 

As 160 imagens que compõem a exposição, idealizada pelo Instituto Tomie Ohtake, de São Paulo, ocupam várias salas do Centro Cultural do Banco de Brasil no coração do Rio, ao lado da Praça Mauá, até o dia 27 de maio e, agora, divide o espaço do prédio histórico com "Mundo Zira”, mostra sobre o jornalista e cartunista Ziraldo que nos deixou no início do mês. Os eventos são gratuitos!

De um lado, a algazarra das crianças. Do outro, os mistérios de uma Amazônia impenetrável, a não ser com um guia como Krenak. O fotógrafo japonês e ele, com o auxílio de uma intérprete, percorreram na década de 1990 em várias expedições, os estados do Acre, Roraima, Pará, Amazonas, Maranhão, São Paulo e... Mato Grosso. Se tornaram grandes amigos registrando e convivendo com a diversidade cultural dos povos originários brasileiros.

As imagens são inéditas no Brasil, numa seleção diferente da apresentada em São Paulo (dá para imaginar a quantidade de fotos feitas nas viagens?), em diferentes tamanhos, algumas gigantescas, agregando outra novidade: objetos cotidianos de diferentes etnias. A maioria pode ser manuseada e "vestida" pelo público.

O evento também é enriquecido com rodas de conversar com Nagakura, Krenak e lideranças indígenas que contextualizam o universo abordado e pelo tempo decorrido entre a captação e a exposição, em alguns casos, agora inexistentes.

Já na rotunda do CCBB, marco arquitetônico do prédio, uma instalação indica a potência dos registros feitos pelo premiado fotógrafo japonês que percorre o mundo em busca de imagens em campos de refugiados e praças de guerra na África do Sul, Palestina, El Salvador, Afeganistão...

As vindas à Amazônia foram um respiro, apesar dos problemas já latentes como invasões, conflitos de terra, garimpos ilegais, depois do mergulho no inferno global, como explica Ailton Krenak no texto de apresentação da exposição que resume as 7 viagens pela Amazônia.

O conjunto das imagens do fotógrafo que virou a sombra do, agora imortal escritor indígena, expõe a vida nas comunidades visitadas numa linguagem universal traduzindo o carinho, o afeto e a sensibilidade ao eternizar nos registros do cotidiano das comunidades que, certamente, foram afetados pelo intenso contato, em alguns casos, com a civilização nos últimos 30 anos.

São registros de mundos quase perdidos. Majestosos e pungentes. Não há como não se deixar levar pela beleza e delicadeza expostas em diversos formatos do rico material apresentado.

Registre-se que Hiromi é um dos responsáveis por chamar a atenção mundial em exposições, documentários e livros do exuberante e ameaçado universo Yanomami.

Clique no LINK para percorrer o álbum

Mato Grosso está presente em imagens do cerrado (mais um bioma ameaçado) da aldeia Xavante de São Pedro, na terra indígena de Parabubure, em Campinápolis, numa das amplas salas do CCBB.

Segundo Krenak, o que impressionou o samurai das imagens foram a força, a determinação Xavante e o sentido de vida coletivo do povo cujos homens de reúnem no pátio da aldeia para sonharem juntos. “O sonho direciona a vida, dá o rumo, a orientação, responde a todas as questões. É no sonho que chegam os cantos, transmitidos pelos ancestrais e partilhados com todo o povo da aldeia”.

Imaginou a força dessa imagem?... ou melhor, nem tente usar sua imaginação, visite a exposição!


Texto de apresentação do espaço dedicado aos A'uwê Uptabi, o povo Xavante:  

“O povo Xavante se autodenomina A'wuê Upptabi - "gente verdadeira". É guerreiro e caçador. Vive nos vastos campos do cerrado, desde que os ancestrais atravessaram o Rio das Mortes há quase 200 anos. Resistiram bravamente à entrada das frentes de atração na década de 1940, atacando com flechas e bordunas os aviões que sobrevoavam a aldeia. A pacificação dos "warazu" - os estrangeiros - se deu a partir de 1946 durante a Grande Marcha para o Oeste, iniciada no governo de Getulio Vargas (1930-1945).

Apesar de terem nove Terras Indígenas demarcadas, em diferentes municípios do estado do Mato Grosso, cada uma delas lida com diferentes ameaças ao patrimônio físico e cultural, com interferência de religiões, agronegócio, projetos de desenvolvimento e avanço das cidades. 0s Auwê são de uma linhagem antiga, vieram da raiz do céu. Os homens usam o brinco gravata cerimonial de algodão. Homens e mulheres se pintam com jenipapo, carvão e urucum, tiram as sobrancelhas e os cílios, usam cordinhas nos pulsos e pernas. 0 corte de cabelo, os adornos e pinturas dão identidade ao povo Xavante que segue praticando seus rituais de formação dos jovens e iniciação espiritual. O sonho direciona a vida, dá o rumo, a orientação, responde a todas as questões. É no sonho que chegam os cantos, transmitidos pelos ancestrais e partilhados com todo o povo da aldeia.

