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segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Cego dos óio

Cego dos “óio”

Texto, foto e vídeo de Valéria del Cueto

Com secura de mar. Foi assim que chegou na praia. Saboreou cada detalhe do caminho antecipando alcançar a sensação irreal de normalidade de buscava.

Deu bom dia ao porteiro elogiando as orquídeas que floresciam abraçadas na árvore da rua em frente ao prédio.

Trocou uma ideia na portaria vizinha sobre as birutas sonoras amarelas instaladas depois de anos sem serem necessárias e colocadas, aliás, no momento em que a energia elétrica que aciona as geringonças está pela hora da morte.

Subiu a rua quase ladeira rumo ao Arpoador, Ipanema, cartão postal do Rio de Janeiro. O sol, que andara escasso em outubro, estalava no céu surgindo no rendado das folhas de amendoeiras frondosas que sombreiam a rua.

Quando cruzou a última pista e precisou prestar atenção ao espaço dos ciclistas, já ouvia o som do trompete do músico que bate ponto no primeiro banco na entrada do Garota de Ipanema. Enquanto contornava o parque ouvia os tristes acordes de Assum Preto, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, o cego dos “óio” que canta de dor.

Na passagem lateral que leva à praia as pitangueiras coladas ao muro grafitado estão carregadas de frutos amarelos. Os vermelhos, perpitolas, como dizem os cuiabanos, são colhidos por quem reconhece as árvores frutíferas, ainda mais nessa época de escassez.

A praia se descortina à frente. O sol, sem uma nuvem no céu, reina soberano e absoluto.

A blusa de manga comprida parece quente demais. Só parece. Quem “é da praia” sabe que ela é essencial na hora de voltar pra casa quando, com o corpo quente, tiver que percorrer o caminho sombreado e, talvez, enfrentar os corredores de vento nas ruas do bairro.

A areia da praia não está cheia (ainda) e o mar bate num som que, não pergunte como, indica a subida da maré. O truque é não ficar na beirada para poder escrever tranquilamente. Esquecer a linha de frente. Isso é o que garante não haver surpresas quando a maré subindo der o bote para recuperar seu espaço.

Antes da água surpreender a distraída com o caderninho, os banhistas instalados próximos à água darão o alerta. Para facilitar, usa como marcação o homem-camarão. Aquele que dorme distraído ao bronzeamento se preparando, inadvertidamente, para uma noite de sofrimento inesquecível.  

O mar baixou e tem uma linha animada de surfistas. Pelo horário e o estilo dominante não está nela a rapaziada local que prefere as ondas que fazem a fama do point em dias de ressaca.  

O Rio está cheio e o sotaque do grupo ao lado é de sulistas. Comentam sobre o visual das acomodações que ocupam na cidade.

Definida a ocupação é estender a canga na direção sul, tirar a máscara (sim, ainda necessária para quem não está afim de bater palmas pra maluco Bolsonaro ou Eduardo Paes dançar) e, finalmente, ser invadida pelo tão almejado cheiro da maresia.

Ao sacar o caderninho está decretado o fim de todos os incômodos. Até o do som da música porcaria do grupo que se confraterniza a alguns metros adiante. É hora de mergulhar nas sensações de um dia normal.

Tudo cronometrado. Quando as linhas definidas pelo editor do jornal para o espaço ideal da crônica estão se esgotando o homem-camarão pula, levantando seus pertences. Sua toalha é alcançada por uma onda atrevida!

Hora de levantar a cabeça, focar a vista em direção ao sol que desce cinematográfico em direção a ponta do Vidigal e fazer aquela foto cartão postal “cego dos óio” pela beleza para ilustrar a crônica.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Arpoador do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

 




@delcueto.studio na Colab55

terça-feira, 27 de julho de 2021

Força maior


Texto e foto de Valéria del Cueto

Esse veranico de julho é de lei! Andava com saudades. Danadas. Ano passado praticamente passou batido. Sem a relativa margem de segurança que a vacina e os protocolos proporcionam a ida ao Arpoador para usufruir do combo sol, sal e areia, mar, céu e calor no inverno ficou praticamente inviável.

