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quarta-feira, 26 de março de 2025

Só acaba quando termina

Só acaba quando termina

Texto e fotos de Valéria del Cueto

Não espere mais nada de mim. É tudo que tenho para dar. Tento me reconectar a vida depois de mais um carnaval. Procuro fios que me interliguem ao espaço que volto a ocupar.

O barulho da água que despenca do desvio do rio na piscina pode ser um desses fios. O ruido sempre foi um seletor de pensamentos que reproduzo aqui no caderninho quando junto a contemplação dos movimentos do reflexo na água. Faço dessa dança uma peneira que afina e conduz as ideias tramadas nessas páginas.

Tento, tento, tento... sem muito sucesso.

O João e a Vânia, meus senhorios no paraíso, inconscientemente fazem parte desse esforço. Ele, quando me apresenta uma frutinha que nunca vimos chamada cauá-piri, ou cauá-pixi ou moranguinho do mato. É rasteira e fotogênica.

Pausa. Tempo de pesquisar para descobrir do que se trata, já que seus frutinhos minúsculos vermelhos se destacaram no chão embaixo da jabuticabeira e, segundo João, as sementes podem ter sido trazidas pelos passarinhos que fazem suas refeições nas árvores brasileiríssimas.

Vania contribuiu me apresentando mariolas deliciosas de uma marca que não conhecia e balas Toffee recheadas de creme de hortelã. Ajudam no regime de engorda para me recuperar um pouco do desgaste físico da Sapucaí.

Mas... falar de mariola me leva novamente à pista. Acontece que a delícia fluminense (as de Rio Brilhante são sensacionais) faz parte do kit alimentação especial das noites e madrugadas carnavalescas.

Ele é composto de sanduíche de queijo, as mariolas sem açúcar cristal em volta, pra não piorar a lambança na pausa embaixo do segundo módulo de julgadores em que costumo descansar entre uma escola e outra, se não estiver encarapitada na torre de transmissão.

A matula também contém sementes de guaraná maués, um quente, pra fechar o rebite e água, muita água.

Então, mariolas me transportam, mas não me levam a sair da realidade já passado do templo do samba...

O que, de uma certa maneira, é bom devido a etapa do trabalho que vem depois da folia: editar os registros que fiz.

Uma tarefa que exige atenção e paciência. Ouvir os sambas da escola que está sendo editada, decupada e indexada comendo mariola torna o ambiente perfeito para mergulhar na missão.

Confesso que faz tempo desisti de participar da competição de quem publica mais rápido seus registros. Essa edição fina e a catalogação do acervo carnevalerio.com me tiram dessa animada e salutar disputa entre os fotógrafos. O que, de certa maneira, interferiria no resultado do material que disponibilizo nas plataformas.

Sem alarde o conteúdo vai sendo construído ao longo dos anos. É interessante o resultado? Sem dúvida. Depois da indexação as imagens ficam disponíveis publicamente em baixa resolução no Flickr.

Já estou no carnaval de novo! E, dele, não consigo largar.



Parei para dar um mergulho e, pra não perder a mão, fazer umas fotos das flores de São Miguel que estão explodindo na borda da piscina.

Quando chego perto “pesco” a iluminação sutil que o reflexo da água faz no carro alegórico de florezinhas azuis que saltitam ao vento da Mata Atlântica.

E aí, pra não perder a mão, o lado do meu eu carnavalesco pergunta ao outro, que tenta se situar no meio do mundo do ano que se inicia:

“Será que num carnaval do futuro os iluminadores aprenderão a fazer uma luz tão delicada e sutil quanto essa, gerada pela natureza?”     

Desisto do diálogo de mim comigo mesma e vou editar. Afinal, como a vida, o carnaval só acaba quando termina...

