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quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Se não por mim

Texto e fotos de Valéria del Cueto

Subi a rua desenhando a crônica e mapeando as orquídeas penduradas nas árvores que começam a florir.

Esses sinais multicores iniciaram o movimento de renascimento da fênix. “Se elas podem, por que eu não?” Parece fácil falar, mas daí a execução da tarefa há um longo caminho a ser percorrido.

Tomei uma invertida no meio do ano e desabei. Minha redoma protetora ficou mais estilhaçada que as paredes de vidros metralhados da torre do Nakatomi Plaza no filme Duro de Matar. Como o John McClane, de Bruce Willis, não conseguia me mover sem sangrar. No meu caso, não os pés, mas o coração.

Sem a redoma, fiquei sincera. O que é péssimo esses tempos em que a arte de ser falsa fingida está em alta. Para não espanar geral me recolhi e auto dediquei à minha persona a acuidade da sinceridade intrínseca.

O universo resolveu colaborar com a desconstrução desconfigurando o hub do Sem Fim de forma, até o momento, irreversível. Está tudo lá, mas nem a busca funciona. Um retrato cruel da própria autora. No caso, euzinha.  Não sucumbi às adversidades. Já tentei vários restarts. Cortei os cabelos, mudei o percurso…

Mas é a vida que manda e foi ela que me derrubou, por exemplo, no dia do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Festa linda na Cidade das Artes que assisti pelo Canal Brasil. Na véspera fui pega no contrapé de uma gripe alérgica turbinada pelas obras do sétimo e do quarto andares.  

Ensanduichada pela falta de civilidade das empresas contratadas para botarem abaixo os dois imóveis, o que me resta é apelar para quem não está nem aí diante dos problemas dos outros. Barulho, makita, poeira, sujeira, etc.

O que, como já disse, também não é suficiente para mover a inabalável vontade que sinto de virar esse jogo. A reação tem que acontecer, respeitados os sinais.

Pois foi assim, ainda me recuperando, que cheguei na praia em Copacabana para registrar a ressaca que chupou a areia da ponta o Forte de Copacabana.

Estava sentada num banco gravando o mar entre Drummond e Dorival Caymmi quando a meus pés a PM cercou quatro “elementos” e começa a revista-los. Um monte de gente vazou de perto. Não me movi. Não era o caso. Os rapazes tinham apenas duas bolsas pequenas, essas que estão na moda. Fiquei ali com a câmera na mão.

O que me fez sair da inércia foi ver o quadriciclo em que dois policiais vieram pela água se movendo com a força das ondas na subida da maré. Achei por bem avisar a um deles e cair fora. Dura a gente vê a toda hora, só não queria testemunhar a navegada do veículo militar. Saí batida e cortei pra Ponta chegando na bateria final do Arpoador Classic 2022.

Aí, a maré virou a meu favor. Na água, disputando com Leandro Bastos, o locutor anunciou Pikachu. Cria do Pavão/Pavãozinho/Cantagalo, o PPG, o surfista é um dos fenômenos da geração Arpoador.  Há alguns anos fiz umas fotos de um garoto voando no pedaço. É o mesmo!

Já contei numa crônica do Sem Fim que fotografar ondas e surfistas é um ótimo treino de meio de ano. Afina o foco e a mira para os desfiles da Sapucaí, né? Desprezei a poderosa para brincar com o zoom da câmera compacta.

Foi dela que saíram poucos registros do Arpoador Classic 2022, onde a janela da minha alma se abriu pra mostrar o talento de Anderson Pikachu e me juntar, como posso, a torcida do vizinho que, aos 22 anos, busca seu espaço entre os feras do surf profissional brasileiro.  

Quando fui marcar o perfil @pikachu_anderson97 no Instagram estava lá a campanha em busca de apoiadores e de um patrocinador master. Quer saber, leitor? Foi por isso que essa crônica nasceu. Pra juntar esforços na busca de recursos pro surfista. Que não levou essa, mas levará muitas com seu talento.

A vida é assim, se não por mim, por quem tenta fazer da sua própria história, um SEM FIM…

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Arpoador” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

Ipanema 220813 080  Surf Legends Arpoador 2022 final surfista prancha Pikachu
@delcueto.studio na Colab55

terça-feira, 27 de julho de 2021

Força maior


Texto e foto de Valéria del Cueto

Esse veranico de julho é de lei! Andava com saudades. Danadas. Ano passado praticamente passou batido. Sem a relativa margem de segurança que a vacina e os protocolos proporcionam a ida ao Arpoador para usufruir do combo sol, sal e areia, mar, céu e calor no inverno ficou praticamente inviável.