A cerimônia de furação de orelha e um marco para toda a comunidade. Acontece a cada 5 anos, quando os meninos que ficaram reclusos na casa dos solteiros completam seu aprendizado dos princípios da tradição.

Nagakura-san ficou impressionado com a força e determinação do povo e com ○ sentido de vida coletivo. As imagens revelam essa admiração nas danças circulares e no grupo de homens deitados no pátio central, reunidos para sonharem juntos”.

PS: Visitei o CCBB acompanhada por um cuiabano de chapa e cruz com quem pude beber dessa fonte de energia, observar suas reações. Meu companheiro foi o ator Ivan Belém, em quem presenciei o impacto do universo que nos foi apresentado. Ele é o “personagem-espectador” que aparece nos registros. Que privilégio.

A emocionante cerimônia de posse de Ailton Krenak na Academia Brasileira de Letras, ABL.


*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Parador Cuyabano”, do SEM   FIM...  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

terça-feira, 2 de abril de 2024

Falhando, mas entregando!

Falhando, mas entregando!

Texto e foto de Valéria del Cueto

Estou me apegando a todos os santos e mandingas pra fazer esse texto pegar no tranco. Sorte que não sou um mecanismo digital ou hidramático, o que significa que um bom empurrão faz algum efeito sobre uma bateria exaurida. No caso, a minha.

Daqui a pouco ninguém mais vai saber do que trata essa metáfora automotiva do milênio passado, eu sei. Como também sei que estou, de novo, passando por aquele momento “se não tenho nada pra acrescentar, o melhor é calar”.

Só que essa hipótese pode trazer um prejuízo irrecuperável à regularidade das crônicas do Sem Fim. Queria que esse fosse o dilema atual da escrevinhadora. Só que não é. Os motivos das últimas rateadas são mais prosaicos.

Depois de eleger as areias das praias cariocas como espaço/tempo para desenhar as sempre mal traçadas linhas das páginas de muitos caderninhos - primeiro, na Ponta de Leme, de onde sou cria, há décadas atrás e, mais tarde, no paredão do Arpoador ou na sempre invisível Praia do Diabo, saí procurando outro paraíso que estimulasse, se não minha imaginação, ao menos meus vastos e inconstantes pensamentos catapultados pelo oceano de informações que, hoje, chegam a qualquer lugar pelas ondas indomáveis da Nazaré das redes sociais.

É justamente esse tsunami e todos os rejeitos que ele produz em sua rota de destruição que acaba provocando uma inversão na dinâmica de produção de conteúdo.

Em vez de garimpar pepitas brutas escondidas nas dobras do pensamento que chegam com as marés somos obrigados a virar catadores nos lixões irregulares transbordantes de chorume, com espumas de tolices, gosmas de sandices e dejetos movediços de horrores que nos impedem de depurar sentimentos, “dexavar” ideias, burilar conceitos.

Somos movidos por efemérides pré-estabelecidas e teorias rasamente concebidas por algoritmos gerados e comandados pela... inteligência artificial.

Aquela que dita regras como a de que “temos que ter um nicho” de ação na rede, por exemplo. Postar várias vezes ao dia, outra exigência. Ter uma “comunidade”, mais uma. Mostrar a cara. Expor sua rotina...

Estou lascada já na largada para esse “salto mortal digital” com esse meu complexo de senzala, como diz meu pai, que me impede de obedecer a qualquer regra ditada por sei lá quem quando era gente e o que pra IA que nos comanda e nem ser humano é. Sempre fui guiada por uma força estranha que me impede de ter amo e/ou senhor, como dizia o samba do Paraíso do Tuiuti de 2018. Não à toa um dos meus codinomes era “rebelde”.

Não foi por falta de tentativa de fazerem da minha, uma vida mais fácil nesse mundo que já não existe mais. Mundo esse, em que a individualidade tinha algum valor e bastava que essa chama fosse sempre (bem) alimentada com o conhecimento que gerasse argumentos para resistir ao assédio do mais do mesmo.

Dancei. Ou não, porque nem assim sucumbi e me orgulho de seguir pensando e expondo meus delírios nos últimos 20 anos.

Meu problema é com uma consequência dos ouvidos moucos feitos por todos os que, voluntariamente, ou não, ignoraram todos os alertas sobre as mudanças do planeta. Sim são eles, já cantados por Jorge Mauter e Nelson Jacobina no século passado: os mosquitos!

Especificamente o Aedes que transmite Zika, dengue, Chikungunya e, desde sempre a febre amarela, agora adormecida. Doenças virais capazes de tocar horror no sistema de saúde e exponencializar meu impedimento de uma produção literária sacralizada.

Eles mordem! E, cá entre nós, não se assustam mais com DDT, sprays e receitas caseiras de proteção. Estão dando de mão e comandando o jogo da saúde popular. E da minha crônica. Foi uma mordida no joelho repleto de creme protetor fedorento que me fez, mais uma vez, fechar o caderninho e dar por encerrado esse texto.

Mas só esse. Porque, assim como posso ignorar a ditadura artificial, serei capaz de mudar meu ritual e seguir falhando, mas entregando os rabiscos e fotos que registram meu tempo e o que vejo no planeta.      

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica das séries “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

 


Studio na Colab55