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série (ainda) “É carnaval” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com




Studio na Colab55

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

O que foi


O que foi

Texto, foto e vídeo de Valéria del Cueto

Tudo na mão. Caderninho, caneta, livro (se a inspiração rateasse). Lá fora é cinza e chove. Solidão. O silêncio barulhento do mato. Café tomado, distância do celular, computador, das redes sociais que aprisionam e viciam.

Tudo pronto, nada preparado. Ou vice-versa. No pé da ladeira o córrego respira e festeja depois da estiagem. Chuva encharcada, bastante e constante. Antecedida pela entrada dramática da comissão de frente com nuvens pesadas e ligeiras tocadas por ventos carrascos prenunciando raios e trovoadas.

Agora não. Tudo é suave. Várias texturas sutis se distinguem a um olhar atento produzindo muitas imagens. Deixados de lado, caderninho, apetrechos e opcionais se retiram da pista para largar desocupados mãos e olhares para o que descortina.

O alerta veio do pé de jacarandá, só galhada, já dramático no rendilhado ressecado na pesquisa visual ainda no inverno, lá por meados de agosto. De lá para cá, como performance da comissão de frente de raios e móveis sendo arrastados por São Pedro enquanto lavava o céu, na chegada da primavera, a retorcida figura do jacarandá começou a se transformar.

Esse não é um clima comum em outubro. É a máxima que define a prioridade de ação no quesito “registrar”. “O que foi nunca mais será”, já avisavam Mario Barbará e Sérgio Napp, em “Desgarrados”, vencedora da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, nos idos de 1981. Homens e natureza.

Câmeras nas mãos, é observar. Se a chuva diminui os passarinhos se manifestam, caso contrário, é se deixar embalar com o canto animado do Córrego das Mulatas e o chiado das chuvas miúdas. Contra o céu enevoado parece que é só. Mas tem mais. Dependendo da intensidade das chuvas, se formam as gotas nos ramos das árvores, aquelas que florescem e brotam aliviadas da secura da terra.

A nova vida que explode nas filigranas acolhe a delicadeza das gotas que vão se formando vagarosas e, de tempos em tempos, despencam sobre o peso da água acumulada para saciar a sede da floresta.

As lágrimas nas árvores da Mata Atlântica são captadas quando outro som se sobrepõe. Os passarinhos não passeiam barulhentos na galharia e na ponta da varanda as correntes da calha chacoalham com o peso do aguaceiro no telhado. Chove com mais intensidade. A imagem é linda, incluindo o movimento da água descendo desobediente esparramada em volta dos elos de ferro. Tem drama, é forte, orgânica e, quem sabe, única.

Imobilidade para capturar a dança na corrente. Minutos contados com a memória para ter noção do tempo, como nos games da vida virtual que aprisiona nossa imaginação e doma a atenção de quem opta pelo mergulho existencial nos subterrâneos digitais.  

O olhar, antes focado, vagueia pelas curvas do vale. Da força do ferro que guia a água do telhado, novamente para as lágrimas brilhantes do orvalho da chuva. Então, passeando, ele alcança o jacarandá.

Da cor escura, verde esmeralda da ressurreição da natureza, se veste de prateado como um destaque do primeiro setor no desfile da primavera. Suas folhas, minúsculas, resplandecem do orvalho salpicado na parte superior dos ramos mais altos. Como a luz não reflete nas folhinhas de baixo, formam-se desenhos, renda delicada de um manto resplandecente. Aquele que cobre e protege, ou tenta, sua fonte de energia natural.

Para fechar, a boa notícia. Depois da vida levar, surgiu esse relato da chuva que, parece, vai perdurar por uns dias. O que abrirá espaço para cumprir a terceira missão. Mergulhar na leitura do livro quase esquecido. Isso, se a natureza não chamar novamente...

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com



@delcueto.studio na Colab55

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Pedra Azul, a joia capixaba

Pedra Azul, a joia capixaba

“Point” do Espírito Santo une tradição, modernidade e sofisticação

Texto e fotos de Valéria del Cueto

Pedra Azul é a Campos do Jordão do Espírito Santo e sua completa tradução mineral um dos cartões postais do estado. Parte da região, belíssima, abriga o Parque Estadual que leva seu nome. Fica no distrito de Aracê, do município Domingos Martins.