Ano passado, disse, e sinto que você, leitor das crônicas do Sem Fim, entendeu a sutileza do recado.

Pois é, caderninho no colo, canga colorida, mochila com a alça presa no braço, havaianas viradas de barriguinha pra baixo, que é para não queimar os pezinhos quando for calçá-las na saída, e eis-me aqui. Caneta em punho riscando a folha pautada, texteando no Arpex, Ipanema, Rio de Janeiro, Brasil.

Mal comparando, o dia de hoje é como a pausa olímpica que encanta nossa rotina, agora nas ondas do fuso horário do Japão, no outro lado do mundo.

Um refresco emocional para quem está vivendo o reality show da pandemia que se desdobra em capítulos e reviravoltas na CPI da Covid, a estrela da política brasileira, que anda levantando a beira do tapete do sempre surpreendente cenário nacional.

É, tipo assim, um respiro em que temos ídolos olímpicos, histórias edificantes e até uma fadinha de verdade que leva a gente em seus voos saltitantes. Logo ali.

Aqui ao lado vejo pranchas sentinelas cujas sombras crescem surfando na areia ao cair do sol. Fotografo a mensagem. Sei lá, né? E não é que deu o não tão midiático Ítalo Ferreira na cabeça?

As férias um dia acabam, em todos os sentidos. Primeiro, voltam as aulas logo depois da próxima frente fria acabar com o refresco do veranico.

Talvez quando você estiver lendo essa crônica, o bicho frio já esteja chegando e pegando. No Sul, já quase é. O corre começou com chuvas lá para as bandas da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Mas pode ser que não... A esperança é a última a dizer “pode ir” a esse calorzinho delicioso. Como eu, ela não quer render-se às promessas de frio intenso, geada e neve!

Pensa num azul quase Caribe.  Um mar não muito pesado ainda se desvestindo da força das ondas pós ressaca. O sacode veio na última passagem de massa polar pelo pedaço, antes do sol se reinstalar para manter a lenda viva do veranico.

Pela ordem dos acontecimentos, todos agendados, após o frio quem retorna é a CPI. Vai embolar a programação com o (con)fuso olímpico!

Tem mais um monte de coisas acontecendo, mas só tenho ouvidos para os sons da praia onde se destacam as ladainhas dos pregoeiros que circulam na areia oferecendo seus produtos. A todos os apelos junta-se mais um item à cantoria. O atrativo é a facilidade do pagamento: “Temos PIX!!!”

Aí, chega aquela hora em que passa no miudinho a ideia que nunca devemos pensar, o que dirá formular. “Que dia lindo, o que pode dar errado?”. Pensei, levei, caro leitor, como sempre. Não, não foi o vento. Poderia entrar gelado, encarneirando o mar, levantando areia anunciando a mudança o tempo.

Foi mais simples e definitivo. Quando a cor começou lentamente a empalidecer e perder aquele excesso que sempre deixa marcas? Adivinhou, curioso? Não foi um céu sendo encoberto, nuvens, bruma ou maresia empalidecendo o azul. O azul desbotou as letras, a tinta da caneta que bordava as palavras.

Se despediu lentamente enquanto a maré subia avisando que era hora de recolher a canga, rumar pra casa e fazer o acabamento no restinho de palavras que falta para arrematar a escrevinhação. Rapidamente. Antes do início de outro amanhecer olímpico em Tokyo 2021. O sol ainda ilumina as pranchas para alunos de surf, o esporte em que somos os primeiros campeões olímpicos.   



*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

@delcueto.studio na Colab55

domingo, 3 de junho de 2018

Não é não...


Não é não...

Pensa que é fácil?
Esperar o mar, aguardar a luz,
captar a essência
do momento, passageiro?
Tenta!

Vagabinha tuiteira e foto de Valéria del Cueto a espera de uma foto @no_rumo do SEM FIM

O garimpo é longo e, na bateia, não apenas fotos (as melhores estão no Getty Images) mas, também, os vídeos do playlist MAR.

Siga o canal  del Cueto no youtube


Studio na Colab55

segunda-feira, 26 de março de 2018

Quase parando

Quase parando

Texto e foto de Valéria del Cueto
Já tentei de um tudo para voltar á normalidade semanal na escrevinhação. Sem muito sucesso...

É a vontade de continuar firme e forte no propósito que me traz até aqui, numa parte importante de como tudo começou. Várias partes aliás, menos aquela que responde a uma das questões essenciais de quase todos os bons textos.