Ano passado, disse, e sinto que você, leitor das crônicas do Sem Fim, entendeu a sutileza do recado.

Pois é, caderninho no colo, canga colorida, mochila com a alça presa no braço, havaianas viradas de barriguinha pra baixo, que é para não queimar os pezinhos quando for calçá-las na saída, e eis-me aqui. Caneta em punho riscando a folha pautada, texteando no Arpex, Ipanema, Rio de Janeiro, Brasil.

Mal comparando, o dia de hoje é como a pausa olímpica que encanta nossa rotina, agora nas ondas do fuso horário do Japão, no outro lado do mundo.

Um refresco emocional para quem está vivendo o reality show da pandemia que se desdobra em capítulos e reviravoltas na CPI da Covid, a estrela da política brasileira, que anda levantando a beira do tapete do sempre surpreendente cenário nacional.

É, tipo assim, um respiro em que temos ídolos olímpicos, histórias edificantes e até uma fadinha de verdade que leva a gente em seus voos saltitantes. Logo ali.

Aqui ao lado vejo pranchas sentinelas cujas sombras crescem surfando na areia ao cair do sol. Fotografo a mensagem. Sei lá, né? E não é que deu o não tão midiático Ítalo Ferreira na cabeça?

As férias um dia acabam, em todos os sentidos. Primeiro, voltam as aulas logo depois da próxima frente fria acabar com o refresco do veranico.

Talvez quando você estiver lendo essa crônica, o bicho frio já esteja chegando e pegando. No Sul, já quase é. O corre começou com chuvas lá para as bandas da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Mas pode ser que não... A esperança é a última a dizer “pode ir” a esse calorzinho delicioso. Como eu, ela não quer render-se às promessas de frio intenso, geada e neve!

Pensa num azul quase Caribe.  Um mar não muito pesado ainda se desvestindo da força das ondas pós ressaca. O sacode veio na última passagem de massa polar pelo pedaço, antes do sol se reinstalar para manter a lenda viva do veranico.

Pela ordem dos acontecimentos, todos agendados, após o frio quem retorna é a CPI. Vai embolar a programação com o (con)fuso olímpico!

Tem mais um monte de coisas acontecendo, mas só tenho ouvidos para os sons da praia onde se destacam as ladainhas dos pregoeiros que circulam na areia oferecendo seus produtos. A todos os apelos junta-se mais um item à cantoria. O atrativo é a facilidade do pagamento: “Temos PIX!!!”

Aí, chega aquela hora em que passa no miudinho a ideia que nunca devemos pensar, o que dirá formular. “Que dia lindo, o que pode dar errado?”. Pensei, levei, caro leitor, como sempre. Não, não foi o vento. Poderia entrar gelado, encarneirando o mar, levantando areia anunciando a mudança o tempo.

Foi mais simples e definitivo. Quando a cor começou lentamente a empalidecer e perder aquele excesso que sempre deixa marcas? Adivinhou, curioso? Não foi um céu sendo encoberto, nuvens, bruma ou maresia empalidecendo o azul. O azul desbotou as letras, a tinta da caneta que bordava as palavras.

Se despediu lentamente enquanto a maré subia avisando que era hora de recolher a canga, rumar pra casa e fazer o acabamento no restinho de palavras que falta para arrematar a escrevinhação. Rapidamente. Antes do início de outro amanhecer olímpico em Tokyo 2021. O sol ainda ilumina as pranchas para alunos de surf, o esporte em que somos os primeiros campeões olímpicos.   



