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quarta-feira, 3 de abril de 2019

Não está fácil pra ninguém

Não está fácil pra ninguém

Texto e foto de Valéria del Cueto

Duas coisas me fazem sacar o caderninho que uso para registrar as crônicas. A primeira é a paz na terra na beira de um mar que não pode ser um qualquer. Essa “saída o corpo”, mesmo no cenário paradisíaco que frequento, ultimamente na ponta do Arpoador, nem sempre acontece e se condiciona a certos fatores. Entre eles está a segurança do entorno.

Foi justamente ela que me impediu de sacar o caderninho na última passagem pela praia. Em plena tarde de um sábado com uma lotação até agradável, sob um sol ameno de outono.

Depois de fazer algumas fotos e vídeos dos ambulantes que circulavam anunciando seus produtos, num pedaço pouco frequentado entre a Pedra do Arpoador e o posto 8, em Ipanema, me preparei para puxar a caneta e abrir o caderno.

Antes de começar a escrevinhar chamaram minha atenção dois ambulantes que confabulavam nas proximidades. Entre uma negociação para a troca de um pouco de gelo para o isopor por produto e a avaliação das vendas do dia, o assunto passou pela ação de ladrões que estavam atuando na areia, prejudicando ainda mais a féria do dia. Que já não estava das melhores.

Ligada no bate papo e sempre prevenida, fechei a bolsa, pedi licença e entrei na conversa querendo entender o movimento local. Argumentei que era estranho e fora de época. As férias e a alta temporada já tinham terminado e, na praia vazia, não havia “clientela”, a não ser os locais, como... eu!

“É que ainda não avisaram ao “bloco” que o carnaval já acabou.” A resposta veio em meio a risadas pela metáfora criada por um dos rapazes. O outro explicou: “Isso aqui está largado, dona, a gente sai de perto para não ser confundido com eles.” “Você devia tomar cuidado”, alertou o mais velho, “por isso vim para esse lado."

Enquanto conversávamos comecei a me “situar” melhor no entorno. Sempre procuro ficar num local com visibilidade ampla e rotas de fuga. Apesar de estar na parte mais estreita da ligação de Ipanema com o Arpoador, onde o paredão é mais alto e, portanto, impossível de ser escalado, montei meu point próximo a duas barracas que, coladas nos grafites que enfeitam a “muralha”, produziam e distribuíam caipirinhas e outros drinks para diversos vendedores que volta e meia passavam para reabastecer as bandejas.

Aliás, essa foi uma das razões que me atraiu para aquela posição. A possibilidade de ampliar as fotos que estou fazendo sobre os ambulantes que passeiam oferecendo seus produtos. A outra foi a escada que dava acesso rápido ao calçadão. Foi o que expliquei para o vendedor que ficou papeando comigo enquanto o outro seguia para a “zona de confronto”, como chamou a caminhada em direção a Ipanema.

Foi ali que fiquei sabendo que os “blocos” podiam ser da área ou de fora e que, provavelmente, só os primeiros respeitam (um pouco) os locais.

Não fiquei chateada quando o vendedor se aproximou e, puxando seu celular, explicou que trabalhava na construção civil. Me mostrou, cheio de orgulho, várias fotos de trabalhos que havia realizado.

Disse que era da Pavuna e que tinha descido para a Zona Sul para deixar seus cartões de visita com um amigo que havia contado que estavam abrindo vagas por aqui na segunda-feira. Que era regularizado e, inclusive, tinha MEI. O problema era ter “capital” para pagar o contador. Aliás, era isso que ele estava fazendo ali. Tentando melhorar o caixa, que andava no negativo.

A conversa continuou até a volta do amigo que foi mais claro em relação a necessidade financeira do parceiro: “Vamos nessa, ainda dá para fazer mais umas duas voltas e, pelo menos, juntar o troco da pensão alimentícia. Se chegar com algum pode ser que a ex patroa não procure a justiça. Você já sabe onde vai parar...”. Imaginem a rapidez com que meu novo amigo se levantou, se despedindo.