Depois do desembarque no recém-inaugurado aeroporto da de Vitória e fazer um tour pela arquitetura emergente da orla da ilha, entrar no mundo rural do Espírito Santo é um choque radical.

NA ESTRADA

Pegar a BR 262 que liga as capitais do estado e Minas Gerais, ao som do violão do Marques de Salobreña, o espanhol Andrés Segóvia, a caminho de um paraíso é um privilégio.

No rumo traçado em direção a região da Pedra Azul, no alto da serra, o que chama a atenção é a quantidade de plantações de eucalipto, matéria prima para a produção de celulose, indústria de destaque na economia estadual.

As linhas das árvores criam desenhos e recortes nos morros, contrastando com outras culturas e o que está preservado da vegetação original da Mata Atlântica. No decorrer dos 112 km até o destino final, a paisagem agrega também lavouras de café, outro produto tipo exportação da região.

Na parada para abastecimento cachaça, mel e embutidos de fabricação local. No posto, carretas carregadas de madeira preparadas para engrossar o vai-e-vem da BR que liga a costa ao interior em pleno sábado.

Clique AQUI ou na foto para ver o álbum Parada no posto no FLICKR
Parada no posto

TEMPO INSTÁVEL

O tempo nublado, com uma chuvinha peneirada, criava um contraste difícil com o céu chapado para fotografar. A carga pesada dos caminhões se integrava ao quadro, suavizado pela montanha verde adereçada com o efeito cocar das silhuetas dos eucaliptos costurando a junção dos elementos.

Isso foi apenas o começo. No final de semana, o que poderia ser defeito para alguns foi festa! Revelada nos ensaios das imagens. Choveu fino, choveu forte, teve névoa, neblina, nuvens e... sol!


IMIGRANTES DO VELHO MUNDO

A região é colonizada por pequenos agricultores de origens italiana e alemã. É na evolução harmoniosa dessa vocação agrícola que se ancora o charme do destino turístico do PIB capixaba, pioneiro no agroturismo.

Ótimos hotéis, pousadas e restaurantes oferecem um leque de opções para hospedagem e delícias da gastronomia aos visitantes, especialmente no inverno. Tudo cuidadosamente preparado para valorizar o produto (agrícola, comercial ou turístico), embalado por ações modernas de marketing que indicam a profissionalização na gestão dos negócios.

AGROTURISMO

A família Carnielli, oriunda do Treviso, chegou ao Brasil 1888 e se instalou na região cultivando café, milho, criando animais e produzindo seus derivados. Na década de 80, pioneira, investiu no agroturismo.

Hoje, oferece cafés especiais, socol(copa) e embutidos, laticínios, farinha de milho... A linha já está disponível na capital em supermercados, no Café do Horto Mercado, na Delicatessen do Aeroporto de Vitória e numa loja virtual. O próximo passo? A criação de franquias da marca.



Está no setor do comércio a origem da Transverde, a monumental loja de departamento de Pedra Azul, no 90km da BR 262. Inicialmente, o pioneiro levava a produção local para ser vendida na capital. Na volta, trazia encomendas de gêneros de primeira necessidade para os colonos.

Depois, veio a loja de material de construção. Há espaço para todos os tipos de itens dentro do prédio de pedras que abriga o “empório”, com produtos de “A” a Versace. Tudo distribuído pelos dois andares ligados por uma impressionante escada estruturada em madeira maciça, peça que me levou a conhecer o local e “capturar” imagens entre os itens oferecidos no enorme estoque do, também, antiquário.

Irresistível para os visitantes, necessário para os moradores e um pecado para fotógrafos gentilmente autorizados a explorarem os imensos ambientes. Mais um entre os numerosos cases de sucesso do trabalho familiar na serra capixaba.