*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com

@delcueto.studio na Colab55

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Depois do amanhã


Depois do amanhã

Texto, foto de Valéria del Cueto

Estamos no ponto mais alto do triplo mortal carpado no trapézio. Sem rede de proteção. A distopia é aqui na porta ao lado. Quem somos nós para reconhece-la dentro do nosso próprio quadrado? Entramos no segundo mês do ano. Como se o carnaval, já cancelado na prática, mas fervilhante em nossos corações, fosse loguinho ali.

Temos tudo, nesse nada sem sentido em que vegetamos. Dos grandes fatos aos pequenos atos quem somos nós nessa contradança? O nada combinado com o lugar nenhum. Somando, dividindo, subtraindo e multiplicando vamos levando a aritmética incorreta do dia a dia da pandemia. Aquela que assusta no âmbito geral e provoca um efeito inverso no individual. Todo mundo sabe que a ordem dos fatores altera o produto, o que não impede o “queroomeu” de sempre dando cartas de mão no pano não tão verde da humanidade.

O caos é aqui. Os sinais são bem claros, a gente é que não tem olhos para ver. O primeiro deles, no meu caso, é o local e o horário que saquei a caneta e abri o caderninho. São seis e meia da manhã da primeira segunda feira de fevereiro. Escrevo no chão da sala com o sol invadindo, ainda tímido, os tecidos de voil e a renda delicada da cortina que protege as plantas.

Ao meu lado o tomateiro informa, pela alegria serelepe de suas folhas que tremulam no ritmo preguiçoso da brisa passeando pela janela recém aberta que, apesar da falta de chuvas nesse janeiro esturricado, houve uma evolução sensível e visível a olho nu no jardim suspenso da pandemia.

Ao lado dele, uma rosa cor de rosa bem antigo desabrocha no vaso em que uma espécie desconhecida e com folhas de cheiro forte se desenvolve animadona. Tirei uma foto da mudinha virando arbusto abusado e o google indicou que pode ser um pé de Dama da Noite. Achei um pouco diferente dos “modelos” similares apresentados pelo sábio da Inteligência Artificial. Tenho a impressão que as folhas são mais lustrosas. As do vaso parecem ser, se não aveludadas, como a do pezinho de tomate, menos rígidas e “polidas”.

O sol que tomo todas as manhãs produz o tom moreno, quebra o tom esverdeado do isolamento na minha pele e pode ser reverenciado no desenvolvimento progressivo das plantas (inclusive eu, a ameba mor). Agora está forte e, caso não tomemos os devidos cuidados, deixará suas marcas. Isso me leva a mudar constantemente de posição. O caderninho me guia. E também ao meu corpo como um todo para evitar aquelas marcas nas dobrinhas, garantindo um bronzeado equilibrado. Igual a quando escrevo as crônicas nas Pontas, do Leme ou do Arpoador num verão qualquer.

Onde quero chegar? A nossa incrível e perigosa capacidade de adaptação, quase sempre inconsciente. A que nos faz acordar de madrugada num primeiro de fevereiro (amanhã é dia de Iemanjá), num ano sem carnaval, depois de um final de semana clássico com muito calor (chuvas por aqui, só se for de bençãos, pra quem acredita), praias lotadas, arrastões e variantes inclassificáveis das novas cepas se beijando nas bocas turísticas de Ipanema e outros points.

Não, não está pouco. Nem essas informações traduzem um retrato fiel do que nos aguarda, além da lentidão na vacinação contra a covid-19. O radinho que está desligado informa os movimentos de mais uma greve de caminhoneiros anunciada, ainda hoje decidirão os comandos do parlamento brasileiro. Mas, antes, Rodrigo Maia poderia até pautar o impeachment de Bolsonaro no Congresso Brasileiro, enquanto da miúda Myanmar o amigo desconhecido avisa sobre o último golpe de estado de um outro lado do mundo. Que não é aquele onde milhares de manifestantes são presos ao protestarem contra a prisão de um oposicionista ao regime, no caso, o russo.