A segunda possibilidade de puxar o caderninho, (lembra? Foi assim que a crônica começou) é quando estou numa espera. No caso foi bancária. Contar essa história me fez viajar para um lugar muito mais agradável do que onde me encontro, aguardando para falar com o gerente do banco. Não está fácil pra ninguém...
 
*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador”, do SEM   FIM...  delcueto.wordpress.comStudio na Colab55

domingo, 30 de julho de 2017

Física Aplicada

Física aplicada

Texto e foto de Valéria del Cueto

Faz tempo que o caderninho anda no fundo da bolsa só fazendo número e peso nos ombros para cima e para baixo. A culpa não é dele. É da vida que, ultimamente, se não impede as boas intenções de serem intenções, provoca situações em que elas não podem se efetivar.

Foi assim na última vez em que, cheia de empolgação, largou as vicissitudes da vida, chutou o balde das aflições e rumou para a praia mais próxima pronta para rasgar o verbo sob o sol de inverno carioca. O ímpeto inspirador voltou ao nível 0 (zero) quando descobriu que havia caderninho na bolsa como sempre, mas faltava... a caneta!

De tão revoltada pulou aquela semana e, tal e qual Sherazade não pode fazer para o seu sultão em nenhuma das mil e uma noites, não mandou a crônica semanal.

Pior. Não apenas falhou, o que já havia acontecido antes, como não deu a menor satisfação nem mesmo para seu editor carrasco mais exigente.

Sabem o que aconteceu? NADA! Ninguém reclamou nem reparou na ausência das suas palavras.
E, como já provado pela terceira lei de Newton, a que diz que “a toda ação há sempre uma reação oposta de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos”, dessa vez não teve conversa. A crônica está saindo como devia antes que, além de ignorada, ainda perca seu espaço nos jornais, sites e blogs. Afinal, são mais e 450 textos das séries de crônicas no rumo do Sem Fim fiados e bordados ao longo de anos.

Em plena quinta feira um sol de veranico de julho aquece a ponta do Arpoador numa tarde clássica. Como é férias tem muita gente na praia aproveitando o dia perfeito para uns, como os adeptos de stand up paddle, já que o mar está mais para liso.

As poucas e fracas ondas não atraem os Surfistas com S maiúsculo. Os poucos que arriscam um mergulho o fazem só por pura fé e com roupas de neoprene. Sim. Clara e numa tonalidade espetacular verde azulada esmeralda, a água está fria!

O que parece não fazer muita diferença para os insistentes atletas que, prestando bastante atenção, inclusive nas suas poucas habilidades, pode-se concluir serem alunos das escolinhas de surf. Elas atraem principalmente entusiasmados turistas, os que não resistem ao mar perfeito para iniciantes, mesmo que gelado. Tipo: “é hoje só amanhã não tem mais por que venho de um lugar frio pra caramba. Está bom demais!”

Felizinhos estão os vendedores ambulantes. Dias atrás gritavam seus bordões deles para eles mesmos. Agora têm para quem vender seus variados produtos: no abre-alas o Mate Leão e o Biscoito Globo. Cuscus, picolé, queijo coalho, amendoim, cangas e biquínis, camarão, óculos de sol, caipirinha, pau de selfie, bronzeador, esfirra, cerveja, água, empadas. Especificamente nessa (des)ordem.

Dois minutos depois tudo de novo. No sentido inverso e com a mesma intensidade, como a lei. Graças ao bate volta no fim da faixa de praia, poucos vendedores ultrapassam a Praça Millor Fernandes para alcançar a Praia do Diabo. A exígua clientela do local não vale o esforço...

Na semana que vem essa moleza acaba com a volta às aulas, o fim das férias. O veranico torcemos para permanecer por mais uns dias adiando ao máximo a entrada daquela frente fria que vira o tempo no litoral no início de agosto. A previsão meteorológica incerta diminui as chances de outras crônicas relax como essa.

Sem vento, com a maré subindo para morder as areias de Ipanema, anda na contramão dos apreciadores do pôr do sol no Arpoador. Iniciantes. Nessa época do ano, o astro rei desce no meio dos prédios. Bonito mesmo é no auge do verão, quando o sol cai no meio das ilhas...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Arpoador” do SEM FIM...  delcueto.wordpress.comStudio na Colab55