ORQUÍDEAS, BROMÉLIAS E UM IGUAL

Foi nessa levada que cheguei ao orquidário Caliman. O céu chorava de tempos em tempos e, sentindo os primeiros pingos engrossarem, entrei nas estufas em direção ao prédio principal para pedir para explorar aquele mundaréu exuberante.



O proprietário, ao dar a autorização, alertou: “Pode fotografar tudo, menos eu. Tenho pavor de fotos. Acho, como os índios, que ela rouba a alma dos retratados”. Me senti em casa e entabulei conversa enquanto a chuva despencava do lado de fora. Descobri que era professor de Matemática. Prestou atenção pela primeira vez nas orquídeas numa excursão a Petrópolis/RJ quando perdeu a democrática votação que levou o grupo a uma exposição de espécies no Palácio dos Cristais.

Daí a virar expert e criar o incrível orquidário na região foi um longo caminho que passou por uma formação em filosofia e uma capacidade incrível de se manter imune aos apelos do mundo moderno. Não tem celular, internet nem email. Apenas um telefone fixo. Seu contato foi anotado a lápis nas costas de um panfleto de propaganda de uma exposição de orquídeas num município vizinho. Por respeito a sua privacidade, mantenho seu anonimato. Mesmo, agora, ao agradecer as fotos maravilhosas que fiz no local.

Clique AQUI ou na foto para ver o álbum e se deslumbrar com as imagens do Orquidário Caliman no FLICKR
Orquidário Caliman, Pedra Azul, Espírito Santo

PEDRA AZUL

De lá só saí para trocar a conversa estimulante por uma passagem pela Rota do Lagarto. O tempo mudara e... havia sol!

O caminho circula a Pedra Azul, visível em toda a região, e é passeio obrigatório com diferentes propostas, como o Fjordland, um complexo em que, entre outras atrações, é possível alugar cavalos noruegueses para percorrer a região.

Outro atrativo é Hotel Fazenda Monte Verde, em Vargem Alta. Um dos apelos de seu campo de golfe é justamente o cenário privilegiado do Parque da Pedra Azul, a 650 m de altitude. O tempo instável no final da tarde impediu uma exploração mais demorada do lindo visual das quaresmeiras floridas, agasalhadas pelas franjas da neblina que surgia.

Clique AQUI ou na foto para ver o álbum Pedra Azul no FLICKR

Pedra Azul, Espírito Santo

SINFONIA E SINTONIA

Bom, aqui termina a parte pública do final de semana. A outra, foi a base de bons vinhos. Destaque para a moqueca de camarão e a perdição que é o pé-de-moleque de macadâmia.



A sinfonia da passarinhada para “acordar” o dia não falhou. Mas as maritacas, tucanos e outros frequentadores da ceva da janela da copa só apareceram na manhã de sol. Ruim? Não, perfeito.
Se não fosse o mau tempo não seria recebida por uma orquestra magistral, composta pelo barulho da chuva castigando a floresta preservada e os ventos uivantes assobiado entre as árvores. A natureza conversava com quem conseguia captar sua mensagem. Quem se manifestava era a Mata Atlântica, derramada exuberante aos pés da casa projetada, como outras na região, pelo filho de Zanine Caldas, o mestre das madeiras.



Em termos visuais, só ela mereceria dias de estudos de luz fotográfica. Para uma exploração aprofundada das sutis variações de sua iluminação interna, propiciadas pelos raios do sol, em diferentes posições, que vazavam pelas paredes de vidro emolduradas pela estrutura de madeira da construção... Mas essa é outra viagem!

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “No Rumo”, do SEM   FIM...delcueto.wordpress.com



Edição de Gustavo Oliveira, a quem agradeço a confiança de sempre.
Diagramação Luiz Márcio – O Gênio que, quando chego na marca do gol, dá aquela "colocada" e me dá asas pra voar! Muito obrigado pelo carinho e o cuidado om o material.

Studio na Colab55