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segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Cego dos óio

Cego dos “óio”

Texto, foto e vídeo de Valéria del Cueto

Com secura de mar. Foi assim que chegou na praia. Saboreou cada detalhe do caminho antecipando alcançar a sensação irreal de normalidade de buscava.

Deu bom dia ao porteiro elogiando as orquídeas que floresciam abraçadas na árvore da rua em frente ao prédio.

Trocou uma ideia na portaria vizinha sobre as birutas sonoras amarelas instaladas depois de anos sem serem necessárias e colocadas, aliás, no momento em que a energia elétrica que aciona as geringonças está pela hora da morte.

Subiu a rua quase ladeira rumo ao Arpoador, Ipanema, cartão postal do Rio de Janeiro. O sol, que andara escasso em outubro, estalava no céu surgindo no rendado das folhas de amendoeiras frondosas que sombreiam a rua.

Quando cruzou a última pista e precisou prestar atenção ao espaço dos ciclistas, já ouvia o som do trompete do músico que bate ponto no primeiro banco na entrada do Garota de Ipanema. Enquanto contornava o parque ouvia os tristes acordes de Assum Preto, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, o cego dos “óio” que canta de dor.

Na passagem lateral que leva à praia as pitangueiras coladas ao muro grafitado estão carregadas de frutos amarelos. Os vermelhos, perpitolas, como dizem os cuiabanos, são colhidos por quem reconhece as árvores frutíferas, ainda mais nessa época de escassez.

A praia se descortina à frente. O sol, sem uma nuvem no céu, reina soberano e absoluto.

A blusa de manga comprida parece quente demais. Só parece. Quem “é da praia” sabe que ela é essencial na hora de voltar pra casa quando, com o corpo quente, tiver que percorrer o caminho sombreado e, talvez, enfrentar os corredores de vento nas ruas do bairro.

A areia da praia não está cheia (ainda) e o mar bate num som que, não pergunte como, indica a subida da maré. O truque é não ficar na beirada para poder escrever tranquilamente. Esquecer a linha de frente. Isso é o que garante não haver surpresas quando a maré subindo der o bote para recuperar seu espaço.

Antes da água surpreender a distraída com o caderninho, os banhistas instalados próximos à água darão o alerta. Para facilitar, usa como marcação o homem-camarão. Aquele que dorme distraído ao bronzeamento se preparando, inadvertidamente, para uma noite de sofrimento inesquecível.  

O mar baixou e tem uma linha animada de surfistas. Pelo horário e o estilo dominante não está nela a rapaziada local que prefere as ondas que fazem a fama do point em dias de ressaca.  

O Rio está cheio e o sotaque do grupo ao lado é de sulistas. Comentam sobre o visual das acomodações que ocupam na cidade.

Definida a ocupação é estender a canga na direção sul, tirar a máscara (sim, ainda necessária para quem não está afim de bater palmas pra maluco Bolsonaro ou Eduardo Paes dançar) e, finalmente, ser invadida pelo tão almejado cheiro da maresia.

Ao sacar o caderninho está decretado o fim de todos os incômodos. Até o do som da música porcaria do grupo que se confraterniza a alguns metros adiante. É hora de mergulhar nas sensações de um dia normal.

Tudo cronometrado. Quando as linhas definidas pelo editor do jornal para o espaço ideal da crônica estão se esgotando o homem-camarão pula, levantando seus pertences. Sua toalha é alcançada por uma onda atrevida!

Hora de levantar a cabeça, focar a vista em direção ao sol que desce cinematográfico em direção a ponta do Vidigal e fazer aquela foto cartão postal “cego dos óio” pela beleza para ilustrar a crônica.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Arpoador do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

 




@delcueto.studio na Colab55

segunda-feira, 26 de março de 2018

Quase parando

Quase parando

Texto e foto de Valéria del Cueto
Já tentei de um tudo para voltar á normalidade semanal na escrevinhação. Sem muito sucesso...

É a vontade de continuar firme e forte no propósito que me traz até aqui, numa parte importante de como tudo começou. Várias partes aliás, menos aquela que responde a uma das questões essenciais de quase todos os bons textos.

O “onde” está alterado. Sai a Ponta do Leme para dar lugar à Ponta do Arpoador. Guardadas as devidas proporções, é tudo pedra. Do Leme, do Arpoador...

No más é o retorno à ideia original.

Hoje é sexta-feira, são quatro horas da tarde e estou... na praia.

Temos o onde, o quando e o como. Cadê o porquê? Esse, não sei porque não anda dando tempo para decifrá-lo.

Como a imagem que ilustra a crônica. Foi questão de segundos. Eu disse de segundos! Só deu tempo (olha ele aí) para pegar a Lumix e clicar duas vezes. Entre o abrir a bolsa e puxar o celular para fazer a #xepa, o registro do Instagram, e lá se foi a composição.

Antes de que eu conseguisse armar a câmera o sol saiu detrás da nuvem (ou será que foi a nuvem que correu da frente dele?) e lavou a imagem com seu brilho, tirando o “drama” do contorno da nebulosidade fugitiva.

Assim anda tudo. Muita velocidade para pouca capacidade de absorção.

Claro que nem meu exercício fotográfico, nem a ginástica mental, fazem a mínima diferença para quem está ao redor.

Na pouca areia os vendedores circulam entre turistas e locais dispostos a aproveitarem o dia pós dilúvio. Quinta foi de chuvarada.

Os surfistas não dão a mínima para a sujeira da água do mar. Só têm olhos, braços e pernas para as desafiantes ondulações ainda altas, graças a última ressaca. E tem muitos atletas.

Todos querendo tirar o atraso dos dias em que o mar, de tão mexido, não permitia que ninguém caísse. Não era uma questão só de coragem. Era de formação das ondas. Indomáveis!

A calmaria ainda não chegou, mas já permite o zig-zag nas ondas enquanto para o sul se vê a nova frente fria se aproximando por cima do Vidigal e do Dois Irmãos. Tudo preto para aquele lado.

Uma delícia gastar linhas e páginas descrevendo o paraíso na terra. E em que terra. Nessa mesma, onde o pingo que já foi letra não passa de uma eterna reticência.

Aquela pátria amada que, faz muito, abandonou a gentileza e adotou a violência como ponto de partida para qualquer princípio de conversa(?).

Aquela que sempre já começa... atravessada. Que nem escola de samba, quando a bateria vai para um lado e a cantoria para o outro.

Não há mais tempo para os outros. O que dirá para nós.

Por isso as crônicas andam rateando. Elas se baseiam nos pressupostos de observação, sensação (não necessariamente nessa ordem), pesquisa, análise e dedução amorosa, se possível.

Ah, tá. E a velocidade dos atos e fatos, onde é que fica? Ela deturpa, invalida, desvia as conclusões.

Se não por forçar uma depuração artificial e apressada (e, portanto, perigosa), pela desatualização imediata dos dados e parâmetros consolidados para desenvolver o raciocínio dos textos.

O que é, era e não será mais. Num piscar de olhos. Como na foto...

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador”, do SEM   FIM...  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

ATÉ ONDE A VISTA ALCANCA





Embarcação e pedra
28/10/2005
O mar subiu e as ondas estão batendo. Dos surfistas de plantão restaram apenas uns poucos. Quatro, para ser mais exata. Na ponta do Caminho dos Pescadores, na Pedra do Leme, vejo só uns dois pontinhos. Não é aquela linha costumeira de pescadores e seus molinetes.

E está um senhor mar. Puxando. A primeira vala está colada na pedra. Ninguém na água. Só os surfistas. Pouca gente na praia. Uns desavisados caem na vala. Os surfistas percebem o sufoco. Dividem a prancha, devolvem os caras em segurança.

O sol está forte, mas uma bruma teimosa impede a visão da orla da Copacabana. E estamos perto do meio do dia. Não dá para avistar as ilhas. A linha do horizonte se confunde com a cor cinzenta do mar aberto. É maresia da boa. Daquela que cola no corpo, invade os apartamentos pelas janelas, deixa tudo melado. E corrói os metais. Se respirar pela boca consegue até sentir o gosto.

Na beira, a água está linda e, poderíamos dizer, esverdeada se não fosse só espuma e areia, revolvidas. Fruto das pancadas das ondas que arrebentam sem nenhuma delicadeza. Guardam sua poesia para os borrifos e respingos dançantes. Eles espirram do estouro provocado pela enorme boca que se abre, despenca como parede e ruge como leão. Não há sinal de acolhimento no vai-e-vem nervoso e inconstante.

Normalmente os surfistas esperam a série de sete ondas fortes para deslizarem pelas maiores e mais poderosas. Hoje, ao contrário, se dedicam a tentar o equilíbrio na série das ondas fracas. Não há a menor chance de diálogo ou evolução nas pancadonas. Elas não têm laterais. São apenas precipícios e pauladas.

A tarde caminha. A maré vai baixando. O mar acalma. A bruma some.

Como na vida.

...

Valéria del Cueto é jornalista e cineasta

Este artigo faz parte da Série ¨Ponta do Leme¨, composto por “Pré Visões do Tempo”, “O Rei da Praia”, “ Há os que não Gostam, Ora Pois” e “N.G. por VdC” e outros mais que ainda virão...