O “onde” está alterado. Sai a Ponta do Leme para dar lugar à Ponta do Arpoador. Guardadas as devidas proporções, é tudo pedra. Do Leme, do Arpoador...

No más é o retorno à ideia original.

Hoje é sexta-feira, são quatro horas da tarde e estou... na praia.

Temos o onde, o quando e o como. Cadê o porquê? Esse, não sei porque não anda dando tempo para decifrá-lo.

Como a imagem que ilustra a crônica. Foi questão de segundos. Eu disse de segundos! Só deu tempo (olha ele aí) para pegar a Lumix e clicar duas vezes. Entre o abrir a bolsa e puxar o celular para fazer a #xepa, o registro do Instagram, e lá se foi a composição.

Antes de que eu conseguisse armar a câmera o sol saiu detrás da nuvem (ou será que foi a nuvem que correu da frente dele?) e lavou a imagem com seu brilho, tirando o “drama” do contorno da nebulosidade fugitiva.

Assim anda tudo. Muita velocidade para pouca capacidade de absorção.

Claro que nem meu exercício fotográfico, nem a ginástica mental, fazem a mínima diferença para quem está ao redor.

Na pouca areia os vendedores circulam entre turistas e locais dispostos a aproveitarem o dia pós dilúvio. Quinta foi de chuvarada.

Os surfistas não dão a mínima para a sujeira da água do mar. Só têm olhos, braços e pernas para as desafiantes ondulações ainda altas, graças a última ressaca. E tem muitos atletas.

Todos querendo tirar o atraso dos dias em que o mar, de tão mexido, não permitia que ninguém caísse. Não era uma questão só de coragem. Era de formação das ondas. Indomáveis!

A calmaria ainda não chegou, mas já permite o zig-zag nas ondas enquanto para o sul se vê a nova frente fria se aproximando por cima do Vidigal e do Dois Irmãos. Tudo preto para aquele lado.

Uma delícia gastar linhas e páginas descrevendo o paraíso na terra. E em que terra. Nessa mesma, onde o pingo que já foi letra não passa de uma eterna reticência.

Aquela pátria amada que, faz muito, abandonou a gentileza e adotou a violência como ponto de partida para qualquer princípio de conversa(?).

Aquela que sempre já começa... atravessada. Que nem escola de samba, quando a bateria vai para um lado e a cantoria para o outro.

Não há mais tempo para os outros. O que dirá para nós.

Por isso as crônicas andam rateando. Elas se baseiam nos pressupostos de observação, sensação (não necessariamente nessa ordem), pesquisa, análise e dedução amorosa, se possível.

Ah, tá. E a velocidade dos atos e fatos, onde é que fica? Ela deturpa, invalida, desvia as conclusões.

Se não por forçar uma depuração artificial e apressada (e, portanto, perigosa), pela desatualização imediata dos dados e parâmetros consolidados para desenvolver o raciocínio dos textos.

O que é, era e não será mais. Num piscar de olhos. Como na foto...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador”, do SEM   FIM...  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

domingo, 30 de julho de 2017

Física Aplicada

Física aplicada

Texto e foto de Valéria del Cueto

Faz tempo que o caderninho anda no fundo da bolsa só fazendo número e peso nos ombros para cima e para baixo. A culpa não é dele. É da vida que, ultimamente, se não impede as boas intenções de serem intenções, provoca situações em que elas não podem se efetivar.

Foi assim na última vez em que, cheia de empolgação, largou as vicissitudes da vida, chutou o balde das aflições e rumou para a praia mais próxima pronta para rasgar o verbo sob o sol de inverno carioca. O ímpeto inspirador voltou ao nível 0 (zero) quando descobriu que havia caderninho na bolsa como sempre, mas faltava... a caneta!

De tão revoltada pulou aquela semana e, tal e qual Sherazade não pode fazer para o seu sultão em nenhuma das mil e uma noites, não mandou a crônica semanal.

Pior. Não apenas falhou, o que já havia acontecido antes, como não deu a menor satisfação nem mesmo para seu editor carrasco mais exigente.

Sabem o que aconteceu? NADA! Ninguém reclamou nem reparou na ausência das suas palavras.
E, como já provado pela terceira lei de Newton, a que diz que “a toda ação há sempre uma reação oposta de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos”, dessa vez não teve conversa. A crônica está saindo como devia antes que, além de ignorada, ainda perca seu espaço nos jornais, sites e blogs. Afinal, são mais e 450 textos das séries de crônicas no rumo do Sem Fim fiados e bordados ao longo de anos.