O dia mal começou. Eu aqui, entre rosas, azaléas, tomateiros, hortelãs e mudinhas de pimentões. Observo o passarinho que borboleteia no pé de camélia que nunca deu flor. Agora, torro as cascas de bananas e jogo moída na terra. Diz que a ausência de flores é falta de potássio. Só saberei o efeito na próxima primavera. Enquanto converso com ela reparo que já dá pra ver uma mudança nos brotos das novas folhas que explodem nas pontas dos galhos. As flores, só o futuro dirá se resistirão ao inverno que (ainda) está por vir....      

*Valéria del Cueto é jornalista, fotógrafa e gestora de carnaval. Da série “Arpoador” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com


Studio na Colab55

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Altinho, a pelada de Ipanema - ensaio fotográfico

Altinho, a pelada de Ipanema

Na altura do Coqueirão, praia de Ipanema, Rio de Janeiro, Brasil, início do outono 2018.

Fim de março no Rio de Janeiro. O contra luz do sol caindo e os reflexos de seus raios no mar (com ondas altas de ressaca) dando relevo ao fundo da imagem, desenham os corpos dos jogadores de altinho, o futebol descompromissado que se espalha pela orla carioca.

Da foto 008 saiu a silhueta que compõe a ilustração da Coleção Бразилия em russo é #brasil, do Studio@delcueto #colab55

Clique AQUI ou na foto para ver a coleção no Flickr

Altinho, a pelada de Ipanema//embedr.flickr.com/assets/client-code.js
#valerio2018
#coisadorio
Valéria del Cueto, para @no_rumo do Sem Fim

E aí...
Бразилия em russo é #brasil, do Studio@delcueto

Concepção

 
Deu liga. Foi um dos contornos dos corpos que quebrou a severidade dos caracteres e sinuosamente,indicou o que temos de sobra no nosso futebol. A malemolência tão comum em qualquer pelada de beira de praia.

Na Colab55, o hub brasileiro de nossos produtos, nossa hashtag é #coisadorio. E tem mais, se seu estilo é de poucas linhas e quase nenhuma palavra.

Conheça as coleções Bamboo e Signal disponíveis para vendas internacionais pela plataforma redbubble. Novos produtos e muitas opções exclusivas.

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 No Getty Images

Imagens produzidas estão na coleção Sem Fim… de Valéria del Cueto no Getty ImagesExclusivas do banco de imagens, elas também estão a venda!

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Studio na Colab55

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Manchetes ao vento



MANCHETES AO VENTO

Texto e foto de Valéria del Cueto

Quanta gente sorridente. Um pouco mofada, é verdade, mas feliz que nem pinto no lixo comemorando o sol que nos aquece nesta tarde de verão.
A água está imunda. A ressaca formou um paredão na areia que as ondas mais afoitas tentam escalar. Dali até a arrebentação a correnteza espumosa adverte sobre o que vem mais para frente, mar adentro. Não é elevação para amador. Aliás, a maioria nem pode ser chamada assim. É caixote mesmo, parede!
Do alto de minha sabedoria “lemense”, avaliando os custos e benefícios, não aventaria a hipótese de ter o mar que vejo diante dos meus olhos como objeto de desejo. Poucas ondas decentes e muita sujeira indecente, cercando a área de esperar a boa da seqüência. Vote!
Mas pra lagartear aqui fora está valendo. Também, não dá pra mais nada. Um exemplo? Ler o jornal nem pensar. A bandeira do alto da Pedra do Leme aponta na direção do Pão de Açúcar, animada o suficiente pelo vento sudoeste. A ponto de bagunçar as páginas do jornal do dia.
Melhor assim. Um cuidado da natureza amiga aos que, como eu, se concentram  e preparam para enfrentar a maratona carnavalesca na Marquês de Sapucaí a partir do sábado.
É claro que me preocupo com a conjuntura mundial, com a baixaria nacional e o colapso municipal. E só de olhar as manchetes de hoje dançando em primeiro plano em cima da minha canga, com o mar revolto emoldurando o fundo do quadro, para saber que, mais uma vez, o universo conspira e joga a meu favor, pelo menos nos pequenos detalhes...
Já que não posso resolver, por alguns dias, prefiro ignorar as mazelas rotineiras e me dedicar a tentar ser feliz fazendo uma das coisas que mais gosto na vida: cair dentro do mundo carnavalesco.
Eu sei, que é pra tudo se acabar na quarta feira. E que,  neste dia, lá estarão elas, as manchetes de sempre persistentes e tenebrosas. Quase as mesmas de hoje...
Pelo menos tenho um consolo: no dia seguinte, a quinta feira, algo vai mudar nessa primeira página. Ali, linda e colorida, estará a foto da escola que levou o título de 2008, cantando vitória e anunciando o desfile do sábado das Campeãs...

 
Valeria del Cueto é jornalista e cineasta
liberado para reprodução com o devido crédito

Este artigo faz parte da série Ponta do Leme

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Meninos, eu vi!


MENINOS, EU VI!
Texto de Valéria del Cueto
aqui fotos que correspondem aos fatos
 Amigos parceiros e voyeurs do meu posto de observação na Ponta do Leme. Cá estou a lhes trazer meu testemunho ilibado sobre uma raridade nestes dias derradeiros que antecedem o carnaval: Faz...SOL!!!!
Isso mesmo. Contrariando até as previsões mais otimistas, o astro rei resolveu, num surpreendente e sensacional ato de recuperação física e moral, dar o ar de sua aguardadíssima graça no verão carioca.
Ele está assim, maneiro, como dizem no interior. Diferente e imprevisível.
O dia amanheceu daquele jeito. Nublado, chuvoso e chato. Os jornais anunciavam as previsões meteorológicas mais  negativas possíveis: de chuvas, ventos e ciclones para as próximas horas, dias, pro carnaval inteiro.
Aí, ele resolveu aparecer. E pegou de surpresa todo mundo.
É... quando a gente chega na praia e não vê uma única sombra de barraca, nem seus respectivos barraqueiros, até onde vistas menos míopes que as minhas alcançam, é sinal de que nem um mormaço clássico fazia parte das  previsões do povo da areia que atende diligentemente aos banhistas, no caso em pauta, tão escassos quanto ele. Onde não há procura, não há oferta.
A faixa de areia que atravesso em direção a beira da praia está quase virgem de pegadas humanas. Está marcada pelos pingos da última chuvinha chata e pelos três palitinhos que forma as pegadas dos pombos que insistem em ciscar no pedaço, mais persistentes do que eu.
Meus amigos, ilhéus lá do Brandão, me ensinaram que um fenômeno marítimo sempre acontece nesta época do ano. Trata-se da ressaca de carnaval, que temporada após temporada, turva as águas claras e transparentes da baia de Angra do Reis, onde sonho em mergulhar, um dia, novamente.
A ressaca anual, desconfio, está diante de mim na tarde que cai aqui na Ponta do Leme, para alegria dos surfistas. Eles se atiram paredão abaixo, sem o menor pudor. O pico não é no canto da Pedra do Leme, o mais almejado pelos especialistas da área, mas está alto e desafiador. Somos só nós. Pranchas, bicicletas, surfistas e eu.
Não vai dar tempo para uma reação dos turistas entediados, que nos últimos dias serpenteiam pelo calçadão com olhos compridos em direção ao mar. Até eles se darem conta do que já aconteceu e espanarem a inércia modorrenta que se abate sobre suas almas inquieta,s a festa já acabou.
Mal deu tempo para escrever este relato, descrevendo o milagre quase particular que presencio e usufruo.
Está tudo quase cinza novamente, exceto por uma barra azul da cor mais límpida do céu, que enfeita o horizonte por cima do mar. É a prova que preciso para os que acham que aqui, na Ponta do Leme, a gente costuma delirar e ver miragens de verão, em pleno janeiro, aqui no Rio...

Valeria del Cueto é jornalista e cineasta
liberado para reprodução com o devido crédito

Este artigo faz parte da série Ponta do Leme

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

ANTES A TARDE DO QUE NUNCA





ANTES A TARDE DO QUE NUNCA

texto e foto de Valéria del Cueto

fevereiro de
2006





Foi
o ditado do dia que me fez chegar até aqui. Hoje é uma sexta feira clássica.
Tão clássica que fui parar no centro da cidade! O motivo não poderia ser mais
animador e estimulante: pra fazer a credencial de imprensa da Riotur (o nome
diz tudo) e ter todo o sambódromo e outros logradouros carnavalescos a seus pés
é necessária a entrega de fotos e documentos pessoais na sede da rua da
Assembléia, centro do Rio de janeiro.



Baseada
na previsão do tempo, teoricamente encoberto e com chuvas, como vinha
acontecendo desde o último fim de semana, aproveitei para marcar um almoço com
uma grande amiga e parceira na Cinelândia.





quando sai para a expedição foi que tive uma idéia do que era realmente o dia.
E que idéia! Caminhando pelo calçadão até a estação Arco Verde do metrô, só não
morri de calor por que usava uma roupa bem fresquinha, apesar da saia ser
comprida. E o solzão lá, torrando a mim e a outros desavisados, já conformados
com a expectativa de um dia cinzento e chuvoso como os anteriores.




CRIAÇÃO

Inspirada
pelos ditos filosóficos de Mestre Marçal, personalidade do samba, ritmista e
cantor, que venho estudando ultimamente numa das cadeiras do Instituto do
Carnaval, pensando na praia e no prazer que estava adiando, já que heroicamente
resolvi manter minha programação “downtown”, suspirei e me indaguei: “Dispensar
esta ida à Ponta (do Leme)?” E me respondi, cheia de ânimo: “Antes a tarde do
que nunca”






Seria
infame se não fosse verdadeiro. Se a infâmia não tivesse gerado uma ação.
Eis-me aqui, reagindo adequadamente, tal e qual uma lei de física tricentenária.




Fui
ao Centro, fiz o que tinha que fazer e voltei correndo para casa. Quer dizer,
para a praia. Por que em casa só passei
para trocar o figurino executivo pelo meu bom e confortável biquíni.




OLHA O GARI AÍ...


bom, o mar não está na sua melhor condição ainda cuspindo o lixo das últimas
chuvaradas e muita gigoga emergente, mas graças ao esforço da categoria que deveria
ser tema e inspiração do verão 2006, os garis, a praia está limpinha.




Primeiro,
disseram que este seria o verão do Zé Dirceu. Depois, das gigogas. Eu acho que
este é o verão dos garis. Graças a eles, não ficamos à mercê de centenas de
toneladas de gigogas e todas as porcariada que desceu para o oceano nos últimos
dias.




É
claro que o mar devolveu quase tudo. E aí entram os rapazes, tratando de varrer
mais, tirar mais lixo, limpar o pedaço. E olha que o pedaço a que me refiro é
extenso. Quem manda termos esta orla que Deus nos deu? Bom, já que não dá pra
me preocupar com tanta praia, volto os olhos para o canto em que habito.




O sol ainda está alto, para compensar o mar
está baixo, o que não agrada aos surfistas de plantão. A praia até vazia.
Outros gatos pingados como eu aproveitam o final do dia.




Nunca?
Antes à tarde. De preferência na Ponta do Leme, esperando o carnaval chegar.



Valeria del Cueto é jornalista e cineasta
liberado para reprodução com o devido crédito

http://delcueto.multiply.com

Este artigo faz parte da Serie Ponta do Leme,
composta por:
Farol da Alma, No Leme, 18 é pouco. Do resto não sei dizer, Onda,
Pedra e Maneiras de Ver o Leme
, A Vingança do Gato Preguiçoso, E o Rapa Levou, Até onde a Vista Alcanca, Pre Visões do Tempo, O Rei da Praia, Ha os que não Gostam, Ora Pois,
N.G. por V.d.C. e outros
mais que ainda virão....






















segunda-feira, 12 de setembro de 2005

PRÉ VISÕES DO TEMPO


Previsões do tempo
13/09/2005
Dou a mão à palmatória e aos que clamam pela mais absoluta verdade: é segunda feira, metade do dia e acabo de chegar na praia. Aqui mesmo, na Ponta do Leme.

O que posso fazer? O sol convidava, o céu azul me chamou pelo vão da área de serviço, onde tomo café conversando com as plantas do jardim. Atendendo a tantos apelos fui render L., que levantava acampamento justo quando eu me materializava na areia. Se fosse troca de turno ou corrida de bastão, a passagem seria perfeita.

Estendo a canga, respiro fundo e me preparo para receber os sinais. Para isso, abro todos os canais. Vejo. Ouço. Sinto. Respiro. O dia e o que ele me traz. Sei que é um dom, mas muito traiçoeiro. Para captar e traduzir é preciso se deixar conduzir. Liberar as energias e, depois, ir resgatando os sinais, aceitando as indicações e compondo o quadro, traço a traço, pincelada por pincelada.

DIÁLOGO

O sol brilha, o céu está azul, o vento conversa agitado. Disputa com o barulho do mar. Ambos inquietos. Os sons se transformam em imagens e cada gemido simboliza um carneirinho de espuma sobre as marolas que enfeitam a superfície agitada da água. Bem verdinha na beira mar, porém avisando no tom chumbado do horizonte que as coisas não ficarão tão boas como parecem.
O vento insiste e persiste. Inconstante. As letras, palavras, frases e notícias do jornal dançam ao desritmo de uma melodia doida, querendo misturar Severino com Ang Lee, Fluminense com Katrina, pizza com angu. Melhor guardar as letras, antes que elas comecem a acreditar em si mesmas. Num dia desses, numa praia assim, tudo é possível, até mudar o mundo...

O problema é que não me sinto capacitada para fazê-lo. Não sei com resolvê-lo. Agora não. Como? Se não consigo sequer entender este diálogo entre o vento e o mar....

MIRAGEM

Surge na minha frente, caminhando pela linha d’água, alguém do meu passado. Querido. Os mesmos olhos, cabelos, jeito de caminhar. É ele, penso emocionada. Rapidamente caio na realidade. É ele como sempre foi. Quando tinha a minha idade. Não pode ser ele por que o tempo passou. Talvez o filho, que nem sei se tem...

São duas as possibilidades: ou me entristeço pelo que já foi, ou agradeço pela lembrança antiga que veio me acariciar. Penso nos olhos, no sorriso e nos cachos castanhos, mais para dourados, no ar de esperança e, principalmente, na confiança do andar que os anos não me fizeram esquecer.Ele segue seu caminho, em direção a pedra. Sigo com o olhar seus passos e, tranqüila, não me despeço da imagem. O que vai naquela direção costuma voltar.

Distraída, observo a corveta da marinha que surge vinda da baía da Guanabara. Segue em direção as ilhas Cagarras, ao alto mar. E nada da minha visão retornar. Adeus olhos, cachos, corpo e andar. Adeus miragem do bem que esteve a me visitar.

REALIDADE

Fico, feliz, com a saudade.

O mar segue seu lamento... O vento grita, cheio de razão... O sol ressurge, em meio a bruma que baixou na praia deserta. Mais um prenúncio que o humor do dia está virando. A barra do horizonte confirma a previsão do tempo: nublado, com possibilidade de chuvas ao final do período...

...

*Valéria del Cueto é jornalista e cineasta

Este artigo faz parte da Série "Ponta do Leme", composto por “O Rei da Praia”, “ Há os que não Gostam, Ora Pois
e “N.G. por VdC” e
outros mais que ainda virão....