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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Caravana musical

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Caravana musical

Texto e foto de Valéria del Cueto
Entrar no Cine Pampa, em Uruguaiana, fronteira do Brasil com a Argentina, foi como voltar no tempo. No mesmo espaço, no início da década de 80, tive o prazer de conhecer o berço do movimento que geraria o de melhor a música nativista gaúcha produziu: a Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.
Novamente as raízes levavam ao agora Teatro Rosalina Pandolfo Lisboa. Era uma apresentação de música campeira, a “Caravana Chamameceira”, uma promoção do Arte Sesc que aportava no berço do nativismo com um show da família Fagundes, Elton Saldanha e Alejandro Brittes.
Dos gaúchos já conhecia um pouco de suas obras re-conhecidas por todos. Do acordeonista  argentino nunca ouvira falar.
Depois de passar pela portaria do teatro e até entrar na sala de espetáculo a impressão que o tempo parou. Destaque para a boa conservação do espaço, muito bem cuidado.
Foi só impressão e durou pouco. A sensação foi quebrada. No palco, junto aos microfones, duas cadeiras, dessas brancas de plástico, destoavam do clima. Substituíam antigos mochos em que violeiros sentavam-se e acordeonistas apoiavam os pés.
Um giroscópio alucinado começou a projetar nas paredes laterais espirais lançados de canhões de luz no fundo do palco. Cai na real, diminui a expectativa pensando que era melhor retornar ao vigésimo primeiro milênio e abrir a mente para o que viria.
O espetáculo dirigido e produzido por Magali de Rossi já percorreu 12 cidades brasileiras, 2 argentinas e fez uma excursão pela Itália, rodando por 9 cidades, entre elas, Veneza, Verona e Roma.
Quando o show começou mais um estranhamento. Elton Saldanha abriu com algo parecido com um iê-iê-iê (lembram disso?) e lascou em seguida uma batida tipo sertanejo universitário. Demorou mas engrenou. Ernesto Fagundes, tocando bumbo legüeiro, apresentou os parentes. Neto e o Bagre, seu pai. Começou a falação. Neto Fagundes é apresentador do programa Galpão Crioulo, e Elton Saldanha locutor. Várias vezes se referiram ao fato de que ali era o palco da Califórnia entre outros clichês. Ora, ali só tinha “cobra criada”...
Trocaria a prosa por mais uns dois bons números musicais. Principalmente se executados por quem quase nada falou e arrasou. Quando Alejadro Brittes abriu a gaita começou a melhor parte do espetáculo.
A magia foi quebrada quando cantaram em castelhano um chamamé lindíssimo composto em guarani. Se vale português e espanhol, por que não na língua nativa dos paraguaios?
Nem mesmo a iluminação de Fabrício Simões (que colocou os canhões de luz giroscópicas em linha na altura dos ombros dos artistas, torturando quem estava na plateia), conseguiu quebrar a força da gaita chamamecera que enfeitiçava a todos. Bastava fechar os olhos para sair da vulgaridade cênica sem conexão lógica com o espírito musical.
Depois de clássicos como “Km 11”, “Merceditas”, “Eu sou do Sul”, a noite foi encerrada com o emblemático “Canto Alegretense”. Podia ter mais...
Todo espaço para a maravilhosa música pampeira. Mais pureza e menos enfeite. Sem traduções e tentativas de explicar o que, por si só, já diz a que veio e até onde pode chegar. Viva o Chamamé, o Sapucay.
E aguarde a caravana musical...
Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Crônica da série “Fronteira Oeste do Sul” do Sem Fim...
E3- ILUSTRADO - SABADO 05-12-2015
Edição Enock Cavalcanti
Diagramação Nei Ferraz Melo

segunda-feira, 30 de março de 2009

Recuerdos, lembranças e uma certeza: voltarei


Recuerdos, lembranças e uma certeza: voltarei....



Texto de Valéria del Cueto
Foto do acervo de João Carlos da Nova
Consegui, a muito custo, voltar à beira mar, minha ponta de pedra visual aqui no Leme, Rio de Janeiro.
Mesmo assim, continuo por aí, andando pelas ruas da cidade, explorando os recantos uruguaianenses. Nem bem saí e já listava na memória as coisas e lugares que ainda preciso visitar, espero que em breve.
Isso mesmo. Minha pesquisa sobre Passarinho mal começou. Quero mais! Como saber o que há sobre ele nos arquivos da TV Uruguaiana, agora TV RBS. Apesar do meu esforço, não consegui checar com a Maria Helena o material existente, gentilmente levantado pela gerência local. (A falha, que fique clara, foi minha. Me enrolei entre as idas e vindas da última edição do Tribuna). Foram eles que me indicaram outro caminho possível, já que RBS, de Porto Alegre comprou a Leopoldo Som, pra quem o material das Califórnias gravado em vídeo (e que Luciano Maldonado cuidou com desvelo e muito cuidado), foi entregue creio que ainda no milênio anterior.
Também fiquei de voltar ao Arquivo Público Municipal, no Centro Cultural, ali na praça, onde achei parte do material publicado sobre César Passarinho. Foi lá que encontrei o enredo feito pela Academia de Samba “Os Cevados”, em 1999. No enredo Passarinho, carnaval e nativismo, mais uma vez meu amigo "passarou" pela avenida, agora como homenageado. Como terá sido o desfile? Será que existem fotos?
Também preciso garimpar nas pastas de cada Califórnia. Sorte que o arquivo é muito bem organizado. Por isso sei das múltiplas possibilidades que me esperam na minha próxima visita a Uruguaiana.
Na verdade, existem muito caminhos para encontrar registros e testemunhos espalhados por aí. Pequenas histórias, fragmentos que compõem um mosaico de lembranças a serem catalogadas.
Mas sinto que comecei bem, com a ajuda de todos os que “buscaram” comigo, por exemplo, a gravação de Passarinho puxando sambas de enredo dos Rouxinóis.
Quem começou foi a Juca, carnavalesca de fé que, aos dois anos já ia para a esquina de sua casa, embalada pelo batuque dos ensaios no Laço do Amor. Eita memória, a da guria.
João Carlos da Nova e seu pai, o Zé da Nova, procurando a gravação encontraram a foto de Passarinho criança, posando com um grupo junto ao estandarte da escola do seu coração. Passamos por tia Regina, tia Gilda e finalmente, Magda Gonçalves, a fiel guardiã da gravação que procurávamos: o CD comemorativo dos 50 anos dos Rouxinóis. Todo mundo ajudou.
Conto essa epopéia pra você, leitor, para sensibilizá-lo em relação ao apelo que faço a seguir: Revire seu baú, dê asas às suas lembranças e me ajude a encontrar outras pequenas peças do mosaico que foi a trajetória de Passarinho entre nós. Vale tudo: fotos, áudios, lembranças, histórias e impressões.
Até a primavera quando, espero, voltarei novamente a estes pagos.
PS: Aguardo sua colaboração. É fácil me encontrar pelo email delcueto.cia@gmail.com
Esse é o player da gravação mencionada no artigo:




Texto de Valéria del Cueto para série  Fronteira Oeste do Sul

quarta-feira, 25 de março de 2009

Passarinho não passará






PASSARINHO
NÃO PASSARÁ

Texto de Valéria del Cueto




Valéria
Sempre fui de poucas palavras, muitas sequer de minha de minha autoria, mas aproveito esse descuido do  Senhor de Todos os Campos, no dia dos 60 anos do meu nascimento, pra te dirigir algumas delas.

Sei que andas aí, por Uruguaiana, tentando reunir lembranças e registros de minha trajetória e te sentes meio órfã de meus dizeres e queres. Por isso, e por saber que, acima de tudo, crês nessa sintonia transcendente é que te escrevo.
 
Não procures ter mais de mim do que sou no teu coração, o que não é pouco, (o sei por que daqui o sinto), já que ajudastes a continuar sendo o que fui.

Não te lembras? Sei que sim... Foi há quase trinta anos. Te convocaram para fazer a que poderia ser a derradeira entrevista do amigo que vos fala, num leito da enfermaria da Santa Casa quando, lá estava eu, querendo que a vida me deixasse em paz, durante uma crise que minha mãe Eloy te disse ser de pneumonia.  “O problema”, ela decifrou com seu sentimento maternal, “é que ele não quer mais viver, acha que não tem por que...”

Quando chegastes junto ao meu leito, ainda me lembro, com um ar revoltado e indignado, dissestes sem rodeio. “ Vim por que me mandaram fazer a última entrevista contigo, mas não quero acreditar que isso seja verdade”. Pra tua decepção e tristeza, sem olhar nos teus olhos, virei pro lado sem reagir e meu silêncio apenas confirmou o que te recusavas a aceitar.

Seguistes falando e me interrogando, que esse é um dom que sempre tivestes, assim como o meu sempre foi o de cantar. E, pelas tantas, com a câmera gravando, me perguntastes: “Afinal, o que te faz sentir, do que tens saudades?”. Parei para pensar, (fisgastes, danada,  minha atenção), e te respondi: “Os aplausos”.

“Então fecha os olhos e imagina que acabastes de cantar no palco da Califórnia. Não queres mais ter essa sensação?”, e continuastes: “Passarinho, te aplaudem por que reconhecem teu cantar. Cante! Os aplausos sempre virão, por que são eles a reação natural ao teu dom” Ri fracamente e argumentei: “ Cantar. aqui?”.

“Por que não?”, me desafiastes petulantezinha e provocadora. “ Tua voz tem o poder de reanimar os que sofrem, assim como os aplausos farão o mesmo por ti”. E eu cantei. A princípio, fracamente. Até que ouvi o primeiro aplauso, vindo do leito vizinho. E ele aumentava e crescia pela enfermaria e os corredores do hospital. Ao teu lado, as lágrimas corriam pelo rosto da minha mãe, que via ainda não era daquela vez que seu filho partiria. Muitas coisas ainda aconteceriam antes desse dia....

Amiga, o que são as palavras e fotos e imagens que procuras, diante da força descomunal de tuas lembranças? Tens a elas e a meu canto que, bem sabes, sempre foi só emoção. Tens momentos, como a primeira Califórnia em que me vistes, menina de tranças e boina vibrando na platéia do Cine Pampa. Tens os cafés da manhã que tomamos juntos. Eu, emergindo de mais uma noitada e tu, começando teu dia na TV Uruguaiana.

Sabemos que fizestes o possível para que, além do meu canto,  houvesse registros do meu ser e viver e que te entristece descobri-los perdidos. Mas e daí? Estou em ti. Sou teu aplauso. E meu canto sempre vai te acompanhar, te consolar, já me dizias naquele tempo.  Somos outono e opostos. Eu do segundo dia e tu do penúltimo. Não mulher, nada de chorar!

Me voy por que já falei demais  Estoy siempre a lo largo e os que, como tu, me tem, o sabem carregando os dizeres do meu canto.

Fica bem, por que aqui, é assim que me sinto ao comemorar meus 60 anos (quem diria) renascendo cada vez que alguém, como tu fazes, escuta minha voz, que sempre dissestes aveludada e cristalina, nos cantares desta ave que vos fala. Bati asas, mas permaneço em ti, já te disse e repito.

Teu amigo, Passarinho.

PS: Um beijo de amor aos meus (Eva e César). Diz a eles que aqui estou, com Deus...

Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval
Material produzido para o Tribuna de Uruguaiana
da série Fronteira Oeste do Sul do Sem Fim...