Em plena quinta feira um sol de veranico de julho aquece a ponta do Arpoador numa tarde clássica. Como é férias tem muita gente na praia aproveitando o dia perfeito para uns, como os adeptos de stand up paddle, já que o mar está mais para liso.

As poucas e fracas ondas não atraem os Surfistas com S maiúsculo. Os poucos que arriscam um mergulho o fazem só por pura fé e com roupas de neoprene. Sim. Clara e numa tonalidade espetacular verde azulada esmeralda, a água está fria!

O que parece não fazer muita diferença para os insistentes atletas que, prestando bastante atenção, inclusive nas suas poucas habilidades, pode-se concluir serem alunos das escolinhas de surf. Elas atraem principalmente entusiasmados turistas, os que não resistem ao mar perfeito para iniciantes, mesmo que gelado. Tipo: “é hoje só amanhã não tem mais por que venho de um lugar frio pra caramba. Está bom demais!”

Felizinhos estão os vendedores ambulantes. Dias atrás gritavam seus bordões deles para eles mesmos. Agora têm para quem vender seus variados produtos: no abre-alas o Mate Leão e o Biscoito Globo. Cuscus, picolé, queijo coalho, amendoim, cangas e biquínis, camarão, óculos de sol, caipirinha, pau de selfie, bronzeador, esfirra, cerveja, água, empadas. Especificamente nessa (des)ordem.

Dois minutos depois tudo de novo. No sentido inverso e com a mesma intensidade, como a lei. Graças ao bate volta no fim da faixa de praia, poucos vendedores ultrapassam a Praça Millor Fernandes para alcançar a Praia do Diabo. A exígua clientela do local não vale o esforço...

Na semana que vem essa moleza acaba com a volta às aulas, o fim das férias. O veranico torcemos para permanecer por mais uns dias adiando ao máximo a entrada daquela frente fria que vira o tempo no litoral no início de agosto. A previsão meteorológica incerta diminui as chances de outras crônicas relax como essa.

Sem vento, com a maré subindo para morder as areias de Ipanema, anda na contramão dos apreciadores do pôr do sol no Arpoador. Iniciantes. Nessa época do ano, o astro rei desce no meio dos prédios. Bonito mesmo é no auge do verão, quando o sol cai no meio das ilhas...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Essa crônica faz parte da série “Arpoador” do SEM FIM...  delcueto.wordpress.comStudio na Colab55

domingo, 14 de outubro de 2012

Ótimo por um átimo



Texto e foto de Valéria del Cueto
A vida é assim. Conduz a gente. Claro que há espaço para uma substancial colaboração no conjunto da obra. Mas, na hora do vamos ver, pode ter certeza: ela dá o seu pitaco e vira o jogo.

Quer um exemplo?

Cheguei numa praia repleta de atrações fotografáveis. De longe, procurei com o olhar o rumo do meu prumo, a Ponta do Leme. E lá, na Pedra, vejo que começaram a dar o ar da graça as florezinhas amarelas que recobrem as copas das árvores do perfil do morro por um curto espaço de tempo, um quase agora. É a florada dos Ipês.

De longe saco a máquina fotográfica. Cheia de gás e inspiração constato que não só as alterações da paisagem - mas o entorno como um todo - pedem um registro cuidadoso. Sinto-me leve. É a hora!
Começo num plano médio. Vou para o detalhe, pegando a bandeira que tremula no Forte Duque de Caxias e as flores, abro para um geralzão e...

A vida intervém. Poderia dizer, inclusive, que de forma muito antidemocrática. Lá se vão as baterias da câmera. Mais arriadas que pneu em caixa prego.

O que fazer com as bandeiras coloridas dos quiosques, as pipas, o tabuleiro de cuscuz, a leitora distraída? Sem falar no sol, na praia e nas ondas arrojadas que enchem o mar de surfistas.

A vida impõe. Quem pode, responde. Capto o sentido da restrição. Puramente fotográfica, ela não se estende à literatura.

Por isso estou aqui, olhando de dentro dos meus olhos para esse marzão adentro e desafiando minha capacidade de narradora para descrever, mais uma vez, o meu lugar. Meu e de muita gente que venho descobrindo através desse Sem Fim... de histórias que me seduziu. E de quem hoje sou uma escrava feliz que surfa pelas palavras tentando capturar o sentido das ondas por onde deslizam e evoluem homens e pranchas a minha praia.

Pensa que é fácil? Olha e escrever ao mesmo tempo é PHoda. Uma briga incessante. Dois polos te atraem ao mesmo tempo. Aqui, as frases e parágrafos exigem a sua atenção e rapidez, antes que passem batidas, engolidas pela velocidade dos pensamentos que, em décimos de segundos se projetam impacientes num passeio mental vertiginoso.

Lá, aí, lá. Lá é cá, no mar. Também um ciclo de imagens e manobras únicas que, a mim, seduzem desde a formação distante das ondulações que se revelarão boas ou más para a prática do surf, bodyboard e/ou do jacaré, o de peito. Até o momento em que a última espuma da antes poderosa força da natureza se espraia, lambendo preguiçosamente as areias do Leme.

Para mim, onda é um resumo da vida e mar uma síntese dos ciclos existenciais. Como um I Ching natural, aparentemente simples, porém tão complexo quanto os meandros mais profundos do oráculo chinês.
Mobilidade, volatilidade e instantaneidade. Assim são as ondas, movidas de acordo com o humor das correntes, das luas, dos ventos...

É atento a todos esses elementos que se joga na água o atleta. Na busca da sintonia com o mar. O desafio é a integração, por que dela vai depender a capacidade de ousar e criar suas manobras.

O sol, que brilhou até agorinha está se escondendo encoberto por nuvens desanimadoras. Mas como? Ainda não falei das roupas de neoprene penduradas na barraca para secarem. Nem mencionei minha paixão de sempre, as peladas na beira da praia...

É a vida, mais uma bateria que se esgota. Assim como o espaço dessa crônica, a única ditadura imposta pelos meus amados editores para os meus voos literários. Até a próxima!

*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM. delcueto.cia@gmail.com 

domingo, 5 de agosto de 2012

Sinais, sintomas e tais

Sinais, sintomas e tais

Texto e fotos de Valéria del Cueto

Um, dois, três e... já! Respirar fundo e deixar as radiações do sol se expandirem pela extensão da pele exposta ao seu calor aconchegante.

Ao longe a lancha cruza o mar como se fosse beijar a pedra que se projeta na quina do Caminho dos Pescadores. A ilusão perfeita dura apenas alguns segundos até o barco sumir em direção a entrada da Baia de Guanabara.

Acima, quase na linha do horizonte, os navios de grande calado aguardam a maré alta para passarem pelo canal estreito que leva ao movimentado porto do Rio de Janeiro. Abaixo, ondas quase perfeitas são cenários ideais  para os surfistas que deslizam entre os topos de suas cristas.

Hoje está tudo normal.

A bandeira do Brasil tremula em direção ao mar indicando os bons ventos que dominam e limpam o céu pontilhado de gaivotas.

A prancha com o bico cravado na areia e as quilhas projetadas na direção do leme, formato que dá nome à pedra, insinua o alinhamento dos sentidos e sentimentos literários do texto que ora redijo.

Atrás de mim, uma voz masculina com sotaque nordestino recita uma oração (nos dois sentidos) comum aos que, durante as férias, ancoraram nessa paragem: “Ô vidinha mais ou menos... Estou no Rio de Janeiro! Hoje, aqui no mar. Amanhã  vou no Cristo.” Prefiro não olhar na direção da declaração de amor e deixo a imaginação desenhar o dono da voz e suas companhias.  No mínimo, mais uns três, dois homens e uma mulher.

Faça o mesmo, brinque de imaginar como são.

À frente vejo um atleta fazendo abdominal para cultivar sua barriga de tanquinho. O tempo do exercício e a lisura da taboa indicam que ele não é do tipo que não sabe o que faz. Faz, e muito.

Sinto falta dos peladeiros que só adentrarão no campinho mais tarde, depois que as ondas perderem seu formato mais que perfeito. As ondas variam, têm seu sabor e valor, sobem quando querem. A pelada é de lei. Pode demorar, mas rola. É inevitável, necessária e essencial.

Como o fato de hoje ser sexta feira e cá estar eu, enquanto posso, na Ponta do Leme. Estou mais pra onda do que para partida de futebol, com suas duas carcaças de coco verde servindo de traves em lados opostos do campo a beira d’água.

Estou na linha, junto com as pranchas de surf e bodyboard esperando a onda perfeita, entre as sete representantes das séries fortes que se seguem as séries fracas, desde que o mar é mar.

Por princípio e experiência gosto muito da segunda onda da série. Deixo a primeira para os afoitos e suas pranchas maravilhosas e assisto de camarote o espetáculo enquanto sinto seu empuxo nas pernas e localizo o melhor ponto para surfar de peito na próxima que desce, já no embalo da série em questão.

Ela tem o equilíbrio da força inercial explosiva da primeira ondulação e a constância das que virão na sequência. Dá para remar, se jogar, deslizar e descer, ainda com direito a manobras clássicas pelo caminho desimpedido, sob o olhar cuidadoso dos experts que retornam para além da arrebentação para caitituar novas descidas, quem sabe ainda nessa mesma série de ondas fortes.

Onde eu estava mesmo?

Aqui, registrando os sinais que também passeiam pelas nuvens. Rápidos e inconstantes, mas visíveis para quem, deslizando na espuma formada na crista da onda que explode em direção da praia, a da Ponta do Leme, ainda consegue levantar os olhos salgados da água do mar para o céu azul que se esparrama e surpreende com seus desenhos fugazes. Um segundo, um olhar, passou...

*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM http://delcueto.multiply.com

Sinais, sintomas e tais

Sinais, sintomas e tais

Texto e fotos de Valéria del Cueto

Um, dois, três e... já! Respirar fundo e deixar as radiações do sol se expandirem pela extensão da pele exposta ao seu calor aconchegante.

Ao longe a lancha cruza o mar como se fosse beijar a pedra que se projeta na quina do Caminho dos Pescadores. A ilusão perfeita dura apenas alguns segundos até o barco sumir em direção a entrada da Baia de Guanabara.

Acima, quase na linha do horizonte, os navios de grande calado aguardam a maré alta para passarem pelo canal estreito que leva ao movimentado porto do Rio de Janeiro. Abaixo, ondas quase perfeitas são cenários ideais  para os surfistas que deslizam entre os topos de suas cristas.

Hoje está tudo normal.

A bandeira do Brasil tremula em direção ao mar indicando os bons ventos que dominam e limpam o céu pontilhado de gaivotas.

A prancha com o bico cravado na areia e as quilhas projetadas na direção do leme, formato que dá nome à pedra, insinua o alinhamento dos sentidos e sentimentos literários do texto que ora redijo.

Atrás de mim, uma voz masculina com sotaque nordestino recita uma oração (nos dois sentidos) comum aos que, durante as férias, ancoraram nessa paragem: “Ô vidinha mais ou menos... Estou no Rio de Janeiro! Hoje, aqui no mar. Amanhã  vou no Cristo.” Prefiro não olhar na direção da declaração de amor e deixo a imaginação desenhar o dono da voz e suas companhias.  No mínimo, mais uns três, dois homens e uma mulher.

Faça o mesmo, brinque de imaginar como são.

À frente vejo um atleta fazendo abdominal para cultivar sua barriga de tanquinho. O tempo do exercício e a lisura da taboa indicam que ele não é do tipo que não sabe o que faz. Faz, e muito.

Sinto falta dos peladeiros que só adentrarão no campinho mais tarde, depois que as ondas perderem seu formato mais que perfeito. As ondas variam, têm seu sabor e valor, sobem quando querem. A pelada é de lei. Pode demorar, mas rola. É inevitável, necessária e essencial.

Como o fato de hoje ser sexta feira e cá estar eu, enquanto posso, na Ponta do Leme. Estou mais pra onda do que para partida de futebol, com suas duas carcaças de coco verde servindo de traves em lados opostos do campo a beira d’água.

Estou na linha, junto com as pranchas de surf e bodyboard esperando a onda perfeita, entre as sete representantes das séries fortes que se seguem as séries fracas, desde que o mar é mar.

Por princípio e experiência gosto muito da segunda onda da série. Deixo a primeira para os afoitos e suas pranchas maravilhosas e assisto de camarote o espetáculo enquanto sinto seu empuxo nas pernas e localizo o melhor ponto para surfar de peito na próxima que desce, já no embalo da série em questão.

Ela tem o equilíbrio da força inercial explosiva da primeira ondulação e a constância das que virão na sequência. Dá para remar, se jogar, deslizar e descer, ainda com direito a manobras clássicas pelo caminho desimpedido, sob o olhar cuidadoso dos experts que retornam para além da arrebentação para caitituar novas descidas, quem sabe ainda nessa mesma série de ondas fortes.

Onde eu estava mesmo?

Aqui, registrando os sinais que também passeiam pelas nuvens. Rápidos e inconstantes, mas visíveis para quem, deslizando na espuma formada na crista da onda que explode em direção da praia, a da Ponta do Leme, ainda consegue levantar os olhos salgados da água do mar para o céu azul que se esparrama e surpreende com seus desenhos fugazes. Um segundo, um olhar, passou...

*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM http://delcueto.multiply.com

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A onda que leva, traz


A onda que leva, traz

Texto e foto de Valéria del Cueto

 Segunda feira, 2 da tarde. Estou na Ponta. Ainda. Usando o meu biquíni mais antigo. Aquele que de topo de linha de alguns anos atrás virou diário, até ser substituído por outros que vinham na fila. Verdade seja dita, fui em busca desta peça antiga por razões totalmente justificáveis.

Quero me sentir em casa. No meu canto. Íntima. Usual, contumaz, tipo mobiliário permanente. Mesmo que, vez por outra, como agora, precise me ausentar.

A raposa que me habita palpita: “É, está ficando mais frio, o inverno está chegando”, me diz, tentando o quase impossível: transformar essa luz perfeita, este espaço aberto e o murmúrio do mar nas uvas verdes de La Fontaine.

Não cola. Quando estou quase convencida o barulho das bandeiras dos clubes, penduradas nas armações de lona dos barraqueiros, acrescenta um novo elemento aos sons - que penso conhecer de cor e salteado -  da minha ponta de mundo. Se junta ao bater das asas de alguns pombos que se esforçam para alçar voo, embalados pelo mesmo vento que cutuca as bandeiras.

Lá vai minha concentração - e quase concordância - no argumento do lado raposa, esmagada pela paisagem que me circula e o gemido do mar, acrescido dos elementos sonoros acima expostos.

Tá muito mar. Alto, mexido, cheio de valas e correntezas. Um surfista solitário espreita além da linha de espuma suja por causa da maré, trazida do outro lado da Pedra do Leme. Isso não é novidade.

Novidade vai ser o que a moça a minha frente vai sentir, quando descobrir, provavelmente num quarto de hotel, o estado lastimável das suas costas. Antes, branquinhas, agora, rosadas e mais tarde, num tom definitivamente vermelho.

Assim é a vida, uma troca de pele constante. Ás vezes traumática, como é o caso da moça. Outras, nem sequer sentimos. Mas elas, nossas camadas epiteliais, de uma forma ou de outra, se vão. Eu prefiro fazer minhas trocas de uma maneira intermediária, sem muito sofrimento, mas não de maneira que eu não note essa renovação.

Chico Amorim me ensinou a reconhecer o tempo da seca em Cuiabá observando nossas mãos descascar, sempre na mesma época do ano. Depois, a secura piorava castigando nossa nova epiderme e deixando ela no ponto para o tempo das águas... Mais ou menos como as pichações na Pedra do Leme, normalmente apagadas a cada início de ano para dar lugar... às novas expressões de uma, digamos arte, impressa no concreto do Caminho dos pescadores e adjacências.

Tudo isso, pra dizer que estou de partida. Outra vez. Um pouco mais tarde esse ano, porém, o tempo de ir apresentou-se.

E é de biquíni velho, alma lavada pela gratidão de aqui estar, que saboreio esse momento (que se repete muitas vezes na minha vida muito tempo), aquele em que digo a mim e a minha raposa: “A melhor coisa de ir, é poder voltar”

* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Este artigo faz parte da série Ponta do Leme, do SEM FIM http://delcueto.wordpress.com

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Manchetes ao vento



MANCHETES AO VENTO

Texto e foto de Valéria del Cueto

Quanta gente sorridente. Um pouco mofada, é verdade, mas feliz que nem pinto no lixo comemorando o sol que nos aquece nesta tarde de verão.
A água está imunda. A ressaca formou um paredão na areia que as ondas mais afoitas tentam escalar. Dali até a arrebentação a correnteza espumosa adverte sobre o que vem mais para frente, mar adentro. Não é elevação para amador. Aliás, a maioria nem pode ser chamada assim. É caixote mesmo, parede!
Do alto de minha sabedoria “lemense”, avaliando os custos e benefícios, não aventaria a hipótese de ter o mar que vejo diante dos meus olhos como objeto de desejo. Poucas ondas decentes e muita sujeira indecente, cercando a área de esperar a boa da seqüência. Vote!
Mas pra lagartear aqui fora está valendo. Também, não dá pra mais nada. Um exemplo? Ler o jornal nem pensar. A bandeira do alto da Pedra do Leme aponta na direção do Pão de Açúcar, animada o suficiente pelo vento sudoeste. A ponto de bagunçar as páginas do jornal do dia.
Melhor assim. Um cuidado da natureza amiga aos que, como eu, se concentram  e preparam para enfrentar a maratona carnavalesca na Marquês de Sapucaí a partir do sábado.
É claro que me preocupo com a conjuntura mundial, com a baixaria nacional e o colapso municipal. E só de olhar as manchetes de hoje dançando em primeiro plano em cima da minha canga, com o mar revolto emoldurando o fundo do quadro, para saber que, mais uma vez, o universo conspira e joga a meu favor, pelo menos nos pequenos detalhes...
Já que não posso resolver, por alguns dias, prefiro ignorar as mazelas rotineiras e me dedicar a tentar ser feliz fazendo uma das coisas que mais gosto na vida: cair dentro do mundo carnavalesco.
Eu sei, que é pra tudo se acabar na quarta feira. E que,  neste dia, lá estarão elas, as manchetes de sempre persistentes e tenebrosas. Quase as mesmas de hoje...
Pelo menos tenho um consolo: no dia seguinte, a quinta feira, algo vai mudar nessa primeira página. Ali, linda e colorida, estará a foto da escola que levou o título de 2008, cantando vitória e anunciando o desfile do sábado das Campeãs...

 
Valeria del Cueto é jornalista e cineasta
liberado para reprodução com o devido crédito

Este artigo faz parte da série Ponta do Leme

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Meninos, eu vi!


MENINOS, EU VI!
Texto de Valéria del Cueto
aqui fotos que correspondem aos fatos
 Amigos parceiros e voyeurs do meu posto de observação na Ponta do Leme. Cá estou a lhes trazer meu testemunho ilibado sobre uma raridade nestes dias derradeiros que antecedem o carnaval: Faz...SOL!!!!
Isso mesmo. Contrariando até as previsões mais otimistas, o astro rei resolveu, num surpreendente e sensacional ato de recuperação física e moral, dar o ar de sua aguardadíssima graça no verão carioca.
Ele está assim, maneiro, como dizem no interior. Diferente e imprevisível.
O dia amanheceu daquele jeito. Nublado, chuvoso e chato. Os jornais anunciavam as previsões meteorológicas mais  negativas possíveis: de chuvas, ventos e ciclones para as próximas horas, dias, pro carnaval inteiro.
Aí, ele resolveu aparecer. E pegou de surpresa todo mundo.
É... quando a gente chega na praia e não vê uma única sombra de barraca, nem seus respectivos barraqueiros, até onde vistas menos míopes que as minhas alcançam, é sinal de que nem um mormaço clássico fazia parte das  previsões do povo da areia que atende diligentemente aos banhistas, no caso em pauta, tão escassos quanto ele. Onde não há procura, não há oferta.
A faixa de areia que atravesso em direção a beira da praia está quase virgem de pegadas humanas. Está marcada pelos pingos da última chuvinha chata e pelos três palitinhos que forma as pegadas dos pombos que insistem em ciscar no pedaço, mais persistentes do que eu.
Meus amigos, ilhéus lá do Brandão, me ensinaram que um fenômeno marítimo sempre acontece nesta época do ano. Trata-se da ressaca de carnaval, que temporada após temporada, turva as águas claras e transparentes da baia de Angra do Reis, onde sonho em mergulhar, um dia, novamente.
A ressaca anual, desconfio, está diante de mim na tarde que cai aqui na Ponta do Leme, para alegria dos surfistas. Eles se atiram paredão abaixo, sem o menor pudor. O pico não é no canto da Pedra do Leme, o mais almejado pelos especialistas da área, mas está alto e desafiador. Somos só nós. Pranchas, bicicletas, surfistas e eu.
Não vai dar tempo para uma reação dos turistas entediados, que nos últimos dias serpenteiam pelo calçadão com olhos compridos em direção ao mar. Até eles se darem conta do que já aconteceu e espanarem a inércia modorrenta que se abate sobre suas almas inquieta,s a festa já acabou.
Mal deu tempo para escrever este relato, descrevendo o milagre quase particular que presencio e usufruo.
Está tudo quase cinza novamente, exceto por uma barra azul da cor mais límpida do céu, que enfeita o horizonte por cima do mar. É a prova que preciso para os que acham que aqui, na Ponta do Leme, a gente costuma delirar e ver miragens de verão, em pleno janeiro, aqui no Rio...

Valeria del Cueto é jornalista e cineasta
liberado para reprodução com o devido crédito

Este artigo faz parte da série Ponta